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História de vida e profissão docente : experiências formadoras e a constituição da identidade em contexto de reforma educacional

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MAURÍCIO DEMORI

HISTÓRIA DE VIDA E PROFISSÃO DOCENTE:

EXPERIÊNCIAS FORMADORAS E A

CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE EM

CONTEXTO DE REFORMA EDUCACIONAL

CAMPINAS

2016

(2)

MAURÍCIO DEMORI

“HISTÓRIA DE VIDA E PROFISSÃO DOCENTE:

EXPERIÊNCIAS FORMADORAS E

CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE EM

CONTEXTO DE REFORMA EDUCACIONAL”

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Educação, na área de concentração de Educação, Conhecimento Linguagem e Arte.

Orientadora: Profa Dra Maria do Carmo Martins

CAMPINAS 2016

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Demori, Maurício,

D399h DemHistória de vida e profissão docente : experiências formadoras e a

constituição da identidade em contexto de reforma educacional / Maurício Demori. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

DemOrientador: Maria do Carmo Martins.

DemTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de

Educação.

Dem1. Formação docente História. 2. Sujeitos (Educação). 3. Identidade

-Aspectos sociais. 4. Reforma do ensino. 5. Neoliberalismo. I. Martins, Maria do Carmo,1964-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Life History and teaching profession : formative experiences and

the constitution of identity in the context of educational reform

Palavras-chave em inglês:

Teacher training - History Subject - (education) Identity - Social aspects Educacional reform Neoliberalism

Área de concentração: Educação Titulação: Doutor em Educação Banca examinadora:

Maria do Carmo Martins [Orientador] Adriana Varani

Cláudia Bevilacqua Denardi Maria Cristina Briani

Katia Mitsuko Zuquim Braguini

Data de defesa: 15-12-2016

Programa de Pós-Graduação: Educação

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

“HISTÓRIA DE VIDA E PROFISSÃO DOCENTE:

EXPERIÊNCIAS FORMADORAS E

CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE EM

CONTEXTO DE REFORMA EDUCACIONAL”

Autor : Maurício Demori

COMISSÃO JULGADORA:

Profa. Dra. Maria do Carmo Martins (orientadora) Profa. Dra. Adriana Varani

Profa. Dra. Claudia Bevilacqua Denardi Profa. Dra. Maria Cristina Briani

Profa. Dra. Katia Mtsuko Zuquim Braghini

Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno. 2016

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Ao meu pai, seu Nérzio...

Como será pois se ardiam fogueiras Com olhos de areia quem viu Praias, paixões fevereiras Não dizem o que junhos de fumaça e frio Onde e quando é genipapo absoluto Meu pai, seu tanino, seu mel Prensa, esperança, sofrer prazeria Promessa, poesia, Mabel (Caetano – Genipapo Absouto)

E à minha mãe, dona Dina...

“Tudo são trechos que escuto - vêm dela Pois minha mãe é minha voz Como será que isso era este som Que hoje sim, gera sóis, dói em dós Aquele que considera A saudade uma mera contraluz que vem

Do que deixou pra trás Não, esse só desfaz o signo E a rosa também" (Caetano – Genipapo Absoluto)

Que ajudaram a compor, com suas histórias e canções, o gosto pela História.

À minha esposa, Andrea...

A tua presença,

Entra pelos sete buracos da minha cabeça,

A tua presença,

É a coisa mais bonita em toda a natureza.

(Caetano – A tua presença morena)

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Agradeço aos meus pais por toda luta e dedicação. E aos amados irmãos por todo apoio sempre.

À minha orientadora, Maria do Carmo Martins, pela conduta sempre muito competente e sensível em todo o processo de trabalho e conversas com o grupo de pesquisa, pela orientação respeitosa aos nossos diferentes processos de trabalho e, sobretudo, ao carinho e sabedoria no trato com todos. Pelo companheirismo de sempre. E pela troca de conhecimentos que é pautada pela ética, pela seriedade na busca de uma compreensão histórica e na transformação compromissada de nossa vida.

À minha amada esposa, Andrea, pela presença e paciência diária, pela dedicação e ajuda em todos os processos da pesquisa, inclusive, na revisão atenta e qualificada do texto da tese, inúmeras vezes e por ter sido também uma leitora atenta dos caminhos da pesquisa. E pela sua presença cotidiana em minha vida.

A todos os queridos depoentes por me permitirem tantas lições com suas narrativas, adquiridas com o tempo de profissão e de vida e as quais possuem muita sabedoria.

Aos amigos do grupo de pesquisa: Pri, Gi, Ray, Carlinhas – Sampaio e Oliveira –, ao querido Getúlio e à Raquel, por trilharmos um percurso de trocas e companheirismo.

Ao Danilo, pela troca de ideias constante, sempre pautada no compromisso ético e político tendo em vista uma sociedade diferente e mais humana.

Ao Ronis, por toda colaboração e compreensão.

Por todos que me ajudaram, direta e indiretamente, no processo de construção do trabalho. Aos amigos da Unesp-Franca que se tornaram campineiros e que há muitos anos auxiliam com o amor, carinho e dedicação.

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Aos ex-diretores e ex-professores da escola E. E. Júlio Mesquita, que me trouxeram o passado da escola. Ao Tião, ex-aluno e precioso colaborador que, com suas narrativas sobre a escola e o bairro, ajudaram a melhor entender a formação dessa unidade escolar.

E a todos os colaboradores de minha tese: docentes que fazem parte de minha banca avaliadora, aos docentes que colaboraram durante a realização das disciplinas e a todos os professores cuja labuta inspira esse trabalho.

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Trata- de uma pesquisa em historia da educação, sob a perspectiva da história cultural, enfocando a formação de professores e as experiências pessoais e profissionais que contribuíram para a configuração de identidades docentes. Tem por objetivo entender como professores que atuam no segundo segmento do ensino fundamental e em nível médio, sediados em uma escola pública estadual na cidade de Campinas, São Paulo, apreendem e significam seus saberes cotidianos, suas trajetórias de vida, suas experiências de formação acadêmica e suas relações sociais na construção de suas identidades.

Utilizando-se da metodologia das pesquisas narrativas, nos quais os depoimentos dos docentes são coletados, compartilhados e colocados em diálogo, conhecemos os registros sobre suas histórias de vida e experiências formadoras. Buscamos entrar em contato com visões sobre a profissionalidade e profissionalização docentes, num contexto histórico de reformas educacionais recentes, de caráter neoliberais, que apontam para a fragmentação das identidades políticas, o crescimento do individualismo e a edificação de novos perfis profissionais. Segundo Goodson (2008), uma das referências teóricas essenciais do trabalho com a pesquisa narrativa, a profissionalização diz respeito ao processo desenvolvido e organizado pelos docentes, que visa ampliar os recursos materiais e melhorar suas condições de trabalho. A profissionalidade ou profissionalismo tem ligação com a prática de aula dos professores. O autor aponta que os dois processos podem caminhar juntos, contudo, em tempos de novas maneiras de controle pelo Estado, tanto as atribuições curriculares quanto o processo de profissionalização são alterados.

A pesquisa procura dialogar com as sensibilidades e os valores dos docentes, visando compreender suas missões, entendidas como um sistema em que crenças e propósitos profissionais, adquiridos com a prática profissional, se relacionam aos projetos sociais e políticos do indivíduo e das reformas educacionais.

Palavras-chaves: 1.História da formação docente; 2. Sujeitos – identidades; 3. Reforma educacional; 4. Neoliberalismo; 5. Histórias de Vida

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It is a research in the history of education, from the perspective of cultural history, focusing on teacher education and on the personal and professional experiences that have contributed to the setting of teacher‟s identity. It also aims to understand how teachers who work in the second following of the elementary and high school, located on a public school in the city of Campinas, São Paulo, seize and mean their everyday knowledge, their life trajectories, their experiences of academic training and social relations in the construction of their identity.

