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“[...] as formas de lembrar e de esquecer, como as de narrar, são meios fundamentais da construção da identidade, pessoal, coletiva ou ficcional”.

Neste capítulo apresentaremos os depoimentos dos entrevistados, nossos colaboradores nessa pesquisa. Como já exposto na introdução desse trabalho, realizamos perguntas que tiveram como propósito incentivar os docentes a construírem narrativas sobre suas vidas pessoais, suas trajetórias de formação e de profissionalização. Evitamos interferir nesse processo narrativo, a fim de que não houvesse cortes ou interrupções que descaracterizassem as narrativas. Desse modo, após a transcrição dos depoimentos, optamos por utilizá-los com recortes, mas por vezes, há longos trechos de depoimentos, explicitando quão longo foi também o raciocínio construído sobre algum tema abordado.

Neste capítulo abordaremos as representações dos entrevistados sobre o início de suas trajetórias profissionais. As entrevistas possibilitam conhecer os contextos socioculturais nos quais os professores se inseriam no início de suas trajetórias, as escolhas, caminhos, contingências e as determinações impostas pelas relações sociais vivenciadas nos períodos históricos destacados e contribuem, ainda, para perceber processos identitários em movimento e a composição dos saberes, práticas, experiências e valores que orientaram e orientam as intervenções desses profissionais. Tais histórias foram apresentadas a partir das primeiras questões que fizemos, as quais tinham justamente o propósito de levá-los a narrar o início de suas histórias profissionais. As questões realizadas foram:

1 - Em que se formou? Quando se formou? Qual faculdade estudou? Por que escolheu a carreira?

2 – Conte um pouquinho de sua história, da história de sua família e como foi a escolha da carreira para eles?

3 – Como foi o início de sua carreira? 4 - O que te fez continuar?

As narrativas apresentadas pelos docentes derivam de memórias. Portanto, faz-se necessário explanar o conceito de memória subjacente a este trabalho. Jeanne Marie Gagnebin, no vídeo Memória21, destacou que nos estudos sobre a memória, há vários conceitos formulados e a autora destaca três deles: a faculdade da memória vinculada ao aspecto psicológico; a capacidade de lembrar, definida por memória ativa, que é da ordem do intelecto; e imagens que voltam à memória – as reminiscências, que são as

21

Série Ética, parte I. Produção de Univesp. Intérprete: Jeanne Marie Gagnebin. Roteiro: Klaus Schlunzen Junior. Brasil: Unesp, 2010. Documento digital (30 min.), vídeo, son., color. Série Ética. Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/handle/123456789/181>. Acesso em: 23 set. 2015.

imagens mnêmicas. A memória ativa tem relação com a escolha consciente do lembrar, já a memória passiva – reminiscências – são aquelas imagens, lembranças que voltam sem que as pessoas queiram se lembrar delas, ou porque foram ruins, ou porque foram muito boas.

Para a autora, há um paradoxo existente entre os conceitos de memória ativa e de memória passiva. Segundo Gagnebin (2014) não dá para reduzi-los a um aspecto apenas, ou a uma única dimensão, como já o fez a filosofia tradicional. Conforme a autora, não é possível controlar as imagens mnêmicas, porque elas são apenas impressões; não há fato, mas sim várias interpretações dos fatos. Todavia, isso não quer dizer que tudo é relativo, como acreditam os pós-modernistas, e sim que a relação que estabelecemos é com o presente. Em outras palavras, a autora destaca que a memória é uma representação do passado, mas é tecida a partir das vivências do presente, ou seja, em relação com o que acontece no presente de quem se lembra. Dizemos que a memória é a atualização do passado no presente.

Sem a memória, não é possível a constituição da identidade. Sendo assim, a identidade é sempre uma questão do narrar a si mesmo. Gagnebin (2014) aponta que as pessoas constroem e transformam suas identidades a partir de diversas narrativas que realizam de si ao longo de suas vidas e da participação na vida mais ampla, na vida social. A memória, a história e a identidade, segundo a autora, estão intimamente ligadas e estão relacionadas ao tempo, isto é, são atravessadas pela temporalidade. Dessa forma, a identidade não é estanque, ela vai se alterando ao longo do tempo e das narrativas produzidas.

