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O Estado enquanto empregador de última instância e a redução da jornada de trabalho : duas propostas de reorganização do mercado de trabalho

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

RODRIGO DI PROSPERO JOURDAIN

O ESTADO ENQUANTO EMPREGADOR DE ÚLTIMA

INSTÂNCIA E A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO:

DUAS PROPOSTAS DE REORGANIZAÇÃO DO MERCADO

DE TRABALHO

CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

RODRIGO DI PROSPERO JOURDAIN

O ESTADO ENQUANTO EMPREGADOR DE ÚLTIMA

INSTÂNCIA E A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO:

DUAS PROPOSTAS DE REORGANIZAÇÃO DO MERCADO

DE TRABALHO

Prof. Dr. JOSÉ CARLOS DE SOUZA BRAGA – Orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO RODRIGO DI PROSPERO JOURDAIN E ORIENTADO PELO PROF. DR. JOSÉ CARLOS DE SOUZA BRAGA.

CAMPINAS 2016

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

RODRIGO DI PROSPERO JOURDAIN

O ESTADO ENQUANTO EMPREGADOR DE ÚLTIMA

INSTÂNCIA E A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO:

DUAS PROPOSTAS DE REORGANIZAÇÃO DO MERCADO

DE TRABALHO

Defendida em 24/02/2016 COMISSÃO JULGADORA

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Agradecimentos

A todos que de uma forma ou de outra contribuíram para a realização deste trabalho, agradeço. Precisar, inferir ou estimar a importância de cada um talvez seja tarefa de economista. Do apontamento de um caminho ou uma crítica ao dividir de um ânimo, um estado de espírito, do rir do riso ou do derramar de um pranto, pela influência que cada um de vocês teve na reflexão e na execução deste trabalho,

agradeço.

Ao professor José Carlos de Souza Braga, não somente pela orientação, mas pela atenção, pelo senso crítico, pelo encaminhamento e por toda a ajuda e paciência, agradeço. Aos professores Adriana Nunes Ferreira e Giuliano Contento de Oliveira, pela preciosa ajuda na qualificação e depois, sugerindo novos rumos e criando leveza e perspicácia, agradeço. Aos professores do Instituto de Economia, que mesmo sem saber participaram desta trajetória, agradeço. A Luana Silva, Izabela Bassi e Kelly Duarte, pelas incontáveis grampeadas e pela companhia, que tornou agradáveis as longas horas de pesquisa na biblioteca, agradeço Aos docentes e profissionais do Levy Economics Institute do Bard College,

e aos laços formados naquela aventura, pela atenção, agradeço.

Aos parceiros de pesquisa, Ana Luíza, Elisabeth, Isabela, Mariana, Rodrigo e Thiago,

por, no caminho das pedras sempre ao horizonte, caminharmos juntos, agradeço. Aos colegas de Instituto, Alessandra, Ana, Aparecido, Beatriz, Camila, Carolina, Daniel, Danilo, Delaíde, Diego, Érica, Flávia, Flávio, Filipe, Gabriel, Henrique, Jaime, Juliane, Larissa, Leonela, Melissa, Nicholas, Queren, Rafael, Renato, Ricardo, Rodrigo e Romulo, vindouros e de outrora, pelas aventuras, pelo carinho e pela presença,

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agradeço. Ao Bruno, nossa avó, pelas infinitas revisões – questão menor mas fundamental, por todo o carinho, todo o cuidado, todos os incentivos e por toda a trajetória, agradeço. Ao Fabrício, nossa betoneira, pela oportunidade de sobreviver e pelos tucunarés, agradeço. Ao Caio, nossa anomia, pelos desvios e pelas retomadas, pela ajuda mútua e pelo carinho, agradeço. Aos sobreviventes, Caroline, Giovana, Jack, Jaqueline, Juliana, Laís, Luiz, Márcio, Matheus, Mariana, Marina, Renato, Victoria, Yahgo e às vezes o Murilo, entre quem ficou e quem voou, de perto ou de longe, de muito ou de pouco, por tudo,

agradeço. Aos pacientes Clóvis, Daniel, Fagner, Fernando, Guilherme, Júnior, Lucas, Mateus, Vinícius e Vitor, pela amizade, agradeço.

À Dayane, que foi o início, o fim e o meio disso tudo, pelos anos de compreensão, de carinho e de aprendizado,

agradeço. À Mariana, que caiu de paraquedas nessa jornada, pela paciência e pela curiosidade, agradeço. A Charles, que mesmo longe, está aqui, por tornar isso possível, agradeço. A Fernanda, Gabriela e Lúcia, por fazerem, aos trancos e barrancos,

que esse trabalho se realizasse, agradeço. E à Carla, que com a delicadeza de olhar me aponta novos horizontes,

por seguir ao meu lado, e seguirmos, agradeço.

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Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo! Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito, Da Terra, por prazer, fatia um só detrito E num bocejo imenso engoliria o mundo;

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Resumo

Esta dissertação se dedica a consolidar, apresentar e analisar, de forma crítica e sob os marcos da Economia Política, tendo como referência os sistemas conceituais desenvolvidos por J. M. Keynes, K. Marx e M. Kalecki, duas propostas de atuação do Estado face à institucionalidade do mercado de trabalho, com vistas à redução do desemprego e a uma melhor distribuição da renda, bem como a uma alocação mais eficiente dos recursos públicos no que diz respeito a estes dois objetivos e a um maior aproveitamento dos ganhos de eficiência tornados possíveis pela Terceira Revolução Industrial. Tratam-se do Empregador de Última Instância, de H. P. Minsky, desenvolvida ao longo das décadas de 1960 e 1970 para os Estados Unidos; e da Redução da Jornada de Trabalho, conforme os mecanismos e os instrumentos desenvolvidos por G. Aznar na França na década de 1990, ambas as quais, de maneira propositiva, apresentam novas formas de atuação do Estado, de organização das relações de produção e de distribuição da riqueza. O objetivo é avaliar as estruturas conceituais e políticas dos pressupostos, dos diagnósticos, dos mecanismos e dos resultados esperados de ambas as propostas, as quais têm como elemento comum o fato de incorporarem, enquanto forma de atuação política, especialmente pública, o potencial emancipatório da sociedade industrial avançada – forma histórica específica da civilização ocidental capitalista - em relação ao trabalho.

Palavras Chave:

Empregador de Última Instância; Redução da Jornada de Trabalho; Estado; Políticas Públicas; Institucionalidade do Mercado de Trabalho.

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Abstract

This dissertation is aimed at consolidating, introducing and analyzing, critically and under the beacon of Political Economy, with reference to the conceptual systems developed by J. M. Keynes, K. Marx e M. Kalecki, two proposals of State action concerning the institutions which surround the labor market, regarding its objectives of curbing unemployment and enhancing the distribution of income, as well as a higher efficiency in the allocation of public resources in respect to these two objectives and ultimately a fuller attainment of the efficiency gains made possible by the Third Industrial Revolution. They are the State stepping forward as Employer of Last Resort, as developed by H. P. Minsky throughout the decades of 1960 and 1970 for the United States; and the Reduction of Working Hours, according to the mechanisms and instruments developed by G. Aznar for France in the decade of 1990, both of which introduce new forms of State action, organization of production relations and wealth distribution. The objective is to evaluate the conceptual and political structures of the presuppositions, diagnostics, mechanisms and expected results of each proposal, whose common element is their incorporation, as forms of political action, especially public action, of the emancipatory potential of the advanced industrial society – specific historical form of the capitalist western civilization – in relation to work.

Keywords:

Employer of Last Resort; Reduction of Working Hours; State; Policy; Labor Market Institutions.