Using the methodology of the research narratives in which the testimonies of the teachers are collected, shared and placed in dialogue we know the records about their stories of life and training experiences. We seek contact with visions about the professionalism and professionalisation of teachers in a historical context of recent educational reforms, from neoliberal character that point to the fragmentation of political identities, the growth of individualism and the building of new professional profiles. According to Goodson (2008), one of the essential theoretical references of working with narrative research, the professionalisation is related to the process developed and organized by teachers, which aims to expand the material resources and improve their working conditions. The professionalisation or professionalism is connected with the practice of school teachers. It points out that the two processes can walk together, however in times of new ways of controlling by the State both curricular assignments or the process of professionalisation are changed.

The survey seeks to dialogue with the sensibilities and values of teachers, in order to understand their missions, understood as a system where beliefs and professional purposes, acquired with the professional practice, relate to social and political projects of the individual and of educational reforms

Keywords

1. History of Teacher Education; 2. Subject – Identities; 3. Educational Reform; 4. Neoliberalism; 5. Life Stories.

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APM – Associação de Pais e Mestres ATP – Aula de Trabalho Pedagógico

CRPEs – Centros Regionais de Pesquisa em Educação DIC – Distrito Industrial de Campinas

DOPS – Departamento de Ordem Política e Social E. E. – Escola Estadual

FCM – Unicamp – Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo

IDESP – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo OSPB – Organização Social, Política do Brasil

ONGs – Organizações Não-Governamentais PROUNI – Programa Universidade para Todos

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PUC – Campinas - Pontifícia Universidade Católica de Campinas

SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SEE – Secretaria de Estado da Educação

SESI – Serviço Social da Indústria

TCEM – Trabalho de Conclusão do Ensino Médio

UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

USF – Universidade São Francisco USP – Universidade de São Paulo

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INTRODUÇÃO...12

Trajetória da pesquisa...15

Memórias (auto) biográficas e narrativas em educação...20

O trabalho com histórias de vida...22

Confecção dos questionários e entrevistas...28

O processo de entrevistas...30

Docentes selecionados...32

1. REFORMAS EDUCACIONAIS NEOLIBERAIS E ATUAÇÃO DOCENTE: UM CAMPO EM CONFLITOS...38

2. TRAJETÓRIAS DE VIDA E PROFISSÃO DOCENTE: MEMÓRIA E NARRATIVAS DE IDENTIDADE...55

2.1 A escolha da carreira e trajetória de formação...59

2.2 Influências de professores nas escolhas profissionais...71

2.3 Memórias sobre a escolarização e os primeiros contatos com a cultura escolar...76

2.4 A inserção no mercado profissional...81

2.5 As primeiras aulas e a inexperiência profissional...86

2.6 Trajetórias de formação: identidades profissionais em construção ...94

3. SENTIDOS E SIGNIFICADOS DO LUGAR DE TRABALHO, DO FAZER E DA ESCOLA PÚBLICA ...100

3.1 E. E. Júlio Mesquita: percursos de uma escola...101

3.2 O lugar de trabalho e o seu significado para os docentes...108

3.3 O espaço físico como importante elemento pedagógico...116

3.4 Planejar, ensinar e conviver – a diversidade e o espaço dos conflitos...134

3.5 Sentidos e significados da educação pública...152

4. DA EXCELÊNCIA PROFISSIONAL AOS SONHOS PROFISSIONAIS: COMO OS DOCENTES CONSTITUEM OS SEUS SABERES E REPRESENTAM A PROFISSÃO...163

4.1 O que significa ser um bom professor?...164

4.2 Os docentes se consideram criativos?...171

4.3 Como a vida interfere na profissão?...176

4.4 Benefícios e malefícios de atuar profissionalmente como professor...181

4.5 A continuidade na carreira...197

4.6 Sonhos profissionais – Ser professor ainda vale a pena?...200

CONSIDERAÇÕES FINAIS...208

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O trabalho de pesquisa de doutorado intitulado História de vida e profissão

docente: experiências formadoras e a constituição das identidades em contextos de reformas educacionais tem como objetivo entender como os docentes do ensino

fundamental II e de nível médio de uma escola pública estadual de São Paulo, E. E. Júlio Mesquita, situada na cidade de Campinas, apreendem saberes com suas experiências profissionais e com suas trajetórias de vida e como isso influencia na construção das identidades profissionais.

Através de depoimentos dos docentes, averiguamos os registros que falam sobre suas vidas e experiências formadoras. Buscamos, ainda, entrar em contato com visões sobre a profissionalidade e profissionalização, num contexto histórico que, segundo pesquisas, aponta para a fragmentação das identidades políticas, crescimento do individualismo e edificação de novos perfis profissionais menos engajados com questões sociais. Segundo Goodson (2008), a profissionalização diz respeito ao processo desenvolvido e organizado pelos docentes, que visa ampliar os recursos materiais e melhorar as condições de trabalho. A profissionalidade ou profissionalismo tem ligação com a prática de aula dos professores. Goodson aponta que os dois processos podem caminhar juntos e esse é o ideal; contudo, em tempos de novas maneiras de controle pelo Estado, tanto das atribuições curriculares quanto do processo de profissionalização – que vem sendo deslegitimado –, é muito importante que os docentes consigam encontrar um cenário de equilíbrio entre profissionalidade e profissionalização.

Conhecer as sensibilidades e valores dos docentes nos permite também compreender as suas missões1 – as crenças e propósitos profissionais adquiridos com a prática profissional e que estão relacionados aos projetos sociais e políticos do indivíduo – tal como colocadas por eles e, ademais, cotizá-los com as missões e funções designadas a tais atividades pelas reformas educacionais a que estão sendo submetidos.

Esta tese colabora para as pesquisas educacionais por apresentar-se como um contraponto às pesquisas e estudos que, muitas vezes, não levam em consideração os pontos de vista dos trabalhadores da educação sobre suas próprias vidas profissionais, deixando de abordar os depoimentos de quem está em sala de aula e produz ferramentas de trabalho ao longo de trajetórias de vida.

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Desse modo, a importância desse trabalho reside no fato de contribuir para que os docentes tenham visibilidade social em sua atuação profissional e que participem como colaboradores da pesquisa, uma vez que as atuais reformas educativas produzem sua invisibilidade. Goodson (2007c, 2008) destaca que o estudo das trajetórias de vida dos docentes e de suas carreiras, ao ser inserido em contextos históricos mais amplos, permite que se compreenda melhor anseios, desejos, frustrações, missões, possibilitando aprimorar políticas públicas mais comprometidas com mudanças efetivas. Nesse sentido, o estudo das narrativas dos docentes é um campo de disputas e batalhas por representações.

Optou-se por trabalhar com a metodologia de histórias de vida no presente trabalho – a metodologia de história de vida é adaptada ao trabalho de maneira a respeitar o sentido do texto e a análise dos depoimentos – e não apenas com biografias de vida. Segundo Ivor Goodson (2007c, 2008), essa metodologia significa situar as informações fornecidas pelos docentes num contexto amplo de entendimento da realidade social, procurando abordar suas trajetórias de vida em uma perspectiva de colaboração. Ou seja, em tal metodologia, de história de vida, proposta por esse autor, considera-se a análise dos relatos como um ponto de partida para a realização de uma pesquisa histórica. As informações obtidas com os relatos devem ser inseridas em contextos históricos e trabalhadas pelos historiadores/ pesquisadores como parte de uma história social um pouco mais ampla. O termo colaboradores, por sua vez, relaciona-se a um estilo metodológico de lidar com os depoentes: os entrevistados participam como colaboradores que fornecerão informações tanto sobre as suas biografias de vida profissional, como também de outros contextos correlacionados com suas trajetórias. Uma das finalidades dessa metodologia é fomentar as trocas entre pesquisador e depoente, de forma a propiciar o cruzamento e análise de informações variadas: diversas entrevistas, informações sobre a escolarização, profissionalização e sobre o contexto sócio-político em que o depoente se insere.

