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Ball (2004, 2005, 2012), em seus estudos sociológicos da educação, apresenta as políticas levadas a cabo pelo Estado de Bem-Estar Social inglês no pós-segunda guerra mundial e políticas que as colocam em cheque recentemente, buscando compreender as consequências que tiveram nas instituições públicas, tendo por foco central as instituições educativas.

O período denominado Estado do Bem-Estar social caracterizou-se por formulação de políticas pautadas a partir dos princípios econômicos desenvolvidos por Keynes e foram aplicadas em muitos países de economias avançadas no pós Segunda Guerra Mundial, de uma maneira a promover uma maior justiça social e redistribuição econômica. No período de aplicação dessas políticas, os Estados nacionais tinham maior controle político das decisões que afetavam a seus países. De acordo com Sennett (2005), os empregados possuíam sindicatos fortes que protegiam seus empregos, assim como havia ainda garantia de direitos. E as grandes empresas “combinaram e produziram uma relativa estabilidade”. (SENNETT, 2005, p. 23).

Ao analisar a organização das escolas nesse período, Ball mostra que o docente tinha condições de refletir e decidir sobre as questões envolvendo o lugar de trabalho, ou seja, podia decidir os melhores caminhos para ensinar e promover a aprendizagem de seus alunos na escola, a partir do que julgava apropriado e dos conhecimentos tácitos (conhecimentos não quantificáveis) adquiridos com o tempo de profissão. Havia espaço para a “incerteza moral” e para a utilização de “conhecimento moral” – tanto “prático”, quanto “indefinido”. Ou seja, era possível construir coletivamente as decisões a partir do entendimento dos sujeitos envolvidos no processo, corriam-se, evidentemente, riscos ao se tomar as atitudes e julgamentos, porque não há “receitas” para lidar com o indeterminado.

Apesar de se possuir experiências sobre a vivência com a profissão e com dada instituição, e dos profissionais terem se formado e se preparado para enfrentar diferentes situações, lidar com relações humanas requer também tomar julgamentos morais sobre os eventos, para pensar, por exemplo, se o ensino e a aprendizagem de determinada instituição educacional estão dando certo; requer levar em consideração as histórias e dinâmicas que ocorrem no lugar; levar em conta as experiências dos sujeitos sobre ela. Mas dentro dos modelos gerenciais, adotados no pós Estado do Bem Estar, o que se propõe é que se sigam fórmulas e modelos pré-determinados para a resolução de problemas.

Os docentes e a instituição são avaliados e julgados por essas fórmulas, beneficiadas por terem ido bem ou não a partir dos julgamentos dos sujeitos que estão fora. Em outras palavras, nas instituições geridas por intermédio dos padrões gerenciais, impõem-se modelos com os quais deve se seguir.

Richard Sennett, no livro Artífice (2009), discute a temática ilustrando como o não ouvir os funcionários que trabalham em quaisquer que sejam os campos profissionais pode contribuir para uma empresa ou instituição fracassar, pois quando não se trabalha com os erros e não se ouve o trabalhador que vem acumulando experiências quantificáveis ou não sobre o trabalho desempenhado, corre-se o risco de que a empresa não tenha resultados positivos.

No período do Estado de Bem Estar Social, os profissionais tinham um pouco mais de autonomia para tomar as decisões sobre a profissão nos lugares de trabalho. Tal fato não quer dizer, entretanto, que todas as instituições funcionassem dessa forma. Para Ball, o profissionalismo era baseado em “ambiguidades” e “pluralismo” (Ball, 2005, p. 541). Já no período posterior a essa política, no pós Estado de Bem Estar Social, as reformas educacionais postas em prática, decorrentes de acordos entre grandes corporações e Estados nacionais, interferiram no modo como se organizavam as instituições públicas. Neste período, “houve a emergência de um novo conjunto de relações sociais de governança [...] Essa novidade surge das mudanças nos papéis do Estado, do capital, das instituições do setor público e dos cidadãos e nas suas relações entre si” (Ball, 2004, p. 1106).