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Sumário

Introdução ... 1

1. O desemprego e a pobreza na Crítica da Economia Política ... 5

Introdução ... 5

1.1. J. M. Keynes e o paradoxo da pobreza em meio à abundância ... 11

1.2. K. Marx e a lei geral da acumulação capitalista ... 16

1.3. M. Kalecki e os aspectos políticos do pleno emprego. ... 24

2. O Estado enquanto Empregador de Última Instância... 31

Introdução ... 31

2.1. Minsky contra a “Guerra à Pobreza” ... 33

2.2. Uma política para o Pleno Emprego ... 41

2.3. A criação direta de postos de trabalho: o Empregador de Última Instância ... 50

2.4. Os Pós-Keynesianos e o Empregador de Última Instância ... 56

Uma avaliação crítica do Estado enquanto Empregador de Última Instância ... 66

3. A Redução da Jornada de Trabalho ... 73

Introdução ... 73

3.1. Aznar e o fim dos empregos ... 74

3.2. O caráter excludente do combate ao desemprego e da garantia de renda ... 82

3.3. A redução do tempo de trabalho: Trabalhar menos para trabalharem todos ... 90

Uma avaliação crítica da Redução da Jornada de Trabalho ... 102

Considerações Finais ... 107

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Introdução

It is both ironic and tragic that, in searching out ways to improve economic efficiency, we seem to have ignored the biggest inefficiency of them all.

Allan Blinder J. M. Keynes identifica como os principais defeitos da sociedade capitalista a incapacidade para proporcionar o pleno emprego e a arbitrária e desigual distribuição de riqueza e de renda. A obra do autor, face a este reconhecimento, carrega consigo a expectativa de que o agente externo às relações de produção e de troca, o Estado, é capaz de suavizar estes efeitos negativos desta forma de organização social. Esta forma específica de organização, ademais, o autor também enxergava como dotada de enormes potenciais emancipatórios, em função de sua prosperidade material sem igual, tornada possível pelo progresso técnico e pela acumulação de capital.

Da mesma forma, era no desenvolvimento das forças produtivas que K. Marx avistava a satisfação das necessidades naturais – ainda que ampliadas por esta ampliação mesma, pela determinação de novas necessidades conforme a transformação das bases materiais da existência humana. Mas trata-se do mesmo desenvolvimento que, sob a lógica capitalista, pela inovação tecnológica, pela modificação das composições técnicas e orgânicas em direção à maior produtividade via mecanização, acaba por tornar o capital cada vez mais independente do trabalho, bem como por tornar o trabalho cada vez mais livre, cada vez mais redundante, desnecessário: uma base cada vez mais miserável para a reprodução e a ampliação do regime de acumulação. O movimento estrutural do sistema, o sentido lógico de seu desenvolvimento, portanto, é a exclusão paulatina do trabalho como fonte do valor, bem como o alargamento do exército industrial de reserva disponível. Ao mesmo tempo, portanto, em que consolida seu movimento global de valorização, a disseminação da relação capital cria também as condições para a destruição de seus próprios mecanismos originários, ou, em outras palavras, o estabelecimento das bases para a superação de si mesmo como forma social histórica de organização.

Os limites desta contradição, por sua vez, se apresentam não como um colapso dos movimentos de valorização, mas na insustentabilidade das relações sociais engendradas pela própria estruturação do sistema de reprodução capitalista – precisamente os dois defeitos aos quais se refere Keynes: o desemprego e a pobreza. São, pois, dois elementos que

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compõem a própria lógica de funcionamento da relação capital, e que, portanto, permanecerão presentes a menos que se empreenda algum esforço de transformação.

O século XIX foi muito rico em propostas de reforma e de novas formas de organização social e da produção, dos mais distintos caracteres, mas com a preocupação comum, de forma geral, centrada no problema da pobreza – resultado da intensidade das transformações, virtuosas ou não, que o desenvolvimento da economia de mercado proporcionou e impôs à sociedade e aos indivíduos. Houve os sistemas de associação e cooperação de Robert Owen; os Falanstérios de Charles Fourier; os Bancos de Intercâmbio de P. J. Proudhon; os Ateliers Nacionais de Louis Blanc; o projeto de partido operário alemão unificado de Ferdinand Lassalle; e até mesmo os Planos Quinquenais de J. Stalin. Tais projetos, utópicos que fossem, eram também manifestação das preocupações e dos esforços da sociedade face à ameaça a sua própria preservação: suas formas históricas de sociabilidade eram postas cada vez mais em xeque pela grande transformação promovida pela ascensão irrefreada da primazia dos mercados. Desnecessário dizer que tais esforços de autopreservação eram eminentemente incompatíveis com o funcionamento desejado aos fluxos de mercados.

O século XX – e o início do século XXI –, por sua vez, também viu o desenvolvimento de alternativas de organização e regulação. É fundamental, pois, que se pense em transformações sociais a partir das especificidades históricas de cada tempo, de cada sociedade. Não é possível fazer voltar os ponteiros do relógio da história e retornar a estruturas passadas para visar a desfazer transformações consideradas negativas - mas que já foram colocadas em marcha - e retornar a configurações pretéritas interpretadas como mais virtuosas, o que se trataria, pretensiosamente, de reinventar o mundo a partir da regressão a “formas de convivência primitivas”. Como lembra o Marcuse (2000, p.100), “a destrutividade do presente estágio só revela sua plena significação se o presente for medido não em termos de estágios passados, mas em termos de suas próprias potencialidades.” A importância de propostas alternativas de organização reside em seu olhar precisamente sobre as estruturas vigentes e na compreensão, a partir de sua regressividade, de todas as suas possibilidades. É somente a partir das formas de organização presentes que se podem delinear novas formas de organização – não como retorno às supostamente melhores estruturas do passado, mas pelo desenvolvimento ulterior dos avanços que já foram conquistados, com vistas a levar suas potencialidades ao limite da realização.

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Este trabalho consiste na investigação de duas propostas, datadas da segunda metade do século XX, para a reestruturação do mercado de trabalho e da organização da produção. São elas a atuação do Estado enquanto empregador de última instância, de H. P. Minsky, e a redução da jornada de trabalho de G. Aznar. Ambas consistem em um redesenho dos mecanismos sobre os quais opera o mercado de trabalho, com vistas a possibilitar que os benefícios do desenvolvimento tecnológico alcancem a todos no mundo do trabalho, bem como de retificar, ainda que apelas relativamente, os desarranjos que o progresso técnico introduz ao nível de emprego e às próprias funções a serem executadas pelos indivíduos. Estas duas propostas foram selecionadas como foco desta pesquisa precisamente por contemplarem, cada uma à sua maneira, uma nova institucionalidade e uma nova dinâmica ao mercado de trabalho, bem como por tratarem de novas formas de atuação do Estado.

Isto porque, assim como as formas presentes de organização da sociedade industrial emergem de relações políticas, construídas por uma conjugação específica de forças, superar suas contradições e suas insustentabilidades também é tarefa da ação política. Discutir a viabilidade política, a possibilidade de implementação destas propostas em determinado espaço em determinado momento histórico, contudo, não é o enfoque deste trabalho. Dedicamo-nos, aqui, em primeiro lugar, a reunir, organizar e conceder rigor às propostas dos autores; em segundo lugar, a compreender os motivos pelos quais seus autores defendem suas posições, ou seja, suas posições em relação às instituições e às propostas alternativas postas em seus tempos; e, por fim, a avaliar os méritos e as dificuldades internas às propostas em si, bem como seus impactos sobre a dinâmica da sociedade industrial avançada.