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Trajetória da pesquisa

O intuito de conhecer melhor as histórias e os pontos de vista de docentes decorreu do fato de que, também como docente, participei inúmeras vezes de conversas e inquietações do grupo dessa e de outras escolas públicas, nos espaços coletivos onde se falavam sobre a realidade do ensino e da escola. Procurava entender melhor a condição do professor, tal como buscava compreender as políticas públicas que estavam sendo aplicadas e interferindo em nossas práticas de alguma maneira. Foi então, a partir de tais inquietações, que as questões iniciais dessa pesquisa passaram a ser formuladas.

O projeto inicial intitulava-se Trajetórias de vida e formação docente: a

construção dos referenciais para o trabalho com a diversidade. Com ele objetivava

verificar como as histórias de vida dos docentes os influenciavam na constituição dos referenciais para o trabalho com a diversidade nas escolas onde lecionavam. O projeto inicial surgiu de algumas experiências profissionais. Na Escola Estadual Orlando Signorelli, da rede pública estadual paulista, situada na cidade de Campinas, DIC VI (Distrito Industrial de Campinas), observei2 uma situação em que docentes discriminaram um aluno em liberdade assistida. Esse episódio foi marcante, pois construí a ideia de que tais profissionais discriminavam alunos considerados indisciplinados por não conseguirem lidar com realidades sociais diferentes das suas.

Em outra ocasião, já na Escola Estadual Júlio Mesquita (E. E. Júlio Mesquita), situada na cidade de Campinas, no bairro Jardim dos Oliveiras, observei, na condição de professor, o dilema enfrentado pelos demais docentes ao se depararem com uma aluna que gostava de ser chamada por um nome masculino. A garota dizia ser um garoto e queria ser tratada como um menino. O caso dessa aluna causou uma grande aflição entre os professores, que tinham imensa dificuldade de dialogar com ela e lidar com sua presença em sala de aula; além da questão de gênero, a aluna era considerada impulsiva e agressiva e era difícil saber o que de fato estava causando desconforto entre os colegas.

Por ocasião da apresentação do projeto de doutorado, a escolha recaiu sobre estudar a E E Júlio Mesquita, investigando as representações profissionais dos professores sobre suas práticas, por entender que conseguiria construir nesse lugar um

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campo de pesquisa e de observações de questões cotidianas, podendo confeccionar um diário de anotações dos conflitos e temas emergentes, a partir do qual poderia estabelecer um diálogo com questões gerais relacionadas à rede estadual paulista de ensino3.

Outras situações de indisciplina, desinteresse discente e também a desvalorização profissional traziam descontentamento aos docentes no contexto escolar, situações as quais os remetiam a grande incômodo e insatisfação no que tange à profissão, apontando para uma aparente crise profissional.

Novamente vinculei essa insatisfação à inabilidade docente em se deparar com alunos provenientes de classes mais pobres, os quais não se identificavam com um modelo de escola que não tratava as questões de suas histórias4. Fui influenciado, naquele momento, por uma ideologia sobre a necessidade do domínio, pelos docentes, de saberes, competências e habilidades no exercício da profissão. Essa ideologia, também reproduzida pelos formuladores de políticas públicas e até por muitos que estão dentro das universidades, pregava que os saberes e as experiências dos docentes da rede básica de ensino, acumuladas ao longo das trajetórias de vida desses profissionais, eram menos importantes e menos legítimas do que os saberes produzidos pela academia ou pelos gestores educacionais.

O julgamento que tecia dos docentes conduziam-me a uma postura equivocada como pesquisador, pois assumia uma conduta de “catequização” dos professores, além de me distanciar dos objetivos de uma pesquisa histórica. Ao mesmo tempo, para além das questões de culpabilização dos docentes, não estava atento aos contextos e cenários nos quais se inseriam os professores.

A trajetória da pesquisa e o contato com outros referenciais teóricos, me propiciou, todavia, perceber que a insatisfação docente poderia ter relação com outros processos relacionados à profissionalidade e à profissionalização, os quais se

3 Tomar uma escola para o estudo das especificidades não implica, nesta tese, em generalizar as questões

observadas, analisadas e interpretadas naquele lugar como exemplar para toda a rede paulista, mas de definir tal lugar e os seus colaboradores como um meio para estabelecer diálogos sobre elementos que se apresentam nesta mesma rede paulista, como nos mostram as abordagens metodológicas adotadas.

4 Os docentes podem representar os alunos estranhando-os, de acordo com determinadas classes sociais

ou segmentos sócio-culturais as quais se vinculam, como aponta a pesquisa de Goodson (2015b), e esse poderia ser um tema de pesquisa a ser investigado, porém a hipótese levantada, de culpabilização dos docentes pelo fracasso escolar, sem entender os contextos de formação profissionais, de trabalho e as relações dos docentes com cenários de implantação de políticas públicas que contém visões e objetivos específicos a serem alcançados, incorporava, conforme ilustram os pesquisadores Lüdke, Boing (2004), uma ideologia construída historicamente, que atribui aos docentes a responsabilidade pelo fracasso ou pelo sucesso escolar. Foi então que optei em tentar averiguar essas construções, como destaquei no início do texto, cotejando, entre outros objetivos, os depoimentos dos colaboradores com o discurso oficial.

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vinculavam a contextos mais abrangentes. As atividades que colaboraram para repensar as hipóteses iniciais de pesquisa foram debates realizados, em especial, sobre a obra de Ivor Goodson, no ano de 20125. Especialista em História da Educação, tal autor se dedica, atualmente, ao estudo de histórias de vida (numa perspectiva de estudo da história social) de vários segmentos profissionais, inclusive, de docentes, em diversos países. Ao longo dos últimos anos, após ter se dedicado muito à pesquisa da história do currículo e das disciplinas escolares, o autor inglês vem pesquisando como os diferentes segmentos profissionais realizam a mediação entre políticas e orientações prescritivas (mudanças educacionais, orientações mercadológicas etc.) e os fazeres cotidianos dos docentes, procurando entender como estabelecem a ressignificação de tais projetos a partir de suas histórias, valores, missões, ora convalidando algumas lógicas que, segundo o próprio autor, podem apontar para a fomentação de práticas individualistas, nesse cenário contemporâneo, com pouco vínculo a projetos coletivos; ora configurando práticas alternativas, manifestando outras concepções e ações mais comprometidas com projetos coletivos e menos individualistas.

Foi nesse contexto que surgiu a ideia de trabalhar com os docentes como narradores, como colaboradores nesse processo, e não como objeto de estudo. A bibliografia estudada nesse período, Burke (2003), Hamilton (1992), Thompson (1981), também contribuiu para a redefinição das questões da pesquisa. Mobilizado, sobretudo pelas pesquisas realizadas pelo inglês Ivor Goodson (2005, 2007a; 2007c 2007d; 2008), passei a indagar como se dava a atuação profissional dentro dos contextos de mudanças educacionais.