Outro aspecto importante sobre a natureza da memória diz respeito ao processo dialético do lembrar e do esquecer. A mesma autora argumenta que é necessário saber esquecer, pois se as pessoas lembrarem-se de tudo o que aconteceu em suas vidas, elas se sobrecarregaram com muitas informações, não conseguindo assimilar e analisar o presente e tampouco são capazes de superar o passado (GAGNEBIN, 2006).

Recorrendo ao conceito de rememoração em Walter Benjamin, para explicar a dialética do lembrar e do esquecer, Gagnebin (2006) retoma a premissa que o “narrador” autêntico já não pode existir, é caracterizado como narrador épico, enraizado numa longa tradição de memória oral e popular, o que lhe permite escrever e contar aventuras representativas de experiências (Erfahrungen) das quais todos os ouvintes/ leitores podem compartilhar numa linguagem comum (GAGNEBIN, 2014, p. 220).

Assentada ainda em Benjamin, Gagnebin (2014) aponta que o processo de modernização da vida com a industrialização e a perda das narrativas épicas, como era comum no passado pré-capitalista, acarretou o aumento das práticas individualistas e fuga para o mundo privado. Outra mudança verificada foi o que ocorreu com o narrar, o escutar, e o lembrar: a transformação do tempo vai gerar uma modificação da memória. As pessoas passaram a relegar o escutar, paciencioso, prática muito comum entre os anciãos.

O lembrar infinito e coletivo do tempo pré-capitalista cede lugar à narração da vida de um indivíduo isolado, que luta pela sobrevivência e pelo sucesso numa sociedade marcada pela concorrência. (GANEBIN, 2014, p.221).

Ainda dialogando com a obra de Benjamin, a autora diz que as memórias são acionadas pelo presente de quem lembra e que o exercício de rememoração possibilitava novos conhecimentos sobre o passado e a recuperação de projetos, sonhos, histórias esquecidas e silenciadas por um processo de construção de memórias oficiais.

Nesse sentido, na pesquisa histórica não há a preocupação em explicar exatamente o que aconteceu, assim como foi praticado pelo historicismo que acreditava que as narrativas do passado eram neutras e a lógica temporal aplicada era linear. Contudo, nesse tipo de pesquisa há a constituição de diálogos entre diferentes temporalidades (presente-passado, passado-presente) e a aprendizagem com o passado, visando iluminar o presente com novas possibilidades. O compromisso estabelecido é com a transformação do presente.

A história como disciplina que narra – portanto, lembra e interpreta – o passado, deve [...] articular o passado, isto é, desistir de descrever pretensos fatos e estabelecer uma

articulação nova e inovadora com o presente [...].

(GAGNEBIN, 2014, p. 238).

São esses os pressupostos que nortearão nosso entendimento das memórias, isto é, não como descrições do passado, tão simplesmente, mas como interpretações do passado a partir do presente. A seguir traremos as falas dos depoentes, as quais colaboram para a compreensão de suas trajetórias profissionais e a constituição das identidades. O processo de constituição da identidade profissional, como veremos, não

se dá apenas durante a formação acadêmica, ele ocorre em variados momentos de suas vidas – os quais são considerados pelos depoentes como marcantes em suas identidades –, antes e depois da formação acadêmica.

2.1 A escolha da carreira e a trajetória de formação

Os depoimentos dos docentes evidenciam que a escolha da carreira teve relação com os vínculos que foram estabelecidos com suas famílias e grupos do convívio social. Verificou-se que muitos tinham, no seio familiar, pessoas que desempenharam a profissão e foram essenciais na composição de uma memória sobre a profissão, a qual recorreram na construção das possibilidades profissionais.

Hortência foi muito influenciada pela sua mãe que, de maneira não muito democrática, a conduziu na escolha profissional, assim como também escolheu a carreira das duas outras filhas, todas professoras. Diz que sua mãe acertou, pois ela, Hortência, era muito inexperiente.