Contudo, antes de introduzir as duas propostas, e de modo a permitir uma avaliação adequada, dentro dos marcos da Economia Política Crítica, de seus motivos, de seus impactos e de seus resultados esperados, se faz fundamental recuperar as posições de três de seus autores clássicos acerca do tema, nomeadamente, J. M. Keynes, K. Marx e M. Kalecki. Keynes, porque é o autor que melhor desenvolve o conceito de demanda efetiva e para o qual é possível, por meio da ação do Estado, conduzir a economia ao ponto de pleno emprego. Marx, logo em seguida, para lembrar que há vicissitudes no processo de produção, a lei geral da acumulação capitalista, em função da qual as relações de trabalho assumem suas formas determinadas. E Kalecki, por fim, por ser o autor que melhor dialoga com os aspectos políticos de propostas de tal monta. É a partir dos arcabouços conceituais destes autores que

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serão abordadas, apresentadas e discutidas as proposições selecionadas, no sentido de criticamente acessar suas virtudes e suas deficiências.

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1. O

desemprego e a pobreza na Crítica da Economia Política

Tá rebocado meu compadre Como os donos do mundo piraram Eles já são carrascos e vítimas Do próprio mecanismo que criaram.

Raul Seixas

Introdução

A grande contradição da sociedade industrial avançada identificada por J. M. Keynes já em 1930, no auge da Grande Depressão, foi a “anomalia do desemprego em um mundo cheio de necessidades” ou, como cunhado em obra posterior, o “paradoxo da pobreza em meio à abundância”. Para o autor, a prosperidade material da sociedade ocidental foi tornada possível, posta sua estrutura de organização social, pelo progresso técnico e pelo acúmulo de capital – ambos correlatos e complementares. A potencialidade de seus efeitos sobre a sociedade pode ser sentida já na comparação, feita pelo autor, entre o padrão material de vida ao longo de quatro mil anos de história, desde 2000 a.C. até meados do século XVII, e a riqueza e a relativa abundância dos duzentos anos de história do Capitalismo Moderno, do século XVII até, no caso, 1930. Foram estes dois elementos que, em conjunto, trouxeram consigo a solução do problema econômico que assolou a humanidade ao longo de sua história: a luta pela sobrevivência e pela subsistência. (KEYNES, 1930),

A velocidade destas transformações, porém, não foi acompanhada de mudanças também nas formas de organização social. A descoberta gradual de meios crescentes de se economizar trabalho, ao invés de trazer liberdade e abundância, trouxe desemprego e pobreza. Keynes, em 1930, entendia isto como um mero desajuste, mas, por isso mesmo, passível de correção. Sua esperança era de que, com o transcorrer da história, se alcançasse nível tal de desenvolvimento e de organização que a satisfação das necessidades econômicas mais básicas, de sobrevivência e de conforto, se tornaria tão simples a ponto de libertar a humanidade da necessidade do trabalho, de tornar obsoleta a luta pela existência material e permitir a dedicação do tempo e da vida a outros propósitos. As condições materiais seriam tais que possibilitariam otimizar, racionalizar e compartilhar da melhor e mais eficaz forma possível os resquícios de trabalho necessário, assim reduzidos a tarefas menores e rotinas

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simples. Para o autor, neste estágio, a humanidade enfrentaria seu verdadeiro problema: a questão de, dada a solução das necessidades mais urgentes, encontrar o que fazer com o tempo livre.

Keynes reconhecia, contudo, que ainda não se havia alcançado tal estágio – estava-se em fase de transição, de desenvolvimento. Para ele, a contradição posta era que seria o próprio ímpeto de acumulação, de love of money, e toda a extenuação e desgaste que ele traz consigo, a apontar e abrir o caminho para a abundância econômica, visto ser justamente este o impulso a promover tanto o progresso técnico quanto a acumulação de capital.

O ímpeto de acumulação de capital e de controle sobre a natureza é tanto a base da forma de organização social presente quanto, ao mesmo tempo, criador de elementos que possibilitam sua própria superação. Os efeitos do progresso técnico, do desenvolvimento tecnológico e da automação sobre a produção e a produtividade, por permitirem mais produção com menos trabalho humano, pois, encaminham a sociedade também à necessidade de uma cada vez mais intensa reorientação radical para longe do trabalho sistematizado, rumo a maiores incrementos de tempo livre. Isto porque a reengenharia corporativa e o deslocamento tecnológico, se levados às últimas consequências, têm como resultado uma necessidade plena de reorganização da produção: a eliminação em massa de trabalhadores cria desempregados - não com tempo livre à sua disposição, mas com tempo ocioso, tempo de não-trabalho -, e os empregos que são mantidos ganham acréscimos de intensidade, ou até mesmo mais horas. Contratar uma força de trabalho menor para trabalhar mais horas, pois, se mostra frequentemente menos custoso que o oposto, ainda que se pague relativamente mais pelas horas extras. A alternativa para estes processos o desemprego em massa ou a redução generalizada da produtividade – ambas inaceitáveis quando se tomam os ganhos de produtividade como chave da libertação do trabalho. Dessa forma, mostra-se crescentemente inevitável a redução da semana de trabalho e uma redistribuição do trabalho disponível, ou, ainda, que ocorram no bojo da Terceira Revolução Industrial os mesmos movimentos observados na Primeira e na Segunda, que reduziram a jornada de trabalho de 80 para 60 e de 60 para 40 horas semanais, respectivamente. (RIFKIN, 1995, p. 221-4).

A forma de organização social e as relações de produção da sociedade industrial, contudo, impõem sua própria reprodução – no sentido não apenas da sustentação dos processos que a compõem, mas também da manutenção de suas ordens hierárquicas. Segundo H. Marcuse, a permanência da pobreza e da desigualdade na sociedade industrial, em termos absolutos ou relativos, há tempo deixou de ser devido à escassez de recursos naturais e

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humanos, mas a suas formas de utilização e distribuição. O motivo lógico das formas presentes de organização, de controle e de repressão, a otimização entre “fins e meios escassos com usos alternativos” deixa, nesse sentido, de ser completamente racional. Na interpretação do autor, já em 1955 estavam postas as condições materiais e técnicas, nas sociedades industriais mais avançadas, para o desenvolvimento de formas mais livres de existência, dependentes de cada vez menos trabalho – porque a escassez, a condição que justifica tanto a corrida pela eficiência quanto o caráter repressivo da forma de organização presente, perde cada vez mais seu sentido enquanto modeladora da sociedade industrial. A libertação do trabalho, segundo o autor, “(...) é a mais realista, a mais concreta de todas as possiblidades históricas, e, ao mesmo tempo, a mais racionalmente, mais eficazmente reprimida – a possibilidade mais abstrata e remota.” (MARCUSE, 1955, p.16).

Isto porque, para Marcuse, apesar de a riqueza social desenvolvida até então tornar-se grande o suficiente para atingir a todas as pessoas, a acumulação de capital tornou-se um fim em si mesmo – transformando a vida humana voltada à produção industrial também em um fim em si mesmo, porque “(...) a ordem estabelecida é suficientemente forte e eficiente para justificar essa adesão e garantir sua continuidade”. (MARCUSE, 1955, p.21). O movimento dos ganhos de produtividade - tornado possível pelo progresso técnico e pelo acúmulo de capital; pelo acúmulo de conhecimento e de capacidade de controle sobre natureza - torna possível, em proporções cada vez maiores, a satisfação das necessidades humanas por meio de exigências cada vez menores de esforço humano. Mas esta economia de esforço não se traduz de conceito em concretude – efetivamente, na redução do esforço humano empregado. As relativas liberdades e gratificações oferecidas pela organização social presente, pois, se vinculam de forma prioritária à reprodução de seu sistema de repressão e de dominação.