A forma como a escola vinha sendo organizada, as mudanças educacionais que, vez por outra, redefiniam papéis profissionais e a postura docente, poderia ser um aspecto significativo a ser considerado. Passei então a me atentar às situações vivenciadas na escola com maior cuidado, procurando recorrer às minhas lembranças e às observações do espaço. Em uma ocasião, a fala de uma docente, em especial, me permitiu pensar o quanto o contexto político das reformas educacionais não consideraram as questões subjetivas dos docentes, bem como seus contextos de atuação e formação, procurando entendê-la e respeitá-la. A docente, que lecionava Matemática, frequentava uma reunião pedagógica que havia sido organizada para discutir os resultados da prova do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São

5

Em especial, destaco a realização da disciplina Atividades Programadas de Pesquisa de Doutorado II, coordenada pela professora Maria do Carmo Martins,

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Paulo (Saresp).Tais provas avaliam, sobretudo, as disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa, pois são consideradas essenciais: nelas desenvolvem-se as linguagens e, em uma avaliação em larga escala, permitem perceber competências e habilidades básicas, de acordo com a matriz de referência do processo avaliativo e do currículo escolar. O resultado dessa prova é importante, porque através dele, bem como de outros itens avaliados, é gerado o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp). A partir desses dados é medida a qualidade do sistema educacional do Estado de São Paulo. Índices como evasão escolar, repetência, assiduidade do professor também são alguns outros pontos considerados para o Idesp. Vale ressaltar também que o governo do Estado de São Paulo realiza o pagamento de um bônus-mérito a cada professor, conforme o rendimento de cada escola no Idesp. Caso mantenham a meta do ano anterior – a nota alcançada pela escola no torna-se uma meta a ser alcançada ou mantida no ano seguinte –, ou a ulltrapassem, os profissionais são bonificados. Caso não, o bônus não é concedido.

Essa estratégia, que também é destacada na pesquisa de Fernandes (2010), passou a incentivar ações pedagógicas pautadas em se obter boas notas nos resultados oficiais. A docente de Matemática da E. E. Júlio Mesquita, ao ser questionada sobre as notas insuficientes que os alunos tiraram nessa disciplina, proferiu a seguinte frase: “Depois que permitiram que a escola pública abrigasse „alunos de todos os tipos‟, como podemos ensinar direito e garantir boas notas?”.

O exemplo citado acima sugere que a professora tenta culpar a expansão da escolarização e a inclusão das classes populares como um importante fator que impossibilita e dificulta aos docentes o exercício de sua profissão. Todavia, o que pareceu deixá-la irritada foi o contexto de culpabilização dos professores, que se deu no espaço da reunião. Ficou implícito que se a escola não atingiu as metas, é porque alguém falhou. E os “culpados” eram os docentes das disciplinas de Matemática e Português, responsáveis por “lecionarem mal” os conteúdos que caíam na prova do Saresp. Esse processo, em vez de garantir maior qualidade dos serviços dos docentes, colaborava para deslegitimar as missões e propósitos profissionais, ao desvalorizar a atuação dos profissionais da educação.

Em diversas ocasiões, não poucas vezes, havia professores preocupados com os resultados das provas oficiais e com as baixas notas de seus alunos nos exames estaduais oficiais (Saresp). E, em alguns momentos, resistiam a desenvolverem outras iniciativas que não se circunscrevessem a estratégias para o treinamento dos alunos nas

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provas oficiais. Esse cenário se acirrou durante a gestão do governo José Serra. Houve a implantação de um sistema de utilização de cadernos didáticos que orientavam o docente na utilização dos conteúdos programáticos estaduais. A maneira como vinha sendo implantado esse sistema recebeu várias críticas dos professores e algumas apontavam que, embora se divulgasse que os materiais deviam apenas ser utilizados como mais uma ferramenta para auxiliar o docente, em várias unidades escolares acabaram sendo usados como uma maneira de controlar e fiscalizar o trabalho do professor, deslegitimando experiências adquiridas a partir da vida profissional docente e de suas trajetórias pessoais6.

A partir de tais fatos, passei a me perguntar se as reformas educacionais estavam alterando a visão que os professores teciam sobre a profissão e os seus propósitos, isto é, se tais reformas modificavam a imagem que os docentes constituíam de si mesmos e de que forma isso ocorria. Indagava-me também se o capital coorporativo – os conhecimentos adquiridos com as experiências numa determinada instituição, ou organização, ou mesmo profissão (Goodson, 2008) – da escola estava se perdendo, pois tinha a impressão que muitos docentes, os mais experientes, demonstravam insatisfação profissional e, insistentemente, relatavam suas queixas na sala dos professores, contagiando os docentes iniciantes.

Interrogava-me se essa insatisfação observada com a fala de muitos professores tinha ou não relação com a crise dos propósitos e missões desses docentes, e se estava em processo a constituição de perfis profissionais de cunho técnico, ou seja, profissionais, tal como Goodson (2008) se refere, que apenas se preocupam em aplicar os conteúdos oficiais, sem, entretanto, participarem da construção do projeto político pedagógico da escola. Goodson (2008), em seus trabalhos, utiliza-se do termo para ilustrar a construção de perfis profissionais voltados para a aplicação tanto dos conteúdos, quanto das tarefas rotineiras e burocráticas do cotidiano.

Outra interrogação feita era se os docentes se entendiam e se vinculavam à profissão dentro do magistério público paulista como docentes/profissionais autônomos ou como professores/funcionários públicos7, pois a ligação a uma ou a outra afiliação identitária significaria entendimento específico do lugar e da concepção profissional e

6

A implantação das reformas educacionais referidas no texto será discutida no primeiro capítulo, no tópico sobre as políticas neoliberais.

7 Os conceitos: docentes/ profissionais autônomos ou professor/ funcionários públicos serão explicitados

no primeiro capítulo, no contexto da história da profissionalização ocorrida em Portugal, a partir de referências de António Nóvoa.

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política assumida. Esses questionamentos foram constituídos pelo diálogo travado com as leituras desenvolvidas de alguns textos de Stephen Ball (2004, 2005, 2012) e Goodson (2007a; 2007c; 2008; 2015a), António Nóvoa (1995), entre outros8. E foram tais ideias iniciais que conduziram à escolha de uma metodologia que levasse em conta a participação dos docentes.

Memórias (auto) biográficas e narrativas em educação

O estudo das (auto) biografias, de acordo com Passeggi, Souza e Vicentini (2011), ganhou destaque no quadro de pesquisas educacionais a partir da década de 1990, quando ocorreu aumento significativo do número de trabalhos versando sobre a temática. O aumento do gênero de pesquisa se deve, segundo os autores, ao entendimento de que o campo de pesquisa dos estudos (auto) biográficos se opõe às pesquisas de cunho mais convencional, pois são consideradas como formadoras das subjetividades dos docentes. Anteriormente a formação era mais compreendida pela via acadêmica. Para os autores, essa área do conhecimento, das (auto) biografias, tem uma dimensão importante não por ser reveladora de verdades, como propunham as pesquisas racionalistas9, mas por “jogarem luz” no campo das crenças e das subjetividades dos docentes e no processo de constituição de suas aprendizagens e saberes ao longo de suas trajetórias de vida e profissionais.

Passeggi, Souza e Vicentini (2011) entendem que o trabalho de (auto) biografia, como foi destacado anteriormente, possibilita aos autores/ narradores das histórias entrarem em contato com suas trajetórias de vida, contribuindo para que reflitam sobre elas. Ou seja, o ato de escrever e de narrar, para Souza, carrega um elemento estruturante significativo, porque permite que os autores se reconheçam como sujeitos-autores de suas histórias e a realização das (auto) biografias pode incentivar leituras de si por parte dos entrevistados, com a realização de uma reflexão das suas histórias de

8 Voltaremos a esse debate no primeiro capítulo.

9 Segundo Souza e d‟Ávila (2010), a pesquisa com biografias de vida trabalha outra concepção de

racionalidade, a qual leva em conta as subjetividades, mas o trabalho com essa concepção diferencia-se dos modelos de racionalidade moderna, pois [...] o pressuposto principal da racionalidade moderna é a separação sujeito/objeto e a crença de que é passível de conhecimento apenas o que for possível ser medido, ordenado, comparado etc. Logo, a subjetividade deveria ser exorcizada da ciência. Os cientistas deveriam escrever sobre o que eles pesquisam e não o que eles são, deveriam escrever sobre suas descobertas e não sobre suas crenças e valores. (Souza e d‟Ávila, 2010, p. 445).

