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A experiência na América Latina aponta mais de uma dezena de países que, ao longo destes últimos quarenta anos, atingiram mudança importante na busca de um modelo pacífico para promover a distribuição de terras, oferecendo aos trabalhadores rurais a implantação de uma reforma agrária ampla e justa.

Guanziloli (2003, p. 15) demonstra que:

Na América Latina ocorreram reformas agrárias, embora incompletas, no decorrer de três tipos de situações políticas diferentes. México, Cuba, Nicarágua e Bolívia fizeram, efetivamente, suas reformas agrárias sob regimes revolucionários; mas Chile, Venezuela, Equador, Porto Rico, Brasil e Guatemala fizeram reformas agrárias dentro de regimes democráticos. No outro extremo, Peru e El Salvador fizeram reformas agrárias durante regimes militares de direita.

No Peru, entre 1968 e 1975, aconteceu a reforma agrária mais radical já feita no continente, durante o ciclo de governos militares reformistas. Eles praticamente aboliram a grande propriedade rural no país. Hoje 70% das terras peruanas estão nas mãos de pequenos e médios produtores (SILVA, 2008)

A reforma agrária desenvolvida pelo governo militar de Juan Velasco Alvarado, constitui o último capítulo de um processo que vinha se desencadeando ao longo do século XX. Desde o início deste século, vinha surgindo a necessidade de uma transformação profunda na situação econômica e social do campo, gerando uma nova estrutura agrária.

Em 1963, o governo dos generais Ricardo Pérez Godoy e Nicolas Lindley Lopéz, promulgou a denominada Lei de base para a Reforma Agrária. Por outro lado, Fernando Belaunde promulgou em 21 de março de 1964, uma Lei de Reforma Agrária, que tinha como característica principal extinguir os modelos dos complexos açucareiros e em geral as grandes propriedades.

Em 24 de junho de 1969, o Governo Revolucionário das Forças Armadas promulgou o Decreto Lei nº 17716, observando entre seus objetivos principais o seguinte: (a) - Eliminação dos latifúndios, dos minifúndios e de toda forma anti-social de propriedade da terra. (b) – O estabelecimento de empresas de produção de caráter associativo, com

base campesina da terra. (c) – A reconstrução das comunidades campesinas tradicionais. (d) – O estabelecimento de uma agricultura organizada a base de esforço associativo dos agricultores. (e) – A criação de novos mercados através de uma justa distribuição de ingresso que incremente o poder aquisitivo da população marginalizada. (f) – O desenvolvimento paralelo das indústrias de transformação primária do campo (MINISTÈRIO DA AGRICULTURA DO PERU, 2007).

Na Bolívia a reforma agrária iniciou-se em 1953 com a distribuição de 57 milhões de hectares, somando dessa forma mais da metade do território boliviano; entretanto, grande parte da população de agricultores ainda espera o acesso a terras.

A Lei de reforma agrária da Bolívia se inspirou na do México, apenas com uma diferença da revolução e reforma agrária mexicana. Na Bolívia gerou um neo-latifúndio nas terras orientais com a repartição de vastos territórios a suposto assentados. Na década de 1950, foi elaborada e aprovada a Lei de Reforma Agrária na Bolívia, posteriormente abandonada na década de 1970, e finalmente renovado o interesse pela reforma agrária na década de 1990, com a promulgação, em 1996, da Lei do Instituto Nacional da Reforma Agrária (também chamada Lei INRA), atualmente em vigor.

Observa-se que a problemática da terra está cada vez mais relacionada com o debate da questão da jurisdição territorial, na qual compreende, com certas margens de autonomia, reivindicações de índole político-administrativa e de acesso aos recursos naturais (CÓRDOVA, 2007).

No Chile, até 1955, quase a metade das 345 mil famílias existentes no campo não dispunham de terra. Iniciada no princípio dos anos 60, a reforma agrária chilena expropriou 10 milhões de hectares (SILVA, 2008).

Nas primeiras décadas do século XX a sociedade rural chilena manteve a estrutura agrária tradicional, fundada no predomínio dos grandes latifúndios e uma rígida hierarquia social, autoritária e paternalista. Tendo em vista a situação de demandas por uma reforma agrária, desde o começo do século, surge uma proposta dos setores progressistas do país, como foi o caso da campanha presidencial da Frente Popular, em 1938. No entanto, uma vez no poder, os governos radicais decidiam privilegiar a industrialização e o mundo urbano, protelando o rural. Como consequência, cerca de milhares de camponeses migraram para as cidades em busca de melhores condições de vida, enquanto que a economia agrária começou a experimentar uma

crise profunda, caracterizada pela sua incapacidade produtiva, sendo necessário, na década de cinquenta, a importação de alimentos.

No início da década de 1960, a pressão por uma reforma agrária voltou a ser manifestada pela sociedade chilena. Desta vez, contou com o respaldo da Igreja Católica que repartiu suas próprias terras entre os camponeses e com o apoio dos Estados Unidos através da “Aliança para o Progresso”.

