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Reflexões sobre permeabilidade versus estilhaçamento do “Teto de Vidro”

4 AS MULHERES ULTRAPASSARAM O “TETO DE VIDRO” NO MERCADO

4.1.1. Reflexões sobre permeabilidade versus estilhaçamento do “Teto de Vidro”

Outros pesquisadores colaboraram para a incorporação de novas e diferenciadas perspectivas nas reflexões sobre rigidez x permeabilidade do teto de vidro, a exemplo de Luiz Mello142. Ele pontua que não se trata realmente de aplicar o termo “permeabilidade”, ao se referir à possibilidade de se romper o teto de vidro, expressão também conhecida como teto/telhado de cristal. Para ele o teto de vidro necessita ser quebrado mesmo.

Se tomarmos o termo como significando, no sentido geral, algo que é “permeável, que se pode permear, que pode ser transpassado, que deixa passar”; e no sentido da Física/Eletromagnetismo, “razão entre o módulo da indução magnética num meio e a intensidade do campo magnético” (Dicionários Aurélio143 e Houaiss144), talvez ele possa ser aplicado à expressão teto de vidro. Neste caso, os dados desta pesquisa sugerem que algumas mulheres conseguiram “passar, transpassar” este teto de vidro. A idéia que fica é que essa ultrapassagem é feita de modo silencioso, como se não houvesse a intenção delas em se fazerem visíveis, ou, ainda, de se fazerem audíveis. Isto pode sugerir timidez, cautela, até mesmo receios.

Porém, ainda que as mulheres, em geral, não passem esse teto, ainda assim talvez possam atuar, com diferentes intensidades de difração e de agency, nos níveis mais elevados na hierarquia das empresas, através do tráfico de suas influências junto aos outros diretores e proprietários145. Neste caso, a “passagem” pelo teto de vidro, devido a sua permeabilidade, é apenas simbólica, visto que não se consegue romper as hierarquias

142 Agradeço estas reflexões a Luiz Mello, professor da Universidade Federal de Goiás, o qual

adverte que o termo “permeabilidade” não se aplica à ultrapassagem dessas mulheres pelo teto de vidro. Ele entende que o que ocorre é mesmo o rompimento do teto de vidro. Este comentário ocorreu quando apresentei os resultados parciais desta pesquisa na VI RAM (Reunião de Antropologia do Mercosul), em novembro de 2005, Montevidéu/Uruguai.

143 Disponível em: < http://universitario.educacional.com.br/dicionarioaurelio > Acesso em 10 dez.

2005.

144 Disponível em: < http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=permeabilidade&stype=k >

Acesso em dez 2005.

145 Este seria um caso típico do conceito de “improvisação” relativo a “agency” enquanto elemento

de atuação que se assemelha à intencionalidade das pessoas quanto às suas ações. Isto é, o ator tem alguma intenção em mente. Há um modo cultural padrão para a realização daquela sua intenção. Porém, por algum motivo, este modo lhe é bloqueado. Então, o ator improvisa uma solução alternativa que lhe possibilitará a realização desta intenção. Este conceito de improvisação é semelhante ao conceito de “bricolage” proposto por Lévi-Strauss. Também, a maioria dos exemplos usados por Bourdieu sobre improvisação é semelhante ao conceito aqui exposto (ORTNER, 2006). Para definição de “agency”, rever nota 61 à pág. 45 deste trabalho.

estruturais, funcionais e de poder. É então que há riscos ao se fazer concessões, visto que se estabelece a constatação de que ou se quebra, rompe estilhaça o teto de vidro, ou não se consegue mudar nada. Desta maneira, a própria concepção teórica de que o telhado de vidro é permeável, poderia implicar em valores direcionados a “ajustes” por parte das mulheres, e não implosão deste teto. Neste sentido, não se deve realmente fazer concessões teóricas.

Aceitando o alerta de Mello, entendo que o termo que talvez melhor se aplique ao transpasse do teto de vidro seja realmente “quebrar, estilhaçar, romper, despedaçar”. Uma ação dessas implica em verticalidade. O fato de se despedaçar, estilhaçar algo – neste caso, o teto de vidro – resulta em ruídos. E estes sempre chamam a atenção. Não parece que haja espaço para timidez ou cautela e muito menos receios em uma ação como essa. Talvez ocorra o contrário: esteja presente ousadia, coragem, enfrentamento. O resultado dessa ação de quebra do teto de vidro representaria o aniquilamento, a destruição, o desaparecimento de mais uma situação inibidora da eqüidade de gênero nas relações de trabalho.

Há uma outra situação a ser considerada: algumas mulheres, mesmo que não consigam de fato “ultrapassar a permeabilidade do” ou “romper, estilhaçar o” teto de vidro podem, de modos diferenciados, ainda assim, agir do lado de cá do teto, influenciando decisões nos níveis empresariais hierárquicos superiores, conforme explicitado em parágrafo anterior.

O desafio que permanece, portanto, é que, em ambos os casos –permeabilidade, ultrapassagem; ou, por outro lado, rompimento, quebra, estilhaçamento–, mesmo com a façanha de êxito por parte de algumas mulheres, o teto de vidro continuaria existindo nestes contextos de trabalho para as demais mulheres. Puppin (2001, p. 186) afirma que o teto de vidro “(...) demarca o limite de acesso feminino ao topo das empresas [isto é, expõe a] exclusão de mulheres em níveis hierárquicos [superiores] e setores específicos de empresas.”

