• Nenhum resultado encontrado

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 REFLEXÕES SOBRE ACESSIBILIDADE

Para refletir o conceito de acessibilidade, considera-se inicialmente que abrange múltiplas áreas do conhecimento, desde Psicologia, Educação, Saúde, Economia, entre outras. Entretanto, aborda-se nesta pesquisa pelo viés da Arquitetura, do Urbanismo e do Turismo. Além disso, relaciona-se “a algumas formas básicas de atividade humana nas barreiras de acesso se mostram com maior frequência: mobilidade, comunicação, compreensão e uso (ou manipulação).” (GARCIA, 2012, p. 59). Busca-se, como referência, o imperativo estabelecido na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU:

A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. (BRASIL, 2009a, art. 9º, grifo nosso).

Nesse sentido, percebe-se a preocupação perante a autonomia pessoal, e a participação plena de pessoas com deficiência em igualdade de oportunidades nos mais amplos meios e aspectos da vida. A acessibilidade é a forma de garantir o direito de ir e vir de todos, sem que existam barreiras ou discriminações dentro da sociedade. Grinover (2007, p. 137) reforça essa ideia ao relacioná-la “às possibilidades de acesso dos indivíduos, ou de grupos sociais, a certas atividades ou a certos serviços que estão presentes na cidade, devendo proporcionar a igualdade de oportunidades aos usuários urbanos [...]”.

Para Sassaki1 (2009), a acessibilidade é uma qualidade almejada em todos

os aspectos e contextos da atividade humana. O autor ainda determina a existência de seis dimensões da acessibilidade: arquitetônica (pela eliminação de barreiras físicas); comunicacional (sem barreiras na comunicação entre pessoas); metodológica (sem barreiras nos métodos de lazer, educação, trabalho, etc.); instrumental (sem barreiras em instrumentos, ferramentas, utensílios, etc.); programática (sem barreiras em políticas públicas, normas, legislações, etc.); e atitudinal (relativa ao

1 Romeu Kazumi Sassaki, atuou como consultor e docente, é um pesquisador em Ciências Sociais, com experiência em estudos sobre inclusão e pessoas com deficiência.

comportamento sem preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações da sociedade perante pessoas com deficiência) (SASSAKI, 2009).

Além disso, para as autoras brasileiras Dischinger, Bins Ely e Piardi2 (2012),

quatro componentes são fundamentais para garantir condições de acessibilidade: orientabilidade, deslocamento, comunicação e uso. O primeiro conceito relaciona-se com a capacidade de saber onde se está, de forma autônoma, com base nas informações arquitetônicas e suportes informativos. O deslocamento refere-se à possibilidade de movimentação por determinados percursos com condições ideais, ou seja, sem barreiras físicas e com segurança e conforto. A comunicação é a possibilidade de troca de informações, seja interpessoal ou com equipamentos assistivos. Por fim, o uso é a viabilidade de participação dos indivíduos nas atividades desejadas, seguindo as premissas de segurança, conforto e autonomia. Garcia (2012, p. 60) ainda complementa que o uso pode ser entendido como a “capacidade de manipular e usar de forma eficiente um produto, serviço ou entorno, tanto físico quanto virtual”.

Para atingir a premissa de acessibilidade, deve ser evitado qualquer tipo de barreira, tangível ou intangível, “que limite ou impeça a participação social da pessoa [...] e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança” (BRASIL, 2015a, capítulo I, art.3º). Sua origem pode ser: arquitetônica, referente a entraves em acessos ou circulação em edificações públicas ou privadas; urbanística, relacionada às dificuldades existentes nos espaços abertos (centros cívicos ou áreas verdes, elementos conectores da cidade) e mobiliários urbanos; nos transportes, nos meios coletivos ou particulares; ou nas comunicações e informações, os quais dificultem ou impossibilitem o acesso à informação ou a expressão; atitudinal, relativa a comportamentos que prejudiquem a participação social das pessoas com deficiência; e tecnológica (BRASIL, 2015a, capítulo I, art.3º).