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vida (PASSEGI; SOUZA; VICENTINI, 2011). O trabalho com (auto) biografias não tem como objetivo contrapor o antes com o agora, mas possibilitar que os depoentes ressignifiquem suas histórias, percebendo momentos cruciais de formação e aprendizagens.

Para Ivor Goodson (2007b), a análise das (auto) biografias se constitui como objeto de pesquisa relevante, pois procura verificar as diversas estratégias de aprendizagens elaboradas pelas pessoas que buscam viver num mundo conturbado e de grandes transformações. No transcorrer da vida, as pessoas se deparam, cotidianamente, com inúmeras situações que exigem aprendizagens sobre como gerenciar os projetos de vida. Tais situações colaboram para a construção e ressignificação das narrativas de vida ou de identidades. Segundo Goodson (idem), os pesquisadores e as instituições que procuram entender a formação somente pela via da escolarização deixam de compreender outras maneiras e espaços de formação10.

A relevância de se estudar (auto) biografias e história de vida de profissionais da rede pública de ensino, além de motivos apontados anteriormente, tem relação com a importância de entender as representações dos sujeitos que lidam diretamente com a educação escolar. Conforme Ivor Goodson (2005; 2008), a pesquisa das narrativas dos sujeitos que lidam com a área educacional é relevante porque permite enxergar um campo de pesquisa ainda não muito bem explorado na História da Educação. Muitas pesquisas desenvolvidas sobre educação utilizaram-se de informações prescritivas e de fontes indiretas não se detendo no ponto de vista dos docentes – como será explicado no próximo subitem. E segundo o autor é no “mesonível”11

, ou seja, no espaço onde se dá a concretização do ensino e da aprendizagem, que ocorrem as disputas pelas representações.

La tarea de la investigación educativa o del currículum no es compreder las complejidades cómo funciona el movimento global; conocemos el problema general, se trata de comprender las complejidades de la mediación o de la refración. [...] devemos estudiar lo que yo llamo el mesonível, el nível

10 No texto: Currículo, narrativa e o futuro social. In: Revista Brasileira de Educação, v. 12 n. 35

maio/ago. 2007b, Ivor Goodson propõe análises vinculadas ao campo temático denominado de currículo narrativo, para elucidar estratégias de aprendizagens encontradas por adultos.

11 No caso, mesonível é relacionado ao nível social imediato, ou seja, o termo vem da economia e das

teorias das organizações, que explicam que é no espaço onde ocorrem as sociabilidades mais imediatas. O mesonível é o nível mais próximo do coletivo de trabalho, do grupo ao qual se pertence.

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intermédio o de mediación, que son las luchas por el currículum y las luchas de los profesores por sus condiciones de trabajo y sus vidas. Porque es en este mesonível donde se pueden realmente observar las luchas entre los grupos de interés dominantes y los grupos subordinados. (GOODSON, 2005, p. 6).

O trabalho com histórias de vida

História de vidas e relatos (auto) biográficos são dois estilos metodológicos adotados pelos pesquisadores da área de estudos em educação para servirem como contraponto às pesquisas de ordem convencional. Entretanto, eles possuem diferenciações. O termo relatos (auto) biográficos refere-se às histórias contadas pelos entrevistados sobre suas vidas. Um ponto forte dessa metodologia são as percepções dos entrevistados sobre suas experiências. Já a metodologia denominada histórias de vida parte dos relatos (auto) biográficos para a elaboração de uma interpretação das informações contidas nesses relatos. Essas interpretações são feitas a partir da inserção dessas histórias em histórias sociais mais amplas. Sobre essa metodologia, Goodson (2015) discorre:

Quando escrevi, em 1992, sobre histórias de vida dos professores, salientei que o “foco essencial do trabalho da história de vida é a inserção das estórias12 dos professores num contexto de análise mais amplo, nas palavras de Stenhouse, de “uma história de ação numa teoria de contextos”. A distinção entre estória e a história de vida torna-se, assim, bastante clara. Pela primeira, entende-se “a estória que contamos sobre a nossa vida”, enquanto a segunda consiste na estória de vida situada no seu contexto histórico”. Isso significa que as estórias de vida são a porta de entrada, não a conclusão, de uma investigação em história de vida. São o começo de uma jornada, não o fim. Pela sua natureza, já foram

12 Estórias nessa tradução referem-se às experiências, às vivências pessoais narradas pelos colaboradores.

Embora no sentido mais conhecido estórias possam ser tomadas por ficções e fábulas, no caso da obra de Goodson, elas referem-se às passagens biográficas.

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extraídas da experiência de vida, o que representa a interpretação de uma pessoa da sua própria vida. É sobretudo por esta razão que a investigação da história de vida é, em si mesma, uma forma interpretativa de investigação. A transformação da estória de vida na história de vida acrescenta uma camada de interpretação que constitui a segunda razão pela qual esta investigação é interpretativa. A etapa central da investigação diz respeito à transformação das estórias de vida em histórias de vida. Isto implica, para os colaboradores, a passagem “do testemunho para o contexto histórico” que, tal como eu e Pat Sikes defendemos, é “um momento perigoso, visto que reveste os investigadores de um considerável poder colonizador de “situar a estória de vida com todas as suas inevitáveis seleções, mudanças e silêncios”. Contudo, compreender a estória de vida é fundamental para “apresentar um discurso que abranja as histórias e as geografias sociais que revestem as histórias de vida, visto que, sem o comentário contextualizante sobre o tempo e o espaço, as estórias de vida permanecem desligadas das condições da sua construção social”. (GOODSON, 2015, p. 43).

Quando os relatos (auto) biográficos não são situados em contextos mais amplos de pesquisa, o pesquisador corre o risco de não problematizar adequadamente a forma como os docentes entrevistados representam as informações. Os entrevistados podem reproduzir discursos oficiais (objetivos prescritivos) e reforçar uma lógica cultural que procura reduzir e limitar a atuação docente.

Goodson (2015a) aponta que boa parte das pesquisas educacionais e da formação dos professores foi realizada a partir das referências disciplinares aos quais se vinculavam os pesquisadores. Para o autor, essa peculiaridade apresenta um grande problema, pois os pesquisadores precisavam dar conta de produzir inúmeros artigos e obterem grande produtividade como exigência de suas carreiras e acabam, muitas vezes, se fixando em fontes indiretas de pesquisa sobre a realidade das escolas, distanciando-se dos contextos de trabalho dos professores e do ponto de vista que possuem. Em virtude dessa situação, alguns investigadores optaram por pesquisar as práticas dos professores.

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Segundo Goodson (idem), a pesquisa da prática constituiu-se como relevante do ponto de vista de valorizar as falas dos docentes e dos trabalhadores das escolas, porém apresenta alguns problemas. Um deles é que as práticas interativas em sala de aula estão sujeitas a uma constante mudança, de acordo com as orientações políticas em voga e os professores podem estar submetidos a contextos políticos que não consideram sua relevância como atores sociais, visando apenas reduzir seu papel a uma “instituição de mediação” – nesse caso o autor referiu-se ao termo para designar aplicação dos conteúdos oficiais. Em pesquisa realizada, na qual o autor teve em vista retratar algumas reformas educacionais promovidas na Inglaterra, Goodson (2015a) tece algumas considerações sobre o assunto:

[...] neste momento a nova Direita está a tentar reduzir o professor a um técnico que, de forma rotineira e banalizada, apenas se limita a transmitir conteúdos predefinidos. Ao aceitarmos estas definições e a incidência na “prática”, conforme definido, estamos a entrar no seu jogo e a passar a iniciativa da definição dos pontos de partida para os políticos e os burocratas. Em suma, serão eles a determinar a agenda. (GOODSON, 2015a, p. 46).