O benefício da produção e do consumo em si é real, mas com uma ressalva: “(...) amplia as perspectivas da cultura material, facilita a obtenção das necessidades da vida, torna o conforto e o luxo mais baratos, atrai áreas cada vez mais vastas para a órbita da indústria – enquanto, ao mesmo tempo, apoia e encoraja a labuta e a destruição”, porque “os bens e serviços que os indivíduos compram controlam suas necessidades e petrificam suas faculdades.” A elevação do padrão de vida e a emancipação do trabalho são restringidos de suas potencialidades, com fins em preservar a ordem estabelecida de dominação e de forma que mantém os homens ocupados e os distraem da realização “(...) de que poderiam trabalhar menos e determinar suas próprias necessidades e satisfações.” (MARCUSE, 1955, p.99).

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Na sociedade industrial, portanto, o tempo de vida dos indivíduos, de trabalho e de lazer, é instrumentalizado e incorporado econômica e politicamente no sistema hierárquico da engrenagem produtiva, cujos desenvolvimentos são voltados não para a superação das condições repressivas da ordem vigente, mas para sua perpetuação. A sociedade afluente se volta em favor daquilo que simplesmente é, deixando de lado tudo o que poderia ser, de forma que “(...) o indivíduo paga com o sacrifício de seu tempo, de sua consciência, de seus sonhos; a civilização paga com o sacrifício de suas próprias promessas de liberdade, justiça e paz para todos.” (MARCUSE, 1955, p.99).

Quanto mais perto se encontra a possibilidade real de emancipar o indivíduo das restrições outrora justificadas pela escassez e imaturidade, tanto maior é a necessidade de manutenção e dinamização dessas restrições, para que a ordem estabelecida de dominação não se dissolva. (MARCUSE, 1955, p.94).

A racionalização e a mecanização da produção, ao invés de reduzirem a necessidade de trabalho humano e libertar tempo de vida e energia para as demais faculdades individuais, impedem a transformação qualitativa das necessidades humanas e perpetuam a exploração. A tecnologia, ao invés de atuar em favor da diminuição dos tempos de trabalho necessários à reprodução material, em benefício dos desenvolvimentos que alcançam além do domínio da necessidade, age em favor das presentes estruturas de dominação. A produtividade, ao invés de reduzir a repressão da necessidade, se volta conta os próprios indivíduos, tornando-se um instrumento de controle cada vez mais universal. Dessa forma, fica explícito como a mecanização, a padronização e a racionalização da produção não são repressivas e regressivas em si, mas sim sua contenção e seu encobrimento. A defesa desta dinâmica específica, contudo, é também sustentáculo da sociedade como um todo – desta

sociedade. “A revolta contra ela seria (...) contra a ordem sábia que garante os bens e serviços

para a progressiva satisfação das necessidades humanas.” (MARCUSE, 1955, p.93).

Enquanto a presente forma de organização do progresso técnico, ao mesmo tempo, torna progressivamente obsoleta a necessidade de trabalho e introduz tensões às condições de produção material, de reprodução da vida e de existência social dos indivíduos, tornam-se cada vez mais necessárias intervenções externas – de forma geral, impostas – precisamente para garantir a sustentação das estruturas de organização da sociedade industrial.

O progresso técnico, em si mesmo uma necessidade para a manutenção da ordem social estabelecida, fomenta necessidades e faculdades que são antagônicas da organização social do trabalho sobre a qual o sistema está edificado. No processo

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de automação, o valor do produto social é determinado em grau cada vez mais diminuto pelo tempo de trabalho necessário para sua produção. Consequentemente, a verdadeira necessidade social de mão-de-obra produtiva declina, e o vácuo tem que ser preenchido por atividades improdutivas. Um montante cada vez maior do trabalho efetivamente realizado torna-se supérfluo, dispensável, sem significado. (MARCUSE, 1955, p.21).

Segundo Marcuse, portanto, a solução apresentada pela sociedade industrial avançada a suas próprias insustentabilidades é diametralmente oposta a sua própria promessa de eficiência: conduz ao desperdício de esforço humano, pela “criação de empregos e serviços cada vez mais desnecessários e o crescimento do setor militar ou destrutivo.” (MARCUSE, 1955, p.21).

Por um lado, no que tange à ideia de empregos desnecessários, o resultado esperado da competição no mercado, a maximização da eficiência, não se realiza por completo. Para D. Graeber (2013), sequer a expansão absoluta do consumo e, em termos relativos, do acesso de parcelas cada vez maiores da população à afluência material, tampouco o aumento incomensurável da variedade de mercadorias, funções e indústrias, justifica a manutenção, no início do século XXI, das mesmas quantidades de horas trabalhadas por trabalhador nos países industrializados no início do século XX. Segundo o autor, referindo-se aos Estados Unidos, ao longo do último século,

o número de trabalhadores empregados como servidores domésticos, na indústria e no setor agrícola caiu drasticamente. Ao mesmo tempo, ‘cargos profissionais, gerenciais, administrativos, de vendas e de serviços’ triplicaram, crescendo ‘de um quarto para três quartos do emprego total.

O efeito da automação, nesse sentido, tem sido o de substituição, por máquinas, das funções produtivas, mas relativamente compensada por funções novas, majoritariamente no setor de serviços. Mesmo os esforços de downsizing, se concentram, de forma geral, sobre as funções referentes diretamente à produção – especialmente devido à automação -, ao passo que cargos assalariados de funções administrativas tendem à expansão. Para tanto, os

(…) postos de trabalho que tiveram que ser criados são, efetivamente, inúteis. Enormes grupos de pessoas, na Europa e na América do Norte, particularmente, gastam a totalidade de suas vidas profissionais executando tarefas que secretamente acreditam que não precisam ser realizadas.

Mas o próprio autor lembra que as 40 ou 50 horas de trabalho por semana no setor administrativo em grandes empresas não são empregadas inteiramente em funções produtivas,

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E mais e mais empregados se encontram, não diferentemente dos trabalhadores Soviéticos, trabalhando 40 ou até 50 horas por semana oficialmente, mas efetivamente trabalhando 15 horas, como Keynes previu, visto que o restante de seu tempo é gasto em organização ou assistindo seminários motivacionais, atualizando seus perfis no Facebook (...). (GRAEBER, 2013, tradução nossa).

Para Graeber, o desenvolvimento tecnológico acaba sendo dirigido para desenvolver formas de se trabalhar mais – e em funções que têm pouca relação com a produção e a distribuição em si, estes sim fundamentais para a afluência da sociedade industrial avançada. O critério utilizado pelo autor são os sentimentos dos próprios funcionários em relação às funções exercidas: “não presumo contar a alguém convencido de que está realizando uma contribuição significativa para o mundo que, na verdade, ele não está. Mas, e quanto às pessoas que estão elas mesmas convencidas de que seus trabalhos não têm significado?” (GRAEBER, 2013, tradução nossa).

(...) nós vimos o inchaço nem tanto do setor de ‘serviços’ quanto do setor administrativo, incluindo a criação de indústrias completamente novas, como serviços financeiros ou telemarketing, ou a expansão sem precedentes de setores como direito societário, administração acadêmica ou de saúde, recursos humanos e relações públicas. E estes números sequer refletem todas as pessoas cuja função é prover suporte administrativo, técnico ou de segurança para estas indústrias, ou, ainda, todo o corpo de indústrias auxiliares (lavadores de cães, entregadores de pizza 24h) que somente existem porque todos os demais têm todo seu tempo gasto em todas as demais indústrias. (GRAEBER, 2013, tradução nossa).

Por outro lado, no que diz respeito ao crescimento do setor destrutivo, como lembra D. Dillard (1948, p. 51-2), os únicos momentos em que a sociedade industrial avançada não sofreu com o desemprego foram principalmente durante as duas Guerras Mundiais. Determinada “ação social consciente” emergiu para cobrir as disparidades de rendimento, consumo e desemprego somente nos tempos de guerra. Segundo o autor, a vantagem de uma economia de guerra – no caso, as guerras totais que caracterizaram a primeira metade do século XX - é que sua produção industrial há de ser disparada, explodida ou destruída e, dessa forma, sem perdurar no tempo para competir com produções posteriores. Além disso, em tempos de guerra, a demanda por munição, explosivos, veículos bélicos e equipamentos militares é praticamente ilimitada, e seu consumo e necessidade de reposição, certezas.