No presente estudo, uma das mulheres que rompeu o teto de vidro porque se tornou sócia e dirigente, é Cristina (incubada Empresa E). Além de ser sócia, visto que detém 42% das cotas da empresa, exerce a função de técnica em computação, concebendo e produzindo softwares. É casada, não tem filhos. Outra dessas mulheres é Lúcia (incubada Empresa I). É sócia majoritária, com 15% das cotas da empresa. Além de bacharel em

comunicação social, com ênfase em publicidade e propaganda, é especialista em programação e análise de sistemas. É casada pela segunda vez e tem um casal de filhos, cada um de um casamento. Ainda outra mulher é Audrey (incubada Empresa K). Além de sócia da empresa, onde detém 99% das cotas da empresa, é desenvolvedora de softwares. Terceiriza trabalhos para a incubada Empresa K. É casada, tem uma filha de dois anos e três meses. Igualmente Cristiane (incubada Empresa II), que detém 10% das cotas da empresa. Seu marido tem os outros 90%. Por último, Gláucia (incubada Empresa BB) tem 50% da empresa.

Uma das empresas que inovam no tocante à categoria de “sócias/empreendedoras” é a incubada Empresa I, em situações específicas de relações de trabalho. Isto porque alguns/mas profissionais, homens e mulheres, configuram os/as sócios/as-minoritários/as, conhecidos também como empreendedores/as, que integralizam 15% das cotas da empresa. As mulheres que fazem juz a essa configuração foram todas entrevistadas e são: Adriana (analista de sistemas/desenvolvedora de softwares), Maria (suporte técnico/analista de sistema/desenvolvedora de softwares), Andreza Célia (analista de sistema), Camila (analista de sistema, ex-programadora), Camila Eugênia (desenvolvedora de softwares, fazendo manutenção no sistema e trabalhando com códigos), Mariane (analista de sistemas) e Eliana (relações humanas); cada uma, portanto, tendo cerca de 1% das cotas que compõem a sociedade minoritária da empresa. Elas são um total de sete. Integram, com os demais oito homens, o total de 15%. A maioria, além de ser sócias/empreendedoras, são também técnicas da informática e da computação. Participam ativamente nas reuniões da empresa, inclusive com poderes de decisão. As demais cotas estão assim distribuídas: 15% para Lúcia; 15% para seu sócio (atual e seu segundo marido146); e 55% para três empresas-sócias.

As mulheres (e homens, inclusive) que trabalham nessa incubada, após seis meses de ingresso na empresa, migram aos poucos, até fazerem uma reversão completa da condição de funcionárias/os para a de sócias/os minoritárias/os. Claro, além de serem mães/pais, amigas/os, esposas/os, filhas/os, identidades construídas e expressadas a partir da integração de “subjetividades múltiplas” (Sonia TORRES, 2005, p. 730) que, embora

146 Quando a empresa (e respectiva divisão de cotas) foi legalmente constituída, eles eram apenas

conhecidos. Decorrido certo tempo é que se casaram. Portanto, entendo que esta profissional conseguiu de fato romper o “teto de vidro” antes mesmo de poder usufruir alguma circunstância mais favorável à sua atuação na empresa propiciada por laços matrimoniais.

aflorem fragmentariamente (HALL, 2003) nas diversas situações do dia-a-dia, compõem o todo complexo que são os indivíduos que vivem experiências diversificadas na contemporaneidade. Reforçando, então, tem crescido nas últimas décadas, uma “luta pela ‘desidentificação’, ou pela possibilidade de construção de múltiplas subjetividades pessoais, grupais, sexuais” (Margareth RAGO, 2002).

Sobre a situação das sócias minoritárias, há uma contrapartida nessa situação que deve ser levada em conta, embora todas as informantes tenham se posicionado favoravelmente a sua nova situação de sócias. É que, com isso, elas não mais têm os direitos trabalhistas garantidos pela CLT, isto é, 13.o salário, férias integrais, horários fixos

de trabalho, recolhimento do INSS, dentre outros. Elas seguem um regime de trabalho que consta de documento estatutário elaborado por sócios/as minoritários/as em conjunto com os/as majoritários/as.

A diretora de Operações assim se pronunciou sobre esse novo modelo estrutural da empresa:

É um modelo novo. Acho que tem tudo para dar certo. Até porque a gente não criou nada. Tem outras empresas de network da “D” que já fazem assim. O profissional começa a crescer dentro do banco, ele vira sócio. Acho que é o certo. Meu marido e eu somos sócios. Temos a mesma participação na sociedade da empresa: 15% cada. Isso não é segredo nenhum. Os sócios minoritários têm mais 15% em conjunto e um representante no Conselho. Os outros 55% são de outras três empresas da mesma área, cujos diretores também fazem parte do Conselho, que se reúne uma vez por mês e que efetivamente é atuante. (Lúcia, 40, incubada Empresa I).

Há um/a representante dos minoritários/as que faz a mediação junto aos/às demais sócios/as, quando das reuniões de decisões. Os/As sócios/as minoritários/as também progridem conforme a empresa cresce e gera lucros. Estão conscientes de que precisam ter a persistência necessária para que a empresa complete seu período de incubação e ocupe seu espaço no mercado. Sabem que nestes primeiros momentos, o lucro não é tão “palpável” em termos estatísticos, comparativamente às desvantagens decorrentes do não recebimento de ganhos extras proporcionados pela condição de funcionários celetistas. Sabem também que, nos momentos subseqüentes, com a empresa já consolidada no mercado – passado o período de incubação – elas/eles poderão usufruir dos ganhos em termos econômico-financeiros, visto que os lucros tenderão a surgir, além de usufruírem de posição hierárquica privilegiada nestas empresas.

4.1.2. Mercado de Trabalho da Tecnociência em Florianópolis e as Mulheres desta