O Estado, para o autor, aos poucos deixou de ser provedor da vida social e buscou desempenhar um papel de regular, fiscalizar e avaliar as ações dos mercados internos, impondo-lhes “as condições sob as quais deveriam operar” (Ball, 2004, 1106). As empresas (designadas pelo autor por “capital”) buscaram romper com limites estabelecidos pelas regulações do Estado aos setores do não-mercado, tendo em vista a obtenção de lucro. Utilizaram como estratégia divulgar que as mudanças propostas por essa nova parceria tinham como intuito tanto diminuir a burocratização da máquina estatal, tornando-a mais flexível, quanto diminuir as despesas desnecessárias. E o modelo de relação entre Estado e cidadãos modificou-se: no período do Estado de Bem Estar Social essa lógica estava relacionada a um Estado de direito, ou seja, o Estado nacional tinha como atribuição zelar pela construção de políticas para plena inserção de todos os cidadãos. No pós Estado do Bem Estar Social, após as transformações

apontadas acima, os cidadãos passaram a ser considerados como consumidores ativos, isto é, o sucesso ou fracasso dependia do desempenho do individuo nas relações sociais.

Segundo Ball (2004), todas essas mudanças provocam alterações significativas nas instituições públicas, “elas estão sendo repensadas como oportunidades de lucro e os valores (éticos) são apagados ou desconsiderados em favor do uso dos métodos padronizados de mensuração e de controle” (2004, p. 1112).

Nas escolas, esse processo contribuiu, conforme Ball, para modificar o julgamento “moral” que os docentes teciam sobre si e os outros, alterando suas concepções acerca das próprias identidades profissionais.

[...] as tecnologias da política de reforma do setor público não são meros veículos para mudanças técnica e estrutural das organizações, mas também mecanismos para reformar os profissionais do setor público, como os professores, ao mudar o significado do que é ser professor, assistente social, enfermeiro. (BALL, 2005, p. 546).

A construção de tipos de profissionalismo, ainda segundo Ball (2005), no pós- Estado do Bem Estar Social, resumiu-se a um “não profissionalismo”, o que significa dizer que a autonomia profissional dos docentes e de outros funcionários públicos ficou restrita a atribuições exógenas, isto é, a atribuições vindas de fora. Em outras palavras, os funcionários públicos, entre eles, os docentes, a partir da implantação de novas tecnologias de poder como o gerencialismo e as performatividades17, tiveram seus poderes de decisão sobre a própria profissão, reduzidos, pois a implantação das novas tecnologias de poder alteraram significativamente as relações estabelecidas no interior das escolas.As escolas, como já foi destacado, adotaram alguns modelos utilizados por

17 Para Ball (2005), A performatividade é uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação

que emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e mudança. Os desempenhos dos sujeitos individuais ou de organizações servem ainda como demonstrações de “qualidade” ou “momentos” de promoção ou inspeção. Eles significam ou representam merecimento, qualidade ou valor de um indivíduo ou organização dentro de uma área de julgamento, tornando os “silêncios audíveis” (p. 543). [...] O gerencialismo representa a inserção, no setor público, de uma nova forma de poder, ele é um instrumento para criar uma cultura empresarial competitiva. O gerencialismo desempenha o importante papel de destruir os sistemas ético-profissionais que prevaleciam nas escolas, provocando sua substituição por sistemas empresariais competitivos. Isso envolve processos de institucionalização e desinstitucionalização, [...] em vez de ser uma mudança “de uma vez por todas, é um atrito constante, feito de mudanças essas que são em grande número e discrepantes. (2005 p. 544 - 545).

empresas e o que vale dentro dessas instituições são os resultados e metas a serem alcançadas.

[...] Esses pós-profissionalismos se reduzem, em última instância, à obediência a regras geradas de forma exógena; e segundo, eles relegam o profissionalismo a uma forma de desempenho (performance), em que o que conta como prática profissional resume-se a satisfazer julgamentos fixos e impostos a partir de fora. Os critérios de qualidade e boa prática são fechados e completos – em contraste com a „necessidade de raciocínio moral e incerteza adequada‟ como característica determinantes da prática profissional. (BALL, 2005, p. 542).

O pós-profissionalismo é „o profissionalismo de um outro, não é o profissionalismo do profissional. [...] Ao profissional cabe responsabilidade por seu desempenho, mas não o julgamento sobre se esse desempenho é “correto” ou “apropriado” [...] (Idem, 2005, p. 543).