Pensem um pouco na imensa mobilização que se produz em cada uma destas circunstâncias: vestimos de azul ou cáqui milhões de homens, enfileiramos

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milhares de caminhões, tanques, ambulâncias; fabricamos milhões de fuzis, de granadas, de foguetes; lançamos navios, aviões, projéteis; construímos imensas muralhas; a economia se transforma totalmente em economia de guerra, as fábricas funcionam dia e noite; o país transforma-se em aglomerado guerreiro com abelhas operárias atarefadas. (AZNAR, 1993, p. 19).

Se durante um conflito, mesmo com grande parte da mão de obra deslocada para os fronts, sob programas de racionamento e com parte significativa do esforço industrial dedicado a alimentar a máquina de guerra, a sociedade é capaz de se mobilizar e se organizar em proporções tais a ponto de desaparecer o desemprego e a pobreza nas zonas livres de conflito, por que esta enorme eficiência não se mantém nos tempos de paz, repercutindo justamente na redução da necessidade de trabalho? Como convoca Aznar (1993, p.19), “(...) decretemos a guerra em tempo de paz, decretemos a guerra ao desemprego.”

1.1. J. M. Keynes e o paradoxo da pobreza em meio à abundância

It would be a monstrous thing to reserve all our courage and powers of will for war and then, crowned with victory, to approach the Peace as a bankrupt bunch of defeatists.

J. M. Keynes Segundo Belluzzo e Almeida (2002, p, 65),

o princípio da demanda efetiva sustenta que o nível de renda e emprego da comunidade é determinado pelas decisões de gasto dos capitalistas, as quais, (dado o estoque de equipamento) são tomadas a partir de avaliações efetuadas isoladamente por cada empresário sobre as quantidades que antecipam vender a um determinado preço (de oferta). O conjunto das decisões de gasto determina em cada momento qual será o nível de renda da comunidade. Portanto, o que os empresários estão decidindo gastar agora na produção de bens de consumo e de bens de investimento será a renda da comunidade.

Nos termos de Keynes (1936), as decisões de gasto dos empresários se pautam na expectativa de retorno sobre a contratação de fatores de produção e do emprego de N trabalhadores. Ou seja, a decisão de produzir ou de investir, ou, simplesmente, a decisão de empregar, por parte do empresário, depende do nível de incentivo representado pela diferença entre o produto esperado e o preço de oferta agregada.

Sendo Z o preço de oferta agregada da produção resultante do emprego de N trabalhadores, e D o produto – os custos de fatores mais os lucros – esperado do emprego de

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N trabalhadores, o ponto de demanda efetiva se define no encontro das curvas de oferta e de

demanda agregadas, definidas em função do próprio nível de emprego N. Dito de outra forma, o ponto de demanda efetiva é determinado a partir das decisões empresariais individuais sobre o nível de produção e de investimento, tomadas com base nas expectativas de retorno sobre estas próprias decisões. (KEYNES, 1936, p. 60)

O autor sumariza todo o nexo causal determinante da dinâmica do mercado de trabalho da seguinte forma: diante de um aumento do nível de emprego e, dessa forma, da renda real agregada, o consumo agregado também aumenta, mas em uma proporção menor que o aumento da renda, devido a uma determinada propensão marginal a poupar. O aumento total do emprego, portanto, não se destina a satisfazer a maior demanda por consumo imediato, o que possibilita perdas para os empresários, que haviam decidido ampliar suas contratações em primeiro lugar. “Dessa maneira, para justificar qualquer nível de emprego, deve existir um volume de investimento suficiente para absorver o excesso da produção total sobre o que a comunidade deseja consumir quando o emprego se acha em determinado nível.” Ou seja, é este volume de investimento que possibilita que as receitas dos empresários, de forma agregada, sejam efetivamente aquelas esperadas, suficientes para induzi-los a oferecer o volume de emprego que deu início ao processo. Dessa forma, o autor conclui que é o nível de investimento - visto ser a variável independente, fruto essencialmente das decisões das classes empresariais de forma agregada, que determina o nível de equilíbrio de emprego, “o nível em que nada incita os empresários em conjunto a aumentar ou reduzir o emprego”. Restam, ademais, todos os determinantes do incentivo para investir: a escala de eficiência marginal do capital frente ao complexo das taxas de juros, a disponibilidade e as condições de oferta de crédito e o nível de preferência pela liquidez, bem como das expectativas das classes empresariais em relação ao futuro e de sua confiança em relação a suas expectativas. (KEYNES, 1936, p. 62).

Fica claro, portanto, o quanto o nível de emprego é somente um resultado final, secundário, derivado das decisões de alocação de riqueza, de investimento, de produção e de gasto das classes empresariais: “(...) o volume de emprego depende do nível de receita que os empresários esperam receber da correspondente produção. Os empresários, pois, esforçam-se por fixar o volume de emprego ao nível em que esperam maximizar a diferença entre a receita e o custo dos fatores.” (KEYNES, 1936, p. 60). Ainda que se afirme que o trabalhador sempre está em condições de determinar seu próprio salário nominal, ou seja, em igualdade de condições nas negociações com os empregadores, nem o trabalhador é capaz de fixar seu

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salário real – visto que uma alta de preços não determina uma diminuição da oferta de mão de obra -, nem o conjunto dos trabalhadores estão aptos a determinar, em âmbito agregado, a distribuição relativa da remuneração dos fatores de produção, em termos nominais ou reais, e o nível de emprego daquela sociedade. (KEYNES, 1936, p. 51).

Além disso, o ponto de demanda efetiva diz respeito não a toda uma série infinita de possibilidades de N, mas sim a um único valor de N de equilíbrio para cada dado momento no tempo. Ou seja, não se trata de que, para todo e qualquer número N de empregos, o produto D sempre se encontrará com o preço de oferta agregada Z, de forma que o efetivo nível de emprego dirá respeito somente ao todo conformado pelas decisões individuais dos trabalhadores de comparação do salário real com a desutilidade marginal do trabalho, ou seja, de acordo unicamente com o comportamento da mão de obra. Pelo contrário, como são as próprias decisões empresariais que determinam o volume de emprego, o ponto de demanda efetiva pode localizar-se ao longo de qualquer ponto do espectro de níveis de emprego N, dentro do qual o pleno emprego é apenas uma das possibilidades. Apenas um nível de emprego é compatível, simultaneamente, em dado momento do tempo, com o preço de oferta agregada da produção total e o preço de demanda agregada:

a demanda efetiva associada ao pleno emprego é um caso especial que só se verifica quanto a propensão a consumir e o incentivo para investir se encontram associados entre si numa determinada forma. Mas ela só se verifica quando, por acidente ou por desígnio, o investimento corrente proporciona um volume de demanda justamente igual ao excedente do preço da oferta agregada da produção resultante do pleno emprego sobre o que a comunidade decida gastar em consumo quando se encontre em estado de pleno emprego. (KEYNES, 1936, p. 62-3).