Para o autor, uma maneira para tentar resolver esse problema consiste em: [...] pensar num método de investigação que procure uma compreensão global, contextualizante, ao mesmo tempo que retém uma perceção13 valiosa que emerge das novas vozes, ou da exploração das múltiplas representações de um dado foco (GOODSON, 2015a, p. 46 - 47).

O autor propõe pensar um método de investigação valorizando a percepção de uma multivocalidade e que tenha como estratégia relacionar a análise da vida e do trabalho dos professores, porque ao se deter apenas no estudo da prática, corre-se o risco de reproduzir o discurso oficial que pode ser, muitas vezes, contrário a uma plena profissionalização docente.

13

O termo perceção refere-se à tradução realizada em português de Portugal. Em português, do Brasil, o termo significa percepção.

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Nessa perspectiva, a pesquisa com histórias de vida se constitui como uma resposta e uma crítica ao excesso do uso atual das narrativas. Nos dias atuais percebe-se uma fuga a entendimentos e conexões explicativas da vida em sociedade e sua história a partir de lógicas e narrativas de pequenas amplitudes. As pequenas narrativas estão ganhando grande relevo. O perigo desse processo é que as questões relacionadas à maneira como as sociedades se organizam estão sendo deixadas de lado, em boa medida. Foca-se no poder dos sujeitos em conduzir os projetos individuais sem, entretanto, considerar as ligações entre características pessoais e outros processos socioculturais, políticos e econômicos mais amplos. Goodson (2008) cita como exemplo desse processo as mídias, que, nas suas relações com diversas instâncias de colaboradores do mercado e dos negócios, usam e abusam das narrativas, mas esvaziam-nas de conteúdos e de análises de contexto, de análises culturais mais profundas sobre as narrativas.

As grandes mídias, que vêm obtendo hegemonia na produção de fatos e de representações, não trabalham com a produção de informações, mas sim na reprodução de “anedotas pessoais”– termo utilizado por Goodson (2008, p. 71) para se referir às pequenas narrativas individuais que são desvinculadas dos contextos, transmitindo a falsa ideia de que as pessoas possuem plena liberdade –, simplificando ou mesmo ocultando interesses e estratégias de poder.

Para Goodson, “uma vez quebrada a relação entre os enredos individuais e as aspirações coletivas, entramos na época das pequenas narrativas, no mundo da „política de vida “individualizada” (2015a, p.8). O aparecimento das pequenas narrativas e o crescimento desse gênero tem relação com o declínio e esvaziamento dos grandes debates públicos e com a fuga dos indivíduos ao mundo privado como uma maneira de se livrar da exploração do mundo do trabalho e de se obter maiores prazeres e felicidade.

Na sua história da sociedade [refere-se à Lasch] moderna distingue duas fases. Na primeira fase defende que a divisão do trabalho que acompanhou o desenvolvimento do capitalismo individual despojou as pessoas comuns do controlo sobre o seu trabalho, tornando-o alienante e insatisfatório. Na segunda fase, Lasch argumenta que o liberalismo potenciou a ideia de que, embora o trabalho pudesse estar alienado sob o capital, tudo poderia ser restabelecido na esfera privada. “Entendeu-se que as

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pessoas seriam livres para procurar a felicidade e a virtude nas suas vidas privadas conforme a sua vontade.” O local de trabalho era um lugar inóspito; o lar e a família tornaram-se o “refúgio num mundo sem coração”. (GOODSON, 2015a, p.13).

Em outro trabalho, Goodson (2007) oferece mais elementos para se

compreender o processo de deterioração dos propósitos profissionais que colaboram para gerar a fuga do mundo do trabalho. Aponta o quanto esse cenário contribui para a deterioração dos desejos e projetos de muitos profissionais que estão na rede pública de serviços, provocando uma mudança na maneira como as pessoas falam de suas vidas.

O que talvez estejamos vendo então é o começo de uma „fuga‟ substancial de um dos principais espaços de propósito coletivo e engajamento social – o ambiente de trabalho do serviço público. A outra face deste movimento é a „corrida em direção‟ ao indivíduo, ao pessoal, ao consumível; ao interesse especial e ao objetivo privado. (GOODSON, 2007, p. 19 – 20).

Um dos objetivos de se trabalhar com narrativas, para o autor, é estimular a construção ou reconstrução de histórias que possam viabilizar uma teorização das experiências e isso pode acontecer ao se entrecruzar memórias (auto) biográficas e informações contextuais. Cada pessoa, à medida que se remete às suas experiências de vida e consegue visualizar as de outros profissionais, pode se inserir num cenário de trocas frutíferas de informações e uma maior reflexão de si e dos outros.

Penso que há dois tipos de fronteiras em jogo aqui: uma, é a diferença entre a referência local e a cosmopolita. Há pessoas que viajam para longe de seu ambiente local e desenvolvem conhecimento cosmopolita. [...] Quero dizer que você e Raimundo seriam exemplos, eu seria outro. Nós temos andado, estivemos em outras culturas, sabemos o que é o significado de „local‟ de maneira diferente daqueles que permanecem ali. Se você se torna cosmopolita isto traz uma visão diferente, mais estratificada sobre o que é ser local. Ao lado disso, há uma diferença entre viver uma vida de forma existencial e ser capaz de teorizar essa vida para entender o que aconteceu com você,

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como meu tipo de trabalho com „histórias de vida‟. Assim, o cruzamento de fronteiras entre local e cosmopolita, ou os cruzamentos entre uma vida vivida experiencialmente e uma vida teorizada são deveres precípuos de cruzamentos de fronteira que professores precisam pensar [...] (GOODSON, 2007a, p. 54 - 55).

Para a realização das entrevistas com os docentes, adotou-se como metodologia a perspectiva de trabalhar com pesquisas colaborativas. A pesquisa colaborativa trabalhada numa perspectiva metodológica de história de vidas, para Ivor Goodson (2007a; 2007c), é um recurso que pode estimular e fomentar um “empoderamento” do entrevistado, tratado como parceiro e colaborador da pesquisa, pois o docente que relata sua vida a partir do momento em que se coloca em contato com uma genealogia social – usando termos utilizados por Goodson (2008) –, pode vir a adotar uma postura de professor pesquisador à medida que recebe também informações contextuais que remetem a uma construção da história da escolarização. Considerando uma espécie de “permuta” entre o pesquisador e o depoente, em busca de uma genuína parceria, ele considera que,

O acadêmico possui o tempo e os recursos necessários para a colaboração com os professores com vista ao desenvolvimento das “genealogias do contexto”, que podem, por sua vez, ser úteis aos professores, enquanto grupo profissional, para ajudar a formar deles “o quadro completo” que os que controlam as suas vidas possuem (ou, pelo menos, pretendem possuir). (GOODSON, 2015a, p. 55).