Enfrentado as pressões, o governo de Jorge Alessandri promulgou em 1962 a primeira Lei de Reforma Agrária Nº 15.020, que permitiu a redistribuição de terras estatais entre camponeses e organizar instituições fiscais para levar cabo a reforma no campo. Com a chegada ao poder da Democracia Cristã, através da presidência de Eduardo Frei Montalva, o processo de reforma agrária alcançou um impulso vertiginoso. Criando o lema “a terra para quem trabalha”, o programa reformista do novo governo buscou a modernização do mundo agrário mediante a redistribuição da terra e a sindicalização camponesa. Para lograr este objetivo promulgou-se uma nova Lei da Reforma Agrária Nº 16.640 e a Lei Nº 16.625 que permitiu a sindicalização camponesa. Sob a base deste instrumento legal se expropriaram em torno de 1.400 terrenos agrícolas, 3,5 milhões de hectares, e se organizaram mais de 400 sindicatos que somaram mais de 100 mil camponeses. Ao mesmo tempo, começaram a produzir greves e invasão maciça de áreas que polarizaram a sociedade agrária chilena.

O novo governo de Salvador Allende continuou o processo de reforma agrária, utilizando os instrumentos legais promulgados pelo governo anterior, com o fim de desapropriar todos os latifúndios e transferir para a administração estatal, cooperativas agrícolas e assentamentos de colonos. Este processo também estava acompanhado de uma grande efervescência camponesa que se expressou na ocupação e a posse em massa de terras, ocorrendo no mundo rural um clima de violência e enfrentamento. Ao produzir o golpe de Estado, em 11 de setembro de 1973, a Unidade Popular havia desapropriado cerca de 4.400 terras agrícolas, que somavam mais de 6,4 milhões de hectares. A velha ordem latifundiária que havia prevalecido por mais de 400 anos havia chegado a seu fim.

Nas duas décadas seguintes o modelo neoliberal irrompeu no mundo rural, produzindo a transferência da terra a novos capitalistas, que modernizaram a produção agrícola e converteram em proletariados os camponeses (MEMÓRIA CHILENA, 2007, p. 1-2).

Na década de sessenta ocorria a Revolução Cubana, que seria um marco histórico na América Latina. [...]. O governo cubano realizou

uma reforma agrária que contrariou os interesses das grandes empresas americanas [...] (ANDRADE, 1993, p. 70).

Na Guatemala, em “1952 o Congresso Guatemalteco aprovou a Lei de Reforma Agrária, através do Decreto Nº 900. [...]. A reforma foi realizada por meio da expropriação de terras ociosas e redistribuição de terras estatais não-cultivadas”. (WITTMAN 2009, p.4).

No entanto “caso mais agudos, como os da Guatemala e de El Salvador, observam-se projetos de reforma agrária na Venezuela, onde os partidos social-democrata e democrata-cristão se revesam no poder; no Equador, onde a pressão das comunidades indígenas é muito forte (ANDRADE, 1993, p. 71).

A nota destoante fica por conta do Paraguai: país de economia predominantemente agrícola, onde a reforma engatinha há mais de 40 anos diante de uma fila de 350 mil pessoas sem acesso à terra (SILVA, 2008).

Em pleno século XXI, na era da globalização e da tecnologia da informação, o Congresso paraguaio estuda a sanção de um novo Estatuto Agrário que permitirá a expropriação e a distribuição de terras para os camponeses sob a base do modelo da reforma agrária da Revolução Mexicana de 1917, modelo socialista que os Estados Unidos promoveram nos anos 1950, para reduzir o avanço dos comunistas na América Latina.

No Paraguai, desde 1963, a reforma agrária repartiu 10 milhões de hectares, mais da metade de todas as terras agrícolas do país. Porém, a pobreza rural imperou. Numerosas famílias reclamam hoje em dia um pedaço de terra, apesar de milhares de lotes adjudicados terem sido abandonados.

Uma análise do índice de Gini, que mede a desigualdade entre os proprietários mais ricos e os mais pobres, indica que as terras “não aproveitadas racionalmente”, como pretende o novo projeto de Estatuto Agrário, poderá baixar o índice de Gini8 e reduzir a desigualdade, entretanto não melhorará a produtividade nem os ingressos (AYALA, 2008, p. 1).

8 Índice de Gini varia de zero a um. O valor “zero” representa uma situação hipotética em

que todas têm a mesma quantidade de terra, enquanto que o valor “um” significa que todas as terras estão concentradas nas mãos de um só proprietário. Dessa forma, quanto mais próximo de “um” estiver o índice, maior será a concentração de terras. ARAUJO, Flávia Camargo de. Reforma agrária e gestão ambiental: encontro e desencontro. (Dissertação de mestrado) Programa de Pós-Graduação em Política e Gestão Ambiental, Universidade de Brasília, Brasília-DF, 2006.

Na Argentina, assim como em outros paises da América Latina, não tem problema mais urgente nem mais importante a resolver que a fome, a pobreza e a marginalidade de milhões de pessoas. As terras, os recursos naturais e as possibilidades de desenvolvimento e trabalho que eles oferecem são ferramentas para dar uma resposta a estes problemas. Jovens e idosos reuniram-se na Universidade Nacional de La Plata (UNLP) a fim de reconsiderar uma reforma agrária no cenário atual. Os manifestantes promoveram um debate profundo sobre o direito a terra e à reforma agrária para a realização de um Congresso Nacional pela Reforma Agrária que determinasse uma política pública orientada a acabar com a fome e a pobreza (GLENZA, 2008).