Pleno emprego, para o autor, corresponde “(...) ao volume máximo de emprego compatível com determinado salário real.”, ou seja, o pleno uso das potencialidades da sociedade industrial em termos de mão de obra. (KEYNES, 1936, p. 51). Sob o ponto de vista da produção, ainda, o nível de pleno emprego diz respeito ao “(...) ponto a partir do qual um novo aumento no valor da demanda efetiva já não é acompanhado por um aumento da produção”, ou seja, a partir do qual não é mais possível aumentar a produção por meio da contratação de fator trabalho adicional por meio de aumento do salário nominal. E, do ponto de vista do próprio nível de emprego, o pleno emprego diz respeito à “(...) situação em que o emprego agregado é inelástico diante de um aumento da demanda efetiva relativamente ao nível de produto correspondente àquele nível de emprego.” Ou seja, diz respeito à condição

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em que, efetivamente, qualquer desemprego ainda remanescente é ou somente friccional, ou plenamente voluntário. (KEYNES, 1936, p. 61).

Em função da conceituação do Princípio da Demanda Efetiva, por Keynes, portanto, é possível passar a compreender o fenômeno do desemprego involuntário, ou seja, o alcance de uma posição de equilíbrio entre a função de oferta agregada e a função de demanda agregada, a partir das decisões empresariais, em um nível de emprego N o qual não é o nível de pleno emprego, de forma que aquela sociedade não utiliza 100% de sua capacidade em termos de mão de obra. Segundo o autor, existe desemprego involuntário quando,

no caso de uma ligeira elevação dos preços dos bens de consumo de assalariados relativamente aos salários nominais, tanto a oferta agregada de mão de obra disposta a trabalhar pelo salário nominal corrente quanto a procura agregada da mesma ao dito salário são maiores que o volume de emprego existente. (KEYNES, 1936, p. 53).

Dessa forma, é possível passar a deixar de considerar o mercado de trabalho como apenas mais um mercado de bens, regulado pela oferta e pela demanda de trabalho em termos marshallianos e por isso determinado, essencialmente, pelo comportamento e pelas preferências dos próprios ofertantes de mão de obra entre a remuneração em salários reais e lazer, e passar a compreendê-lo ao mesmo tempo como crucial, visto determinar a renda e a própria existência dos indivíduos daquela sociedade, e como secundário, resultado derivado de uma série de decisões pretéritas, tanto logicamente quanto no transcorrer do tempo.

Não é, portanto, a desutilidade marginal do trabalho, expressa em termos de salários reais, que determina o volume de emprego, exceto no caso em que a oferta de mão de obra disponível a certo salário real fixe um nível máximo de emprego. A propensão a consumir e o nível do novo investimento é que determinam, conjuntamente, o nível de emprego, e é este que, certamente, determina o nível de salários reais – não o inverso. (KEYNES, 1936, p. 64).

É possível, portanto, que a propensão a consumir e o volume de investimento resultem em determinado nível de demanda efetiva no qual o nível de emprego é inferior à oferta de mão de obra disponível ao salário real vigente, salário este inclusive superior à desutilidade marginal do trabalho. Este, para Keynes, é a essência do paradoxo da pobreza em meio à abundância: um nível insuficiente de demanda inibe o processo de produção e interrompe o aumento do nível de emprego antes que se alcance o pleno emprego. Quanto mais rica e desenvolvida é uma sociedade, menores são as perspectivas de rendimentos futuros de investimento de longo prazo, tornando o ponto de pleno emprego cada vez mais

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fugaz, mais difícil de ser alcançado e mais resistente à estabilização. Quanto mais rica e desenvolvida a sociedade, maior se torna a lacuna entre seu nível efetivo de produção e sua produção potencial. (KEYNES, 1936, p. 64-5).

Isto significa que não bastam as medidas clássicas para a elevação do nível de emprego, como as sugeridas pelo Prof. Pigou e recuperadas por Keynes, quais sejam: a melhora institucional da organização do emprego, de forma a reduzir o desemprego ficcional; a melhora da relação entre a desutilidade marginal do trabalho e o salário real, de forma a reduzir o desemprego voluntário; o aumento da produtividade nas indústrias de bens de consumo dos assalariados, de forma a reduzir preços, aumentar o salário real e diminuir o desemprego voluntário; ou o deslocamento das despesas de indivíduos não assalariados sobre bens salariais, de forma a reduzir sua demanda e, assim, seus preços, aumentando os salários reais e diminuindo o desemprego voluntário. (KEYNES, 1936, p. 47).

Keynes reconhece serem dois os defeitos, óbvios e maléficos, do sistema econômico: sua incapacidade em proporcionar o pleno emprego e sua arbitrária e desigual distribuição de riqueza e de renda. (KEYNES, 1936, p. 64). Por isso, a existência do desemprego involuntário, fruto do todo conformado pelas decisões individuais, unilaterais e descoordenadas dos empresários, demanda novos mecanismos para o enfrentamento do desemprego.

No capítulo final de A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, o autor advoga quatro mecanismos de enfrentamento destes problemas, visto reconhecer que o arcabouço conceitual desenvolvido na obra poderia levar a uma nova filosofia social. Um destes mecanismos é o “estabelecimento de certos controles sobre atividades que hoje são confiadas, em sua maioria, à iniciativa privada”1

. Faz-se fundamental, para o autor, a participação ativa do Estado, de forma a fornecer uma “influência orientadora” sobre a propensão marginal a consumir. Além, contudo, de recorrer a mecanismos tributários e à fixação da taxa de juros, Keynes defende também uma “socialização algo ampla dos investimentos” como único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego, enquanto, vale lembrar, forma de cooperação com a iniciativa privada. Por “ampla”, o autor compreende que se trata de o Estado passar a abranger a vida econômica da nação, nem de assumir a propriedade dos meios de produção. Trata-se de o Estado se fazer capaz de

1 Em entrevista à BBC em 4 de janeiro de 1933, publicada em The Listener em 11 de janeiro de 1933, Keynes

afirma que “(…) it isn’t really the business of private individuals to spend more than they naturally would, any

more than it is their business to provide for the unemployed by private charity. These things should be done by the organized community as a whole, that is to say, by public authoriries.” (KEYNES, 1933, p. 151).

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determinar os montantes agregados de recursos que se destinam ao investimento, à produção de meios de produção, bem como a taxa básica de remuneração de seus proprietários – a taxa de juros. Os controles centrais defendidos pelo autor, portanto, destinam-se a estabelecer volumes de produção agregada ajustados à propensão a consumir e o estímulo ao investimento e que correspondam precisamente, o mais próximo possível, com o nível de pleno emprego – momento lógico no qual, inclusive, a teoria clássica pode reconquistar sua primazia, visto transformar o mercado de trabalho de fato em um mercado. (KEYNES, 1936, p. 345-6).

1.2. K. Marx e a lei geral da acumulação capitalista

Este fixar-se da atividade social, essa consolidação de nosso próprio produto num poder objetivo situado acima de nós, que foge ao nosso controle, que contraria nossas expectativas e aniquila nossas conjeturas, é um dos principais momentos no desenvolvimento histórico até aqui realizado.

K. Marx e F. Engels De acordo com Belluzzo (1980, p. 120).

Marx, portanto, está tratando aí das leis de tendência do modo capitalista de

produção, que rigorosamente só aparece no momento em que as relações capitalistas

revolucionam a natureza do processo de trabalho para permitir a reprodução ampliada do capital enquanto capital (...).

A jornada de trabalho, para Marx, é composta de duas partes. A mercadoria força de trabalho é comprada e vendida pelo seu valor, o qual, como o de todas as demais mercadorias, se determina pelo tempo de trabalho necessário para sua produção. Ou seja, o tempo de trabalho que compõe a jornada equivale ao tempo de trabalho necessário à produção dos meios de subsistência diários do trabalhador. Mas esta fração correspondente ao trabalho necessário para a existência material do trabalhador não totaliza a jornada de trabalho: a duração adicional ao tempo de trabalho necessário à reprodução da mercadoria força de trabalho é tempo de mais-trabalho – tempo de trabalho não pago. Entre o direito de comprador do capital, de prolongar o máximo possível o tempo de trabalho comprado, e o direito do trabalhador enquanto vendedor, interessado em limitar seu tempo vendido a uma duração determinada, tem-se

portanto, uma antinomia, um direito contra outro direito, ambos igualmente apoiados na lei da troca de mercadorias. Entre direitos iguais, quem decide é a força.