Em outra passagem, complementa:

A transição para o estudo de história de vida requer uma mudança na natureza da colaboração. O professor passa a ser menos um contador de estórias para começar a ser mais um investigador; o investigador externo é mais do que um ouvinte e um extrator de estórias, estando ativamente envolvido na construção textual e contextual. Em termos de partilha, pode ser alcançado um ponto de interesse comum. Este ponto de permuta, ao incidir nas vidas

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em contexto, fornece um novo foco para o desenvolvimento da compreensão partilhada da escolarização. O eixo de análise desloca-se para a vida e para o trabalho dos professores, num sentido holístico. Ao promover este diálogo de uma “estória da ação numa teoria de contexto”, apresenta um novo contexto no qual assenta a colaboração. Desse modo, o professor-investigador pode colaborar investigando não só as histórias de vida, como também os contextos das vidas. (GOODSON, 2015a, p. 57 e 58).

Tendo em vista possibilitar um ambiente favorável à troca, além da elaboração de um questionário, após a transcrição das primeiras entrevistas, foi entregue aos depoentes os textos transcritos para que os mesmos pudessem ter acesso às suas (auto) biografias profissionais. Todos os depoentes puderam, segundo orientações do comitê de Ética, alterar, retirar ou até acrescentar ideias ou até mesmo realizar correções, caso optassem. Esse procedimento teve por objetivo respeitar os depoentes no que tange aos conteúdos escritos a serem revelados. Após esse processo, houve a realização de segunda entrevista, objetivando estimular, ao se apresentar informações contextuais relacionadas aos temas abordados por eles, que os depoentes se colocassem a pensar sobre as trajetórias e questões relacionadas ao contexto do trabalho ou da história da educação. Objetivou-se, sobretudo, incentivá-los a um estudo conjunto de suas (auto) biografias.

Confecção dos questionários e entrevistas

As questões elaboradas tiveram como objetivo averiguar melhor as trajetórias docentes e foram confeccionadas a partir de leituras sobre a História da profissionalização dos docentes. Levou-se em consideração as leituras das obras de Goodson, em especial, trabalhos publicados em 2008 e 2015a, como também outros autores, como Isabel Lelis (2011) e Antonio Nóvoa (2007).

Goodson (2008) busca entender como as diversas gerações de profissionais dos serviços públicos tecem suas missões sobre carreira e vida. Os estudos sobre história de

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vida, segundo Goodson (2015a), apresentam três grandes tópicos centrais: a história de vida ocupacional, história de vida temática e história de vida total. A história de vida ocupacional – que foi a nossa opção metodológica – visa, em primeiro lugar, colher material detalhado do contexto, procurando entender a vida e o trabalho ocupacional e verificar como os docentes se tornaram os profissionais que são. E ainda como narram as suas histórias de vida ocupacional. Para Goodson (idem), um aspecto importante da pesquisa é compreender como se dá o equilíbrio entre a vida e o trabalho ocupacional.

A história de vida temática estabelece um foco particular para se explorar, sem deixar, contudo, de preocupar-se com o estudo da história de vida. Já a história de vida total tem por objetivo compreender toda a trajetória de vida do indivíduo, dentro de contexto histórico de tempo e lugar. Nesse caso se buscará entender a história da instituição onde se trabalha, as políticas públicas aplicadas e que interferiram nela, o contexto e a histórica social do local onde se trabalha etc. (Goodson, 2015a, p. 33 – 34).

Lelis (2011) se serve de Arroyo e diz que a “cultura do professorado se constitui por numerosos fios” (LELIS, 2011, p. 55). Ao se privilegiar apenas alguns deles, não se consegue entender a complexidade do trabalho docente. Para a autora, “a identidade social docente é forjada em processos de socialização familiar, escolar e profissional” (LELIS, 2011, p. 55).

Nóvoa coloca questões para serem indagadas pelas pesquisas:

Como é que cada um se tornou professor que é hoje? E por quê? De que forma a ação pedagógica é influenciada pelas características pessoais e pelo percurso de vida profissional de cada professor? (NÓVOA, 2007, p. 16).

Essas orientações nos ajudaram na confecção do roteiro com questões a serem formuladas aos entrevistados para, como já dito, conhecer as trajetórias de vida profissional dos docentes.

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O processo de entrevistas

A escolha dos entrevistados/ narradores se deu a partir da necessidade de entender como os docentes de algumas gerações pensavam a educação e sua profissionalidade e profissionalização. Escolhemos profissionais que se formaram entre os anos de 1990 a 2010. Durante todo esse tempo, o estado de São Paulo viveu um conjunto de reformas neoliberais, implantadas pelo governo do Estado que foi administrado por representantes, entre outros partidos, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)14 e que adotaram como paradigma educacional a educação de qualidade, tendo forte peso a gestão educativa e as estatísticas sobre aproveitamento e eficácia escolar. Boa parte dos docentes constituiu parte de suas trajetórias profissionais no contexto de aplicação das políticas públicas adotadas nesse contexto neoliberal. Por isso, optamos por acessar também as memórias dos docentes visando recorrer a outros contextos de experiências formadoras, o que poderia possibilitar reflexões não apenas sobre as práticas.

Selecionamos também docentes com mais experiência dentro da profissão e outros com menos experiência; isso se deve ao nosso objetivo de verificar como as gerações encaram as missões profissionais e a vida. Optamos também em escolher tanto docentes que lecionam para o ensino médio, período da manhã, quanto docentes que trabalham com alunos do ensino fundamental II, do sexto ao nono ano, período da tarde. Um dos motivos dessa escolha, conforme Souza e d‟Ávila (2010), se deve ao fato de existir também especificidades na composição identitária dos docentes segundo suas vinculações a subgrupos, como os destacados (ensino fundamental II e ensino médio).

Além disso, na ocasião da escolha havia na escola uma rivalidade entre os docentes de tais períodos, que foi também acirrada pela postura da gestão da época, a qual se posicionava defendendo os docentes de um dos períodos.

Seguimos uma orientação metodológica apontada por Goodson (2015a) que explica que a escolha dos depoentes não pode se basear apenas na escolha de pessoas cujas falas o entrevistador/ pesquisador se identifique. Segundo o autor, é interessante,

14 O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) também governou o estado de São Paulo e

esse fato se deu logo no início desse período, no começo dos anos noventa. Porém, boa parte dos depoentes situam-se no contexto de implantação de políticas públicas praticadas no período que corresponde ao governo do PSDB, por isso abordaremos, em especial, os governos do PSDB.

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num processo de definição dos docentes a serem entrevistados, que sejam escolhidas pessoas com diversas representações de mundo.

Também selecionamos professores de várias disciplinas e as entrevistas foram realizadas após os docentes terem assinado o Termo de Responsabilidade do Comitê de Ética em Pesquisa15. Todas elas foram realizadas em uma sala situada na E. E. Júlio Mesquita16.

Sobre o processo das entrevistas, procuramos interferir o mínimo possível, evitando interromper as respostas e falas. Apenas formulávamos as questões, objetivando conhecer um pouco da história profissional dos docentes e suas visões sobre a profissionalidade, de acordo com o roteiro elaborado. Os depoentes eram informados de que, caso não conseguissem realizar alguma questão, ou caso deixassem de dar alguma informação, teríamos uma segunda entrevista. Tal procedimento teve como objetivo deixá-los um pouco mais à vontade. Antes da realização das pesquisas, já possuía empatia e a confiança dos entrevistados, por ser um trabalhador da mesma localidade e por lutar pela profissão, por melhores condições de trabalho, por estrutura naquela unidade de trabalho, tal como muitos trabalhadores daquela localidade. Já tinha conhecimento de algumas histórias narradas pelos docentes, como também era atento às necessidades de escuta sobre as percepções dos docentes das realidades vivenciadas por todos nesse espaço.