Mas eu acho que ela foi feliz [...], por quê? Por que eu sou satisfeita com que eu escolhi fazer. Se eu tivesse tido a opção, ter ficado livre para escolher outra coisa talvez eu até tivesse feliz hoje, mas eu fui feliz no que eu escolhi. Mas um adolescente de 18 anos não tem a menor capacidade em escolher. [...] Minha mãe meio que não deu opção, ela era muito autoritária. [...] Ela meio que fez uma lavagem cerebral na cabeça da gente para a gente ser professora, porque ela acreditava na profissão, e a minha mãe era uma pessoa que entrava mesmo na mente da gente, né? Uma educação assim muito forte.

Hortência foi inserida no imaginário profissional por intermédio de sua mãe, adquirindo, desse modo, memórias afetivas que influenciaram em sua percepção sobre o mundo e sobre a profissão. Ela, em várias partes de sua entrevista, recorre às

lembranças de sua mãe, grande referência como professora. “Minha mãe diz que quando você começa a sentir saudade da escola, você sente falta até do lápis e da borracha”.

A mãe orientava as filhas na escolha da profissão de acordo com a sua própria experiência profissional. A educação que transmitia à família era forte; até “autoritária”, mas segundo Hortência, sua mãe sabia bem o que fazia.

É válido destacar que ela estabelece com suas irmãs muitos diálogos sobre a profissão, os quais contribuem também para compor sua identidade profissional. Essas conversas agregam à sua visão as possibilidades e limites de sua escolha. Hortência informou, em conversa informal, que sua irmã do meio, por exemplo, optou dedicar-se para a carreira do ensino superior e Hortência tem a dimensão do que significou para ela essa escolha em termos de estruturação de vida social, isto é, sua irmã teve que abdicar de parte da vida social para se dedicar na preparação para o ingresso no ensino público superior e, para tanto, construiu uma vida muito regrada e disciplinada para dar conta de todos os seus afazeres. Já a irmã mais nova, segundo relata a entrevistada, abandonou a carreira docente por ter de acompanhar o marido, um agrônomo, nas viagens profissionais.

Então [...] várias coisas, primeiro, porque eu gosto disso aqui. Neste final de semana eu fui para Tabatinga e meu pai disse assim [referindo-se à irmã caçula] – a minha irmã desistiu... porque ela fez Geografia aqui na Unesp e tudo, mas o marido dela é agrônomo e ele anda muito, e eu percebo que ela desistiu, né?

A comparação da sua trajetória com a de suas irmãs permite que Hortência compreenda melhor as necessidades que a conduziram para sua escolha profissional. Tais necessidades possuem um viés econômico, social e também de gênero. Para Hortência, não seria possível desempenhar o ritmo de vida da irmã do meio, pois lhe exigiria uma dedicação que ela não teria condições, nem tempo disponível, porque cedo assumiu as obrigações familiares e as conciliou com as profissionais.

Seu marido, segundo relata, entendeu que ela, embora não precisasse trabalhar para complementar a renda familiar, não teria plena satisfação pessoal se abdicasse de sua realização profissional e esse apoio foi fundamental para Hortência seguir na profissão, mesmo com certas limitações.

Ísis, assim como Hortência, também foi influenciada pela mãe, tanto na escolha profissional quanto na aquisição de conhecimentos sobre a profissão. Descreve todo o

incentivo que sua mãe lhe dispensou na construção da carreira. Sua mãe, formada em Sociologia na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), é considerada por Ísis como modelo de docente: competente e esforçada. Ela, em muitos momentos da entrevista, remete à influência da mãe, demonstrando o quanto suas referências identitárias estão impregnadas pelo contato com o ofício exercido cotidianamente pela sua mãe.

Eu via minha mãe em casa, ela sempre ali, preparando aulas, preparando ideias, trabalhos para os alunos dela, então acho que eu me inspiro nisso, eu não venho para sala de aula sem estar preparada, sabe?