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E assim a regulamentação da jornada de trabalho se apresenta, na história da produção capitalista, como uma luta em torno dos limites da jornada de trabalho – uma luta entre o conjunto dos capitalistas, i.e., a classe capitalista, e o conjunto dos trabalhadores, i.e., a classe trabalhadora. (MARX, 1867, p. 309).

Dessa forma, enquanto resultado de um enfrentamento de poder, o autor lembra,

a variação da jornada de trabalho se move, assim, no interior de limites físicos e sociais, porém ambas as formas de limites são de natureza muito elástica e permitem as mais amplas variações. (MARX, 1867, p. 306).

Para Marx, a jornada de trabalho é, a um só passo, determinável e indeterminada, fluida, que só pode variar dentro de certos limites ao mesmo tempo em que seu limite mínimo é indeterminável. Ainda que seu limite mínimo seja o trabalho necessário à autoconservação da força de trabalho, “(...) com base no modo de produção capitalista, o trabalho necessário só pode constituir uma parte de sua jornada de trabalho, de modo que esta jamais pode ser reduzida a esse mínimo.” Isto porque “(...) o tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou do trabalhador. Se este consome seu tempo disponível para si mesmo, ele furta o capitalista. (MARX, 1867, p. 306-7).

(...) sua força motriz não é o valor de uso e a fruição, mas o valor de troca e seu incremento. Como o fanático da valorização do valor, o capitalista força inescrupulosamente a humanidade à produção pela produção e, consequentemente, a um desenvolvimento das forças produtivas sociais e à criação de condições materiais de produção que constituem as únicas bases reais possíveis de uma forma superior de sociedade, cujo princípio fundamental seja o pleno e livre desenvolvimento de cada indivíduo. (MARX, 1867, p. 667).

Ou seja, por mais que se reduza a quantidade de trabalho necessária à produção dos meios de subsistência do trabalhador, de forma que se reduza o tempo de trabalho necessário para a produção de equivalente a este valor para repor o valor diário adiantado pelo capital, não se reduz o valor do produto da força de trabalho, e é este diferencial que justifica o mais-trabalho. Para que se reduza a quantidade de trabalho necessária à produção dos meios de subsistência, contudo, é fundamental uma elevação da força produtiva do próprio trabalho. Segundo o próprio autor, é necessário que haja uma revolução nas condições de produção, do modo de produção, do processo de trabalho. O modo de produção, nesse sentido, não pode ser considerado como dado, constante em relação às formas historicamente herdadas, mas sim

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como móvel, passível de sofrer revoluções em suas condições técnicas e sociais ou, ainda, capaz de revolucionar a si mesmo. (MARX, 1867, p. 388-90).

A partir dos ganhos de produtividade, portanto, diferenciam-se o mais-valor

absoluto, resultado do prolongamento direto da jornada de trabalho, e o mais-valor relativo,

que “(...) ao contrário, deriva da redução do tempo de trabalho necessário e da correspondente alteração na proporção entre as duas partes da jornada de trabalho (...).” (MARX, 2013, p. 390). São a maquinaria e a grande indústria, utilizadas de forma capitalista, os elementos que possibilitam a crescente diminuição do tempo de trabalho necessário e o aumento da parcela de mais-trabalho em relação ao tempo total da jornada de trabalho, por meio justamente do aumento da produtividade do trabalho. Como parte do capital constante, as máquinas não geram valor, apenas multiplicam a produtividade do capital variável, o trabalho vivo, ou, sob outro ponto de vista, transferem parcelas de seu próprio valor ao produto, ao longo de toda sua vida útil. É característica do modo de produção capitalista, portanto, o movimento conforme o qual, progressivamente,

(...) o trabalhador, por meio do aumento da força produtiva do trabalho, seja capaz de produzir mais com o mesmo dispêndio de trabalho ao mesmo tempo. O mesmo tempo de trabalho agrega ao produto total o mesmo valor de antes, embora esse valor de troca inalterado se incorpore agora em mais valores de uso, provocando, assim, uma queda no valor da mercadoria individual. (MARX, 1867, p. 482).

O trunfo da grande indústria, nesse sentido, consiste em “(...) incrementar extraordinariamente a força produtiva do trabalho por meio da incorporação de enormes forças naturais e das ciências da natureza ao processo de produção (...)” (MARX, 1867, p. 460), concedendo, historicamente, ganhos de produtividade sem precedentes, os quais permitem a redução do tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de mercadorias – uma revolução das condições técnicas e sociais do processo de trabalho e, portanto, do próprio modo de produção. (MARX, 1867, p. 389-90). Mas tais formas capitalistas de produção ao mesmo tempo velam o fato de que o incremento de produtividade comporta também um aumento do trabalho dispendido. (MARX, 1867, p. 460). Isto porque, na produção capitalista,

a economia do trabalho por meio do desenvolvimento de sua força produtiva não visa em absoluto a redução da jornada de trabalho. Seu objetivo é apenas a redução do tempo de trabalho necessário para a produção de determinada quantidade de mercadorias. (MARX, 1867, p. 394-5).

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A revolução que a grande indústria imprime sobre as forças produtivas capitalistas, portanto, consiste não na redução da carga nem do tempo de trabalho, mas em seu contrário: a intensificação do trabalho, o aumento de produtividade tal que torna desnecessário o aumento absoluto da jornada de trabalho, ao mesmo tempo, contudo, em que se aumenta o conteúdo de trabalho. Trata-se, portanto, simultaneamente, de uma diminuição do valor das mercadorias e de um aumento da mais-valia nelas contida. (MARX, 1867, p. 394-5).

(...) a redução forçada da jornada de trabalho, juntamente com o enorme impulso que ela imprime no desenvolvimento da força produtiva e à redução de gastos com as condições de produção, impõe, no mesmo período de tempo, um dispêndio aumentado de trabalho, uma tensão maior da força de trabalho, um preenchimento mais denso dos poros do tempo de trabalho, isto é, impõe ao trabalhador uma condensação do trabalho num grau que só pode ser atingido com uma jornada de trabalho mais curta. Essa compressão de uma massa maior de trabalho num dado período de tempo mostra-se, agora, como ela é: uma quantidade

maior de trabalho. (MARX, 1867, p. 482, grifo nosso). A maquinaria, dessa forma,

barateia o produto e aumenta sua quantidade no ramo de que se apodera (...). Depois de sua introdução, portanto, a sociedade dispõe de tanto ou mais meios de subsistência para os trabalhadores deslocados do que dispunha antes (...). As contradições e os antagonismos inseparáveis da utilização capitalista da maquinaria inexistem, porquanto têm origem não na própria maquinaria, mas em sua utilização capitalista! Como, portanto, considerada em si mesma, a maquinaria encurta o tempo de trabalho, ao passo que, utilizada de modo capitalista, ela aumenta a jornada de trabalho; como, por si mesma, ela facilita o trabalho, ao passo que, utilizada de modo capitalista, ela aumenta sua intensidade; como, por si mesma, ela é uma vitória do homem sobre as forças da natureza, ao passo que, utilizada de modo capitalista, ela subjuga o homem por intermédio das forças da natureza; como, por si mesma, ela aumenta a riqueza do produtor, ao passo que , utilizada de modo capitalista, ela o empobrece (...). (MARX, 1867, p. 513).