No trabalho organizado por Raimundo Martins e Irene Tourinho, Desenredos, 2007a, há importantes discussões sobre o quanto as reformas aplicadas no ocidente, nos últimos trinta anos, vem transformando a realidade de muitas instituições públicas e, inclusive, alterando as dinâmicas nas escolas. A obra contém entrevista – organizada pelos dois pesquisadores – com o inglês Ivor Goodson e outros textos deste autor. No capítulo denominado Pessoas solidárias: a luta pelo significado privado e o propósito

público, Goodson também afirma que a “parceria” entre Estado e mercados e a

incorporação pelo poder público das reengenharias administrativas vem proporcionando modificações muito negativas para o sucesso dos serviços prestados por elas, além de diminuir a autonomia sobre as decisões concernentes à própria profissão dos docentes – questão que, conforme já elucidada acima, é discutidas por Ball. Goodson também debate que a “parceria” referida também vem contribuindo para que ocorra processos de perda de capital corporativo – perda de conhecimentos adquiridos ao longo de uma trajetória de vida profissional e que podem ser quantificáveis ou não –, e de desengajamento profissional dentro das instituições. A perda de tais conhecimentos, para o autor, é grave, pois, em todas as instituições, a transmissão de conhecimentos dos mais experientes aos mais jovens garante o sucesso das atividades desempenhadas por

elas. E o desengajamento colabora também, tanto para a péssima qualidade de um serviço quanto a reprodução de lógicas prejudiciais. O trecho a seguir faz menção a esses processos:

Os ideais e projetos dos servidores estão sendo substituídos por gestões que definem padrões e comportamento. Portanto, qualquer harmonia entre ideais organizacionais e estímulos pessoais torna-se acidental e aleatória, na melhor das hipóteses, e confrontante e contraditória na pior das hipóteses. Isto pode significar que as pessoas que trabalham nos serviços públicos reestruturados começam a tirar seus „corações e mentes‟ da instituição e a agir como técnicos que cumprem as obrigações e objetivos que lhes são impostos, de forma minimalista: „isto é apenas um trabalho – eu me viro e faço o que me mandam fazer‟. Isto está bem distante do sentido pessoal, profissionalismo cuidadoso que uma vez caracterizou o grupo de elite do setor público. (GOODSON, 2007a, p.44).

Já no texto Questionando as reformas educativas - a contribuição dos estudos

biográficos em educação, o mesmo autor afirma que muitas reformas e mudanças

educacionais partem do pressuposto de que “se nem tudo anda bem na educação, as reformas contribuirão, inevitavelmente, para a melhora educacional” (GOODSON, 2007d, p. 19). Para o autor essa crença, porém, como foi apontado acima, configura-se como um equívoco, pois em muitos lugares onde essas políticas foram aplicadas, acabou-se engendrando muito descontentamento entre docentes mais experientes, que não se sentiram satisfeitos com a redução ou restrição de suas decisões sobre a própria profissionalidade. Tal processo gerou não só o desengajamento do profissional, o que em si já é um processo grave, mas a saída de muitos profissionais que acumularam, ao longo do tempo, um significativo capital corporativo. Conforme o autor, um dos objetivos das reformas foi substituir esses profissionais por um grupo mais novo, que se vinculava à ideologia de tais reformas. Afirma:

Os velhos dias de profissionais autônomos e que conduziam seu próprio trabalho se acabaram. O novo profissional é tecnicamente competente, está em conformidade com as novas normas e diretrizes, e vê o ensino como um emprego, no qual,

como em outros, ele é gerenciado e dirigido e entrega o que lhe é solicitado. A mudança educacional no nível de ensino significa substituir, o mais rápido possível, os velhos profissionais pelos novos profissionais. Uma vez que esta tarefa tenha sido completada e os velhos profissionais tenham sido limpados, um sistema escolar novo, mais eficiente e aprimorado, emergirá. (GOODSON, 2007d, p. 20).