O contato com o fazer ordinário da profissão é apontado pela depoente, mas em seus relatos, informa como ocorreu seu processo de escolha profissional em meio a uma escolarização incipiente. Foi aluna de escola pública e descreve o quanto as condições dessa escola geravam dificuldades para uma aprendizagem satisfatória, pois muitos professores faltavam e ela teve que estudar por conta própria. Narra ainda que não teve condições de realizar um cursinho, mas alguns programas do governo federal lhe ajudaram a ingressar em universidade particular. O fato foi muito comemorado pela família, principalmente pela sua mãe.

Bom, a minha mãe é professora, então sempre na minha casa teve incentivo ao estudo. Ela sempre cobrou bastante, ela tomava as lições de mim. Então ela me incentivou desde a infância a ler, escrever. [...] Já o meu pai, ele terminou somente o ensino médio, ele não cobrava do mesmo modo que a minha mãe, no entanto eu tinha que ser boa aluna do mesmo jeito. Ele não tinha a formação acadêmica da minha mãe. Mas ele tinha formação de vida, né? Ele cobrava os estudos do mesmo modo. Para os meus, pais o fato de eu ter conseguido uma bolsa do ProUni foi uma grande vitória. Um: porque a gente não tinha condições de pagar uma faculdade. Dois: eu sempre estudei em escola pública e tem uma certa defasagem, né? Eu não tinha professor de Física, não tinha aula de Inglês, professor de História faltava bastante. Então têm aquelas deficiências. Mesmo eu estudando por conta, porque eu sempre fui bastante

focada nos meus estudos, não tive condições de fazer um cursinho, de tentar uma faculdade pública. Tentei, mas eu não consegui. Então, o último ano... porque eu peguei firme nos estudos mesmo, porque eu queria uma faculdade, acho que era o segundo ano da bolsa do ProUni, para os meus pais foi uma grande vitória, porque não daria para pagar, se tivesse que pagar não dava, minha mãe era professora, meu pai nos abandonou quando ela ficou doente e ele não pagou pensão, ele não ajudou com nada. Então era assim: eu e ela. A minha mãe nunca quis que eu deixasse o estudo de lado para trabalhar. Sempre assim, o estudo, em primeiro lugar. Mesmo ela não tendo condições de pagar os cursos que eu queria fazer, ou o cursinho que eu queria, ela sempre incentivava. E para ela foi assim uma grande emoção. Por que quando eu recebi a notícia, que a faculdade ligou e falou assim: Ísis, vem aqui, você foi selecionada pelo ProUni, a minha mãe chorava de emoção. E para o meu pai aquela coisa: “Ah, que bom, a minha filha vai fazer uma faculdade, né? Mas que bom que é gratuito, porque eu não preciso ajudar”. E ele não ajudou mesmo. Acho que a vitória maior foi para a minha mãe. Por que tem essa visão: ela se formou na Unesp, batalhou muito para fazer a faculdade dela, sofreu muito na vida, então ver a filha se formando, mesmo que não seguisse a carreira de professora, para ela seria uma grande vitória.

Ísis, em sua narrativa, também apresenta algumas informações sobre suas experiências como aluna da escola pública. Ela informa um aspecto do processo de precariedade da escola pública nos dias de hoje. Narra que quando aluna do ensino médio, em uma escola situada próxima à E. E. Júlio Mesquita, muitos de seus professores não conseguiam comparecer as aulas. Segundo Dias-da-Silva e Fernandes (2006), essa situação tem relação com as péssimas condições de trabalho dos docentes, com os baixos salários, e estão relacionadas com a ausência de investimentos públicos no setor – no próximo capítulo, no subitem: Planejar, ensinar e conviver - a diversidade

baixos salários atrapalham o cotidiano dos docentes e o pleno exercício de sua profissionalidade; tal questão será tratada objetivando entender as dificuldades da organização de atividades coletivas.

Margarida, em diversos trechos de suas entrevistas, atribuiu à família referências sobre a profissão, que de alguma maneira, foram incorporadas por ela. A depoente fornece informações que ajudam a compreender o quanto as expectativas profissionais da família contribuíram para compor seu repertório, tanto da escolha profissional, quanto dos projetos de sua carreira.