Destacamos também, aos depoentes que, após a transcrição dos materiais, devolveríamos as entrevistas para que eles pudessem vetar trechos ou o conteúdo total caso desejassem, ou até incluir novas informações. Esse processo foi realizado no mês de setembro de 2016. Para Goodson (2015a), essa etapa da pesquisa é muito importante: em sua experiência o autor aprendeu que, normalmente, os docentes não realizam vetos completos das entrevistas, e que ora ou outra chegam a incluir trechos significativos para a pesquisa, omitidos nas entrevistas anteriores. A realização da segunda entrevista

15

As questões elaboradas, assim como o projeto de pesquisa e a entrega de todos os formulários e autorizações solicitadas, fizeram parte de um processo que foi encaminhado, juntamente com o projeto de pesquisa, ao Comitê de Ética: Comitê de Ética em Pesquisa - FCM/ Unicamp. Ele foi aprovado sob o nú.mero: 34580214000005404.

16 Solicitei à diretora da Escola Estadual Júlio Mesquita uma autorização formal para poder pesquisar os

documentos da escola, de acordo com as exigências feitas pelo Comitê de Ética de Pesquisa. Foi nesse mesmo momento que a comuniquei sobre minha intenção de realizar entrevistas com os docentes da instituição, aproveitando a oportunidade para solicitar uma sala apropriada para a realização desses encontros. Ela me indicou que fizesse as entrevistas na sala de leitura e me pediu para que as realizasse em horários que não atrapalhassem as aulas dos docentes.

(32)

propicia ao entrevistador um material importante para redefinir questões e aprofundar a pesquisa colaborativa, colhendo dados que complementam as histórias de vida.

E, nesse segundo momento, apenas um dos depoentes decidiu modificar uma parte de seu depoimento. Hortência, após suas reflexões, alterou as informações que ela forneceu sobre a relação entre gestão, escola e políticas públicas. A depoente realizou pesquisa com uma irmã, pesquisadora da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) que a fez perceber melhor o contexto de expansão da escolarização ocorrido após as décadas de 1950 no país. Essas informações foram incluídas no capítulo III. Os outros depoentes declararam que não gostariam que os depoimentos fossem alterados, pois a transcrição foi, segundo eles, fiel aos depoimentos, porém perceberam que a conjuntura política nacional alterou-se de modo a interferir nas políticas públicas aplicadas na área da educação. Violeta, em particular, fez questão de incluir em seu depoimento a importância das ocupações realizadas por alunos da rede pública estadual paulista no final do ano de 2015.

No segundo semestre de 2015, o secretário de Educação do Estado de São Paulo, anunciou que o governo pretendia realizar o fechamento de escolas devido a uma política denominada de Reorganização. Essa política, muito divulgada pela mídia na ocasião, objetivava separar as escolas em modalidades de ensino: as que atendessem o ensino fundamental II e as que de ensino médio. Muitos alunos alegaram que não houve debate sobre o tema com a sociedade e por isso ocuparam as escolas, exigindo que e a política fosse melhor discutida entre os vários setores da sociedade. É a esse contexto que Violeta refere-se.

Docentes selecionados

Levando em consideração as premissas apresentadas, buscamos obter informações sobre a realidade da escola pesquisada, objetivando aprofundar a análise das representações dos professores. Após elaborar o questionário e discuti-lo em orientação de pesquisa, as entrevistas semiestruturadas foram realizadas com os docentes escolhidos, optando por trabalhar com o gênero (auto) biografias e histórias de vida de professores..

(33)

Antes de apresentarmos os narradores e colaboradores da pesquisa, cabe destacar que ao longo do trabalho serão fornecidas outras informações sobre a biografia profissional dos docentes.

Conforme foi apontado anteriormente, escolheu-se docentes do ensino fundamental II e do ensino médio, formados entre a década de 1990 a 2010. Optou-se também selecionar profissionais que concluíram a graduação em épocas diferentes, tendo em vista verificar se os propósitos e missões desses profissionais variam de acordo com diferentes gerações. Escolhemos, com suas anuências, por manter seus nomes próprios preservados e atribuímos codinomes, cada qual equivalendo a uma flor, com as quais passaram a se identificar.

Nome Idade Formação Instituição

onde se formou Tempo (atuação na E. E. Júlio Mesquita) Tempo (atuação como docente) Período de trabalho

Violeta 57 Magistério e História Puc (Campinas)

5 anos 25 anos Vespertino/ matutino Flor 49 Ciências Sociais

(Compl. Geografia) Mestrado (meio ambiente)

Puc (Campinas) / Unicamp 3 anos 8 anos no ensino público e 15 no particular Vespertino/ Matutino Rosa 44 Letras/ Inglês USF 14 anos 21 nos Vespertino/

Noturno Hortência 44 Geografia Puc

(Campinas)

16 anos 21 anos Matutino Acácia 43 Magistério/ Biologia Puc

(Campinas)

14 anos 19 anos Matutino Margarida 41 Magistério/

Matemática

Puc (Campinas)

9 anos 21 anos Vespertino Lírio 36 História Unesp

(Franca)

6 anos 12 anos Vespertino Ísis 29 Letras Anhanguera

(Campinas)

4 anos 8 anos Matutino

Violeta, 57 anos, formou-se em História na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas), SP, em 1994. Realizou magistério antes de graduar-se em História. Escolheu o curso por gostar da área de humanas. É natural do estado de Pernambuco, de onde vieram seus pais. Na ocasião da entrevista, estava há vinte e cinco anos trabalhando como professora, e há cinco anos na E. E. Júlio Mesquita. Leciona para o ensino fundamental II, período vespertino e leciona poucas aulas para o ensino médio, período matutino.

(34)

Flor, 49 anos, graduou-se em Ciências Sociais na PUC-Campinas, SP, e após a conclusão de mestrado em meio ambiente na Universidade de Campinas (Unicamp/ SP), realizou complementação em Geografia, concluindo esse curso no ano de 2006. Objetivava lecionar na rede pública paulista. Escolheu a área de humanas por querer conhecer melhor a realidade do país durante a década de 1980. Estava, na ocasião da entrevista, na E. E. Júlio Mesquita desde 2012. Leciona para o ensino fundamental II, período vespertino e para o terceiro ano do ensino médio, período matutino.

Rosa, 44 anos, formou-se em Letras com habilitação em Inglês em 1995, na Universidade São Francisco (USF), Itatiba, SP. Sua primeira opção foi em Direito. Como não foi aprovada, optou por Letras. Diz que acabou realizando a escolha certa, pois desde menina brincava de lecionar. No momento da entrevista estava há quatorze anos na E. E. Júlio Mesquita. Leciona para o fundamental II, período vespertino e para o ensino médio, período noturno.

Hortência, 44 anos, formou-se em Geografia, na PUC-Campinas, SP, em 1994. Sempre teve muita facilidade na aprendizagem em História e Geografia, segundo seu depoimento. Foi muito motivada a estudar por toda a família e também muito monitorada por ela. Sua mãe é forte incentivadora da carreira. Suas irmãs se tornaram professoras. Nasceu no interior paulista. Na ocasião da entrevista estava na E. E. Júlio Mesquita há dezesseis anos e como docente, vinte e um anos. Leciona para o ensino médio e para os nonos anos do fundamental II, no período matutino.

Acácia, 43 anos, graduou-se em Biologia em 1995, na PUC-Campinas, SP. Antes, porém, realizou o curso de magistério. Foi neste curso que desenvolveu afinidades com a área de Biologia. Estava na E. E. Júlio Mesquita há quatorze anos e há dezenove anos na profissão. Nasceu no interior paulista. Leciona para o ensino médio, período matutino.

Margarida, 41 anos, formou-se em Matemática em 2000, na PUC-Campinas, SP. Tornou-se professora graças à influência de um professor. Boa parte de sua família exerceu a profissão de professor. Realizou magistério antes de graduar-se em Matemática. Na ocasião da entrevista, estava há nove anos na E. E. Júlio Mesquita e há

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