Considera ainda que algumas reformas educacionais e teorias de mudanças estão equivocadas por não levarem em consideração as biografias pessoais dos docentes para se entender o vocacionalismo e o comprometimento em relação à profissão. No contexto das políticas do Estado do Bem Estar Social, na Inglaterra, era comum encontrar profissionais que se comprometiam com o trabalho, adotando uma postura, ou um perfil profissional, de uma vocação empenhada, que significa: “ver no docente o desenvolvimento de uma atividade que envolve mais do que recompensas materiais e execução técnica” (GOODSON, 2008: 136 e 137). A esse tipo de comprometimento e vocacionalismo, ele atribui a denominação de vocacionalismo do “Velho Profissional”, esclarecendo que o termo adotado não se refere à idade ou à experiência do docente, mas a um perfil profissional que, como foi referido acima, era comum num determinado contexto histórico e significa “uma forma de trabalho plena de propósito, de paixão e de significado” (2008, p. 136 e 137).

No pós Estado de Bem Estar Social, o tipo de vocacionalismo do “Velho profissional” não desapareceu, mas está à beira da extinção.

Ball (2005), em alguns de seus textos, discute que o docente que acredita que em seu trabalho deve haver autonomia para se tomar as decisões que julgar apropriadas dentro de suas instituições, enfrentará muitas resistências no contexto das políticas que adotam como estratégia as tecnologias políticas do gerencialismo e performatividades, visto que, como apontado acima, essas tecnologias colocam aos trabalhadores agendas a serem cumpridas e executadas de maneira objetiva sem que se percam com divagações subjetivas e incertezas. Essa noção de Vocacionalismo não tem relação com a ideia de dom ou algo adquirido por incorporação imediata.

Em decorrência da perda de capital corporativo, da diminuição de autonomia sobre as decisões importantes relacionadas à profissão e do desengajamento de muitos docentes, Goodson ainda elenca outro aspecto desse processo.

No livro denominado Pessoas solitárias: a luta pelo significado privado e o

propósito público, (Goodson, 2007a), o autor destaca a pesquisa patrocinada pela

fundação Spencer, em que ele e sua equipe entrevistaram muitos profissionais do ensino, de várias gerações, residentes no Canadá e nos EUA, e observaram que os novatos, ao responderem questão sobre o que os motivava e dava sentido à vida, acabavam apontando vínculos e projetos fora da profissão. Tais observações levaram os pesquisadores a indagarem se haveria, em muitas instituições públicas, ocorrido perda do significado das carreiras e dos propósitos coletivos18.

A vida humana está sendo transformada em velocidade espantosamente rápida, laços e propósitos sociais e comunitários estabelecidos estão dissolvendo-se. Ao lado disto, o significado do trabalho, carreira, amor, compromisso e propósitos compreensivos estão sujeitos a mudanças sísmicas, de modo que a compreensão daquilo que foi pensado como „ser humano‟ durante os últimos dois ou mais séculos está sofrendo transformações. (GOODSON, 2007a, p.22).

Em conversas estabelecidas com profissionais da área de saúde, os quais trabalhavam em setor público, tal autor observou que a perda de propósitos e missões pode estar relacionada com o esvaziamento dos serviços públicos. Alguns enfermeiros entrevistados por ele apontaram que, muitas vezes, seguir as orientações de seus responsáveis significou uma não prestação de cuidados aos pacientes, ocupando o tempo desempenhando rotinas burocráticas, como o preenchimento de relatórios e papéis (GOODSON, 2015a). Ao investigar melhor o caso de um hospital público, descobriu que a estratégia de burocratizar acabou piorando a qualidade dos trabalhos e tinha como premissa privatizar serviços, como os de enfermagem.

Com os processos de implementação das políticas neoliberais nos distintos serviços públicos que eram favorecidos no Estado de Bem Estar Social, assim como as implicações para o mundo do trabalho de seus agentes, sobre constituição de novos valores e sensibilidades pautadas em princípios nem tanto solidários, as pesquisas com histórias de vida são um campo de possibilidades, porque

18 Goodson (2015), conjuntamente com Andy Hargreaves, através de pesquisa histórica e etnográfica,

analisaram oito escolas nos Estados Unidos e no Canadá no período pós-guerra (em Ontário, no Canadá: a Escola Eastside, a Lord Byron, a Talisman Park, a Stewart Heights e nos Estados Unidos - no distrito de Bradford: Escola Barret, Escola Durant e a Sheldon).