2 Marta Dischinger é arquiteta e mestre em Design, desenvolve atividades de projeto e pesquisa nas áreas de Arquitetura e Urbanismo e de Desenho de Produto com ênfase em Desenho Universal. Vera Helena Moro Bins Ely, também arquiteta, possui mestrado em Licence en Architecture Urbaine - Universite Catholique de Louvain (1982) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (1997), e atua principalmente nos seguintes temas: Acessibilidade/Desenho Universal, Psicologia Ambiental e Morfologia Urbana. Sonia Maria Demeda Groisman Piardi, advogada, mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí (2010), tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direitos Especiais, atuando principalmente nos seguintes temas: idosos, pessoas com deficiência, saúde pública, direitos humanos, cidadania.

De acordo com Dischinger, Bins Ely e Piardi (2012), essas barreiras ou obstáculos existentes no meio físico podem ser chamados de estáticos (permanentes) ou dinâmicos. Essas autoras (2012) defendem também que a definição de acessibilidade não está ligada apenas a fatores do meio físico; fazendo relação a necessidade de eliminação das barreiras atitudinais, que estão ligadas a aspectos sociais, políticos e culturais. Esse tipo de barreira ocorre “[...] quando as relações humanas centram-se nas dificuldades dos indivíduos e não em suas habilidades, criando empecilhos para a sua participação na sociedade.” (DISCHINGER; BINS ELY; PIARDI, 2012, p. 14). Contudo, não se aborda essa dimensão nesta pesquisa, uma vez que o foco de análise se concentrará principalmente nas barreiras urbano- arquitetônicas e de comunicação e informação.

Assim, para avaliar os tipos de barreiras, Dischinger, Bins Ely e Piardi (2012) propõem classifica-las a partir do reconhecimento das restrições espaciais para atividades físico-motoras, para percepção sensorial, para atividades de comunicação e para atividades cognitivas. Essas quatro categorias podem assim ser sistematizadas como apresenta o Quadro 1:

Quadro 1 – Características das Restrições Espaciais

Restrições Espaciais Características

Para atividades físico-motoras

Referem-se ao impedimento ou às dificuldades para a realização de atividades que dependam de força física, coordenação motora, precisão ou mobilidade. Afetam principalmente as pessoas que já possuem uma deficiência físico-motora ou tem sua mobilidade reduzida, como os idosos. Para percepção

sensorial

Referem-se às dificuldades para a percepção das informações do meio ambiente devido à presença de barreiras ou ausência de fontes informativas adequadas, as quais impedem ou dificultam a obtenção de estímulos por meio dos distintos sistemas sensoriais (visual, auditivo, paladar/olfato, háptico e orientação). Afetam principalmente as pessoas com deficiências visuais, auditivas e aos idosos.

Para atividades de comunicação

Referem-se às dificuldades para comunicar-se socialmente por meio da fala ou da utilização de códigos devido a características do meio ambiente ou ausência de equipamentos de tecnologia assistiva. Afetam a realização de atividades principalmente para pessoas com deficiência auditiva, ou pessoas com problemas na fala.

Para atividades cognitivas

Referem-se às dificuldades encontradas no tratamento das informações existentes no meio ambiente (cartazes, sinais, letreiros), ou no

desenvolvimento de relações interpessoais para realização de atividades que requerem compreensão, aprendizado e tomada de decisão. Afetam principalmente pessoas iletradas ou com deficiência cognitiva.

Fonte: Adaptado de Dischinger, Bins Ely e Piardi (2012).

Entre essas restrições espaciais, resultantes da relação dos atributos do meio ambiente e das condições dos indivíduos, pode-se destacar, no primeiro caso, alguns

exemplos: escadas e desníveis, degraus muito altos, corredores, portas e espaços de circulação estreitos, balcões de atendimento com altura elevada, más condições de pavimentação, pisos inadequados. Com relação às barreiras para percepção sensorial, de comunicação e cognitivas, pode-se considerar: falta de sinais sonoros ou soluções audiovisuais, sinalizações com letras reduzidas ou baixo contraste, falta de recursos gráficos, códigos e escrita Braille, entre outros.

Considera-se que muitas das barreiras encontradas hoje em dia nos mais diversos âmbitos da sociedade são resultado de processos de construção, utilização e interação transformados ao longo dos anos. Mudanças demográficas, alterações na forma de viver, nos meios de lazer, nos modos de produção, etc., demandam adaptações que acompanhem as novas necessidades. Dessa maneira, apresenta-se a seguir a transição de um paradigma iniciada em meados dos anos 1980, em que se transpõe o conceito de ‘homem-padrão’, das medidas antropométricas consideradas modelo, para chegar ao estabelecimento do desenho universal.