Mas, no que diz respeito ao custo do trabalho para o capitalista, Marx lembra que, em adição ao conflito que a própria determinação da taxa dos salários significa, uma elevação do preço do trabalho “(...) denota, no melhor dos casos, apenas a diminuição quantitativa do trabalho não pago que o trabalhador tem de executar. Tal diminuição jamais pode alcançar o ponto em que ameace o próprio sistema.” (MARX, 1867, p. 695-6). Uma alta da taxa de salários derivada simplesmente do processo de acumulação do capital tem dois possíveis

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resultados: ou o preço do trabalho sobe “porque seu aumento não perturba o progresso da acumulação” - porque, mesmo com lucros relativamente menores, os capitais continuam a aumentar; ou a redução do trabalho não pago prejudica a ampliação do domínio exercido pelo capital. Isto porque o preço do trabalho, crescente, pode alcançar monta tal a ponto de “embotar o acicate do lucro”. Mas com isso, mesmo que a acumulação decresça, ao mesmo tempo se faz desaparecer a própria causa do decréscimo: a nova proporção – ou desproporção – entre capital e força de trabalho explorável. Com o decréscimo da acumulação, cai também o preço do trabalho, até o novo nível compatível com as novas necessidades de valorização do capital. (MARX, 1867, p. 696).

Vemos que, no primeiro caso, não é a diminuição no crescimento absoluto ou proporcional da força de trabalho ou da população operária que torna excessivo o capital, mas, por outro lado, é o aumento do capital que torna insuficiente a força de trabalho explorável. No segundo caso, não é o aumento no crescimento absoluto ou proporcional da força de trabalho ou da população trabalhadora que torna insuficiente o capital, mas, ao contrário, é a diminuição do capital que torna excessiva a força de trabalho explorável ou, antes, seu preço. (MARX, 1867, p. 696).

Para Marx, nesse sentido, os movimentos relativos na massa da força de trabalho são reflexos dos movimentos absolutos na acumulação de capital, nunca o contrário.

O aumento do preço do trabalho é confinado, portanto, dentro dos limites que não só deixam intactos os fundamentos do sistema capitalista, mas asseguram sua reprodução em escala cada vez maior. (...) a natureza dessa acumulação exclui toda a diminuição no grau de exploração do trabalho ou toda elevação do preço do trabalho que possa ameaçar seriamente a reprodução constante da relação capitalista, sua reprodução em escala sempre ampliada. E não poderia ser diferente, num modo

de produção em que o trabalhador serve às necessidades de valorização de valores existentes, em vez de a riqueza objetiva servir às necessidades de desenvolvimento do trabalhador. (MARX, 1867, p, 697, grifo nosso).

O movimento de acumulação, ademais, suscita variações periódicas na distribuição e na variação da composição orgânica do capital, de forma que, irrespectivamente ao motivo ou à esfera da produção envolvida, “(...) o crescimento da parte variável do capital e, portanto, do número de trabalhadores ocupados, vincula-se sempre a violentas flutuações e à produção transitória de uma superpopulação (...).” (MARX, 1867, p. 705). Dito de outra forma,

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a acumulação capitalista produz constantemente, e na proporção de sua energia e seu volume, uma população trabalhadora adicional relativamente excedente, isto é, excessiva para as necessidades médias de valorização do capital e, portanto, supérflua. (MARX, 1867, p. 705).

Essa superpopulação, segundo o autor, pode assumir tanto a forma da repulsão dos trabalhadores anteriormente ocupados quanto sua forma menos evidente, do aumento da dificuldade de absorção da população trabalhadora suplementar. (MARX, 1867, p. 705).

Juntamente com a grandeza do capital social já em funcionamento e com o grau de seu crescimento, com a ampliação da escala de produção e da massa dos trabalhadores postos em movimento, com o desenvolvimento da força produtiva de seu trabalho, com o fluxo mais amplo e mais pleno de todos os mananciais da riqueza, amplia-se também a escala em que uma maior atração dos trabalhadores pelo capital está vinculada a uma maior repulsão desses mesmos trabalhadores (...). Assim, com a acumulação do capital produzida por ela mesma, a população trabalhadora produz, em volume crescente, os meios que a tornam relativamente supranumerária. (MARX, 1867, p. 706).

Mas o autor lembra também que o excedente de população trabalhadora não é somente produto – produto necessário – da acumulação capitalista e do desenvolvimento da riqueza. Para Marx, ela é também “alavanca da acumulação capitalista, e até mesmo [uma] condição de existência do modo de produção capitalista”. Trata-se da constituição de um

exército industrial de reserva disponível, “que pertence ao capital de maneira tão absoluta

como se ele o tivesse o criado por sua própria conta.” Segundo o autor, a população trabalhadora excedente fornece precisamente o material humano fluido, sempre pronto para ser explorado, que as necessidades variáveis de valorização do capital determinam requerem. (MARX, 1867, p. 707).

(...) é preciso que grandes massas humanas estejam disponíveis para serem subitamente alocadas nos pontos decisivos, sem que, com isso, ocorra uma quebra na escala de produção alcançada em outras esferas. (...) A expansão súbita e intermitente da escala de produção é o pressuposto de sua [da população trabalhadora explorável] contração repentina; esta última, por sua vez, provoca uma nova expansão, a qual é impossível na ausência de material humano disponível (...).

Toda forma de movimento da indústria moderna deriva, portanto, da transformação constante de uma parte da população trabalhadora em mão de obra desempregada ou semiempregada. (MARX, 1867, p. 708, grifo nosso).

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O sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, ao mesmo tempo que, inversamente, esta última exerce, mediante sua concorrência, uma pressão aumentada sobre a primeira, forçando-a ao sobretrabalho e à submissão aos ditames do capital. A condenação de uma parte da classe trabalhadora à ociosidade forçada em razão do sobretrabalho da outra parte, e vice-versa, torna-se um meio de enriquecimento do capitalista individual, ao mesmo tempo que acelera a produção do exército industrial de reserva num grau correspondente ao progresso da acumulação social. (MARX, 1867, p. 712).

Significa isto, segundo Marx, “(...) que o mecanismo da produção capitalista vela para que o aumento absoluto de capital não seja acompanhado de um aumento correspondente da demanda geral de trabalho.” (MARX, 1867, p. 715).

Nos períodos de estagnação e prosperidade média, o exército industrial de reserva pressiona o exército ativo de trabalhadores; nos períodos de superprodução e paroxismo, ele barra suas pretensões. A superpopulação relativa é, assim, o pano de fundo sobre o qual se move a lei da oferta e da demanda de trabalho. Ela reduz o campo de ação dessa lei a limites absolutamente condizentes com a avidez de exploração e a mania de dominação próprias do capital. (MARX, 1867, p. 714).

É a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista, portanto, a relação inversa entre a riqueza social, o capital em funcionamento e o vigor de seu crescimento, a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, por um lado, e o volume do exército industrial de reserva, por outro – precisamente a grande contradição identificada por Keynes, ainda que em outros termos e a partir de outro ponto de vista, preocupado com a existência de desemprego involuntário em uma sociedade cheia de necessidades. (MARX, 1867, p. 719-20).

A lei segundo a qual uma massa cada vez maior de meios de produção, graças ao progresso da produtividade do trabalho social, pode ser posta em movimento com um dispêndio progressivamente decrescente de força humana, é expressa no terreno capitalista – onde não é o trabalhador quem emprega os meios de trabalho, mas estes o trabalhador - da seguinte maneira: quanto maior a força produtiva do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores sobre seus meios de ocupação, e tanto mais precária, portanto, a condição de existência do assalariado, que consiste na venda da própria força com vistas ao aumento da riqueza alheia ou à autovalorização do capital. (MARX, 1867, p. 720).

Para o autor, “(...) seria uma bela lei a que regulasse a demanda e a oferta de trabalho não pela expansão e contração do capital (...), mas, ao contrário, fizesse a dinâmica

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