Apesar de as grandes reformas legisladas poderem ostensivamente assegurar uma melhor generalização ou um alcance mais amplo da implementação da mudança, elas raramente dão conta da maneira como alterações aparentemente simples são refractadas em cada contexto escolar, devido aos vários microclimas e processos micropolíticos que se desenrolaram nas instituições e às diversas crenças e missões dos professores, que, por vezes, resistem a essas alterações. (GOODSON, 2003, p. 154).

Nóvoa (1995), por outro lado, fornece subsídios sobre a história da profissão docente em Portugal, que colabora para entender como as reformas alteraram missões e propósitos profissionais, conta a história da profissionalização em Portugal, ilustrando como se deu a relação entre Estado e professores e procura destacar que o objetivo é compreender a formação docente não apenas em sua relação com a formação acadêmica, mas com os contextos de história de vida e prática profissional. Num primeiro momento de seu trabalho, esse autor português defende uma história da profissionalização e ilustra o processo de disputas e tensões entre docentes e Estado, perceptível, segundo ele, nas relações entre as mudanças educacionais promovidas pelo Estado nacional português e os objetivos de controle sobre a atividade docente.

Aponta que desde o século XVIII, o Estado português assumiu o controle da profissionalização docente, por entender que os docentes eram sujeitos importantes do processo de escolarização e que procurou realizar esse procedimento logo cedo em todo território nacional, pois sabia que seria uma forma de garantir tanto progresso quanto reprodução social de seus propósitos. No século XX, por sua vez, investiu em construir uma imagem dos docentes enquanto funcionários humildes e obedientes ao Estado, objetivando um perfil profissional específico. E, tendo em vista aperfeiçoar o sistema de domínio do corpo profissional e reproduzir seus objetivos, criou a Escola Normal que, no entanto, também se constituiu como espaço de trocas de experiências e de construção de rede de solidariedade e resistência entre os docentes.

As escolas normais legitimam um saber produzido no exterior da profissão docente, que veicula uma concepção dos professores centrada na difusão e na transmissão de conhecimentos; mas são um lugar de reflexão sobre as práticas,

o que permite vislumbrar uma perspectiva dos professores como profissionais produtores de saber e de saber-fazer. (NÓVOA, 1995, p. 16).

Com o Estado Novo, entretanto, ocorre uma queda do estatuto socioeconômico da categoria, visto que os governantes da época entendiam que a formação deveria ser reduzida em tempo de formação e destituída de caráter e conteúdo científico19. Ao mesmo tempo, investiu-se numa valorização da imagem profissional procurando associá-la à ideia de sacerdócio. Houve ainda a destruição das estruturas de formação dos docentes, porque se percebeu que ela oferecia um espaço de maior autonomia para a categoria.

Após a década de 1960, as lutas travadas pelos sindicatos e associações docentes tiveram como alvo a melhoria dos salários e das condições de trabalho, contudo, deixou de lado a luta por maior autonomia. O Estado continuou a definir o que deveria ser o currículo e as funções específicas dos docentes. Segundo Nóvoa (1995), esse processo vai consolidar a ideia de professor como funcionário público que aceita “abrir mão” de atribuições políticas importantes da profissão.

Durante o Estado Novo assiste-se à degradação do estatuto socioeconómico da profissão docente e consagra-se uma visão funcionarizada do professorado. Se a primeira questão vai ser seriamente questionada pelos actores educativos a partir dos anos 60, desencadeando movimentos (políticos, sindicais, científicos) de certa envergadura, a segunda parece aceitar-se como evidência e não tem merecido grande atenção. A formação de professores tem sido coerente no aceitar (implícito) desta evidência, não sublinhando a dimensão do professor como profissional autónomo e reflexivo. (NÓVOA, 1995, p. 19).

No Brasil, o Estado também procurou exercer o controle da profissionalização docente. Na segunda metade do século XIX, na década de 1870, verifica-se um cenário de lutas pela profissionalização docente. A autora Heloisa Villela (2001) analisou impressos, nesse mesmo período, investigando a constituição das primeiras associações

19

O que vai ocorrer no Brasil durante o período da ditadura militar, com a implantação da disciplina de