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PARTE I: CONCEITOS E PARES CONCEITUAIS

7. REDUCIONISMO E EMERGÊNCIA

Modernamente, o conceito de fenômeno emergente está intrinsicamente associado ao de reducionismo – de fato, o primeiro foi elaborado, em parte, como resposta ao segundo. Assim, precisamos tecer algumas breves considerações acerca do papel do princípio reducionista na epistemologia.

Assim, como ‘emergente’, o termo ‘reducionismo’ tem diversos significados. Nós mesmos, ao considerarmos a condição interdisciplinar no Campo Ambiental, utilizamos o termo como referindo um princípio que permeia em maior ou menor intensidade os campos monocultores e que dispõe – como premissa e de forma apriorística – que o campo é capaz de, isoladamente, dar conta de dado fenômeno. Assim, nesse sentido em que usáramos o termo, este estaria associado ao princípio da autoafirmação e ao isolamento de um campo monocultor. Neste item, no entanto, considerar-se-ão outros sentidos do termo; especificamente o reducionismo ontológico e o reducionismo epistêmico.

Comecemos, assim, pelo reducionismo ontológico. Por reducionismo ontológico entende-se a noção de que apenas um pequeno número de entes – em geral, as partículas mais fundamentais conhecidas – compõe todos os objetos físicos conhecidos. Assim, de acordo com esta espécie de reducionismo, não há um acréscimo material quando se passa de um nível de análise para outro. Esta noção não é necessariamente intuitiva – no correr da história da filosofia, da antiguidade ao presente, sempre houve uma tensão no que tange o tema; especialmente em relação à distinção entre seres vivos (biológicos) e não vivos (abiológicos).

Na antiguidade, por exemplo, era comum a visão de que os seres vivos distinguiam-se por possuírem uma ‘anima’ ou ‘psyché’ que os animava – Aristóteles propôs a existência de um contínuo de almas, indo de vegetais aos seres humanos. Já Descartes adotou uma postura mais restrita, ao considerar que os animais não humanos não teriam uma alma e, portanto, não passariam de autômatos passíveis de serem ‘reduzidos’ a leis físicas e químicas. Uma das últimas propostas neste sentido foi

feita, já no século XX, pelo francês Bergson que entendia que os seres vivos teriam um ‘Élan vital’ que lhes atribuiria características próprias.

O reducionismo ontológico é, hodiernamente, bastante difundido, especialmente entre os cientistas naturais e noções tais qual o dualismo cartesiano entre mente e matéria e o élan vital, tem pouco impacto nos campos de conhecimento com a exceção do campo teológico.

O reducionismo epistêmico vai além do ontológico ao propor que para entender um dado fenômeno, bastem as teorias de seus componentes; ou seja, para manter o exemplo dos seres vivos, bastaria entender plenamente os processos físico-químicos para, ipso facto, entender os processos biológicos. Esse entendimento é daquela classe de ideias muito mais criticadas que defendidas. Não há nenhuma razão clara para supormos ser possível explicar as relações humanas apenas a partir dos fatos biológicos ou ainda estes a partir de teorias físicas. Por conta disso, há poucas razões ou sentido em adotar-se tal posição.

Mas isto nos leva a um novo limite: se aceitarmos – em consonância com os indicadores de realidade – que a matéria é constituída de leptons e hadrons5, não

estaríamos inadvertidamente aceitando o reducionismo epistêmico? Em outras palavras: como entender que cada campo de conhecimento tenha objetos próprios, sem recorrer a expedientes sem caráter empírico – tais como energias vitais, almas ou outras quimeras? Uma resposta é justamente a emergência.

Em poucas palavras, o conceito de emergência está encapsulado na proposição Aristotélica ‘o todo é maior que a soma de suas partes’. Apesar de já haver sido formulada de forma incipiente desde a antiguidade, foi no século XX que o conceito de emergência foi deslindado e ganhou contornos definidos – entre outros, o filósofo e lógico Alfred Whithead elaborou uma teoria embasada no conceito de emergência.

5 Os termos ‘hádron’ e ‘lépton’ se referem às espécies de partículas subatômicas. Prótons e nêutrons, por exemplo, são hádrons (mais especificamente, barions), enquanto elétrons são léptons. Há, no entanto, uma miríade de outras partículas em ambas classificações.

Em uma definição mais precisa, uma característica é emergente se estiver presente em um ente ou sistema sem, no entanto, estar presente nos elementos que o compõe. Assim, a teoria da emergência, se correta, permite ao sujeito, a um só tempo, aceitar o reducionismo ontológico sem cair em um reducionismo epistêmico. Nesse sentido, qualquer entidade é mais que a mera soma das partículas fundamentais que a compõe e, por isso, pode ser estudada para além de tais peças fundamentais. Vale, no entanto, lembrar que isso não significa que possamos declarar que teorias de campos exógenos a uma pesquisa não lhe tenham quaisquer serventias – isso seria cair no isolacionismo e, consequentemente, em um possível enfraquecimento da base epistêmica da pesquisa.

Uma questão que pode tornar-se obscura na análise de características emergentes é entender sua origem. Noções como ‘força vital’ tem grande apelo intuitivo por dar um ponto de apoio – um objeto que, mesmo metafísico, permite ao sujeito atribuir a existência de novos atributos do fenômeno. A ideia força do presente item é propor um entendimento intuitivo de ‘emergência’.

Para tanto, lançaremos mão de uma analogia, a qual – desde logo deixamos claro – é limitada; mas que nos permitirá estabelecer um entendimento inicial. Considere-se a palavra ‘ amor’. Esta palavra tem um sentido (ou grupo de sentidos) que a distingue de outras palavras da língua portuguesa. No entanto, o sentido do termo não está contido em nenhuma das letras que o compõe. De fato, este mesmo conjunto de letras podem formar as palavras ‘Roma’, ‘mora’, ‘o mar’ e ‘ramo’, cujos significados divergem completamente daquele referido por ‘ amor’. Isto considerando apenas as palavras que tem um significado, já que as letras que compõe ‘ amor’, se incluirmos o espaço como sendo um caractere, podem ser arranjadas em 120 combinações distintas. Como dissemos, este exemplo é limitado, pois embora as letras não contenham o significado da palavra, elas remetem a um ou mais fonemas, os quais constituem a palavra do ponto de vista físico. Outro exemplo – mais preciso, mas não tão enfático – seriam quatro retas de mesmo comprimento que podem ser usadas para construir um quadrado ou um losango, mas que não contem nenhuma forma em si

mesmas. Voltaremos a estes exemplos mais adiante; antes, no entanto, vejamos como estas considerações preliminares se aplicam ao Campo Ambiental.