Na família de Margarida, com exceção de dois irmãos intermediários que se tornaram advogados, seus pais e a irmã mais velha, além de tornarem-se docentes, foram também diretores de escola. Ela disse que só não se tornou diretora porque é muito difícil hoje em dia lidar com os docentes. Sua graduação foi realizada em universidade particular. Licenciou-se em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas), no ano de 2000. Margarida narra que seu pai lhe ajudou no pagamento das mensalidades da faculdade e ficou orgulhoso por ter ajudado a formar todos os filhos no ensino superior.

Informou ainda que não pôde terminar o curso de Pedagogia que lhe permitiria exercer a função de diretora, por conta de sua gravidez. Margarida disse também que lecionava em escolas particulares, mas, por ter tido várias licenças médicas devido a problemas com a saúde de suas filhas, optou lecionar somente na rede pública de ensino: as escolas particulares, segundo ela, não toleram muitas licenças por motivo de saúde, então logo desistiu de trabalhar em tais escolas, antes que lhe mandassem embora.

Eu sou a caçula. Então meu pai era professor de Português, foi diretor de escola. Minha mãe de Artes e diretora de escola. Minha irmã mais velha fez Letras, mas deu pouco tempo de aula e já entrou para a direção da prefeitura e está lá já há mais de vinte anos como diretora. E eu, única coisa que meu pai elogiou por ter escolhido Matemática, porque tem bastante aula, é mais difícil e tem pouco profissional, porque dependendo do curso, você não tem uma área mais assim. Mas eu nunca procurei empresas privadas, alguma coisa assim, eu sempre quis a área da educação, tinha ideia de fazer Pedagogia para direção, vice- direção, porque essa era a minha vontade alguns anos atrás. Há

uns dez anos atrás essa era a minha vontade. Comecei a fazer Pedagogia, só que aí eu engravidei e acabei largando e hoje eu não tenho mais vontade de ir para a direção, porque a situação está crítica. Então eu me sinto melhor na sala de aula com os alunos do que na direção, tratando os pais e os professores. Então eu tive todo o apoio da família. Meus pais ajudaram a pagar a faculdade. Eu dava um pouco de aula e meu salário não dava para pagar a faculdade. Então eles sempre ajudaram a pagar a faculdade também. E quando eu me formei, foi a realização de meu pai, ele falou: “Eu tive quatro filhos e os quatro com ensino superior”. Cada um fez o curso que quis, ele falou: “Posso morrer sossegado agora, porque o meu sonho já se realizou, né? Os quatro, cada um tem a sua profissão”. A única coisa que o meu sonho mudou um pouco foi ir para a direção. Desse sonho eu desisto. Pode ser que mais para frente me dê vontade, mas no momento não me agrada essa ideia. Minha vontade seria voltar a dar aula no particular. Porque eu larguei por causa das crianças.

Ela foi também moldando sua escolha de acordo com as contingências decorrentes das relações sociais mais amplas nas quais se inseria. E a condição de gênero aparece como elemento determinante na realização das escolhas possíveis. Uma informação, contudo, merece destaque: nem todos os espaços lhe possibilitaram acessar direitos para exercer sua profissão. As escolas particulares, segundo a docente, não lhe aceitariam por causa das licenças médicas.

O depoente Lírio ilustra que o espaço familiar lhe permitiu a aquisição de valores éticos fundamentais para a escolha da carreira e para a composição de modelos de atuação profissional. Lírio, num primeiro momento, diz que seus pais não o incentivaram. O pai, dentista, temia pela escolha do filho, devido aos salários baixos. Sua mãe também era temerosa. Mas, com o tempo, acabaram aceitando sua escolha:

[...] E aí eu fui me interessando [Referindo-se ao seu interesse pelo curso de graduação em História] e no ensino médio no terceiro ano bateu, né? E começa aquela pressão também: o que você vai escolher para o vestibular? Não sei o que... E aí eu fui,

minha mãe apoiando, e meu pai meio relutante, sabe? Medo, né? Um filho fazer História, eu não sei o que se passava exatamente