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PARTE I: CONCEITOS E PARES CONCEITUAIS

8. TELEOLOGIA E TELEONOMIA: DERIVAÇÕES DA COEVOLUÇÃO

8.1. TELEONOMIA E COEVOLUÇÃO

O processo de coevolução se dá a partir de mudanças graduais e profundamente imbricadas e tem por característica a possibilidade de gerar sistemas estocásticos – aqueles nos quais o estado seguinte do sistema pode ser profundamente alterado por variação aparentemente insignificante em estados anteriores. Isto não significa não haver quaisquer padrões que possamos detectar nos processos coevolutivos; apesar de, em geral, haver uma gama de estratégias possíveis, estas parecem se cingir a um conjunto finito de possibilidades. Tais estratégias respondem a um télos que, na evolução biológica, corresponde a um télos de sobrevivência de predador e presa.

Anteriormente já havíamos buscado integrar o princípio da coevolução – cujas origens encontram-se no campo biológico e na teoria evolucionária Darwiniana – ao Campo Ambiental (NORGAARD, citado em FADUL E SOUZA-LIMA, 2015):

No paradigma coevolucionário, o meio ambiente determina a adequação de como as pessoas se comportam quando guiadas por modos alternativos de conhecimento, formas de organização social e tipos de tecnologia. Também ao mesmo tempo, o modo como as pessoas conhecem, organizam e usam ferramentas determina a adequação de características de um ambiente que evolui. Em qualquer ponto no tempo, um determina o outro. Ao longo do tempo, nenhum é mais importante que o outro. E dependendo de mutações genéticas, substituições de valores, mudanças tecnológicas e inovações sociais que surgem aleatoriamente, o caminho evolucionário é estabelecido por um período até outra mudança ocorrer. Assim, a perspectiva coevolucionária explica porque opções são incomodamente limitadas no curto prazo; a cultura tem determinado o meio ambiente e o meio ambiente tem determinado a cultura.

Em cada ponto no tempo há uma quase pane total de conhecimentos, valores, tecnologias, organização social e meio ambiente natural coevoluídos.

A proposta de Norgaard de transpor o princípio da coevolução para o campo econômico expande de forma perceptível o alcance do conceito. A partir de uma origem limitada ao contexto de interação de sistemas vivos, Mayr (1965) propusera limitar o princípio da teleonomia: “Pareceria útil restringir rigidamente o termo teleonômico a sistemas operando baseado em um programa de informações codificadas”. Mas ao expandir o alcance do conceito de coevolução, abre-se a possibilidade de expandir igualmente o alcance do conceito de teleonomia, pois se os sistemas em coevolução forem, por exemplo, econômico e social – como discorrido por Norgaard no trecho citado a cima – eles, pela própria definição de ‘coevolução’, influenciar-se-ão mutuamente e, no processo, deixarão marcas e registros um sobre o outro. Tal é a definição de teleonomia.

No entanto, não se faz necessário abandonar completamente a definição de teleonomia proposta por Mayr; se entendermos como ‘informação’ a configuração de um dado estado de um sistema, pode-se entender a coevolução como um processo de mútua influência entre as matrizes informacionais dos sistemas; e a teleonomia como um subconjunto dos resultados do processo coevolutivo – especificamente, como os resultados que culminam em aparatos do sistema cuja existência, em última instância, aumenta a probabilidade de alcançar-se certo télos. Este entendimento pode ser aplicado tanto a sistemas vivos quanto a sistemas sociais, econômicos ou quaisquer outros. No caso do Wood Thrush de Mayr, o pássaro, por existir em um ambiente no qual há variações nas estações, tem seu material genético influenciado pelo mecanismo de seleção natural e assim desenvolve um comportamento de migrar no inverno. Este comportamento seria um exemplo do que chamamos de ‘aparato’ que tem o télos de sobrevivência, por meio de ampliar a probabilidade de o pássaro ter acesso a alimento e a um clima mais quente.

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qualquer função. A razão da existência deste DNA não-codificante é simples (mesmo que seja, para alguns, algo incômoda e capaz de despertar fortes resistências em alguns sujeitos): o télos dos genes é dado por uma teleonomia – o da capacidade de se reproduzir. Para alguns genes, este télos se atinge participando da geração, sobrevivência e reprodução de um organismo. Para outros, dá-se por estar associado a um genoma eficiente (o termo ‘eficiente’ deve ser entendido, aqui, em relação ao télos. O genoma eficiente é aquele capaz de se reproduzir, desenvolveremos estas considerações no item 4). Poucos exemplos ilustram tão bem o processo coevolucionário quanto o do DNA não-codificante e, ademais, este nos permite ver de forma mais delineada a diferença entre um télos oriundo de uma teleologia e de uma teleonomia. A partir de uma visão teleológica, a existência de sequencias genéticas que não se prestam a qualquer propósito é absurda – todas as partes de um sistema devendo servir ao télos. Mas a partir de uma visão teleonômica, a questão transforma- se: não se trata mais de avaliar se dada parte alcança o télos, mas sim se a parte gera alguma limitação à eficiência (entendida no sentido explicitado acima) do todo.

Se mesmo nos organismos vivos não se espera que todo subsistema esteja voltado ao télos, igualmente não se deve esperar que todos os entes que coevoluem desenvolvam um télos. Algumas práticas sociais podem ser vistas como análogas às ‘estruturas vestigiais’, no sentido de se terem desenvolvido para dar resposta a alguma demanda do ambiente, mas se ter mantido viva pelo mecanismo da reprodução social, mesmo finda a pressão ambiental. Ademais, ao nos movermos para campos diversos do biológico, começa-se a ver entes coevoluentes mais variados, o que gera uma variedade mais ampla aos télea por eles desenvolvidos.

A ideia-força deste item foi explicitar a relação entre coevolução e teleonomia. Fazendo novo uso da imagem analógica delineada no item anterior, a coevolução é o molde e o télos, o objeto de cera que é uma “imagem negativa” dos vetores em coevolução. Um último ponto é que apenas quando os vetores se concretizam em uma decisão civilizatória é que se pode entender a determinação de um télos – em vasta maioria das situações, a constante interação entre os vetores não permite a cristalização de um télos.