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Regiões culturais: unidade e diversidade

2 Ángel Rama e a transculturação narrativa

2.1 O projeto intelectual da América Latina

2.1.2 América Latina na segunda metade do século

2.1.2.1 Regiões culturais: unidade e diversidade

Ángel Rama define a unidade da América Latina como um projeto intelectual empenhado por figuras públicas, investigadores e artistas que ganha validade por estar fundamentado em evidências concretas e pela sua repercussão global. O uruguaio reconhece e se enquadra na tradição de pensadores que se dedicaram a invenção da “utopia de América”, como definiu Pedro Henríquez Ureña, e aponta fatores que fizeram com que a América Latina tenha deixado de ser uma ficção para adquirir presença real na consciência mundial. Alguns são de ordem interna e garantem a possibilidade de uma visão unificada, são eles: uma história comum no subcontinente, que remonta à conquista e à colonização ibérica e suas consequências; uma considerável unidade linguística, com a difusão do português e do espanhol como

línguas oficiais; e modelos de comportamento e processos culturais semelhantes. Outros fatores dizem respeito ao contexto histórico mundial de então: as pulsões econômicas, que provocam a aproximação dos países que compõem a região pela sua condição subdesenvolvida e problemas comuns; as políticas universais, as estratégias de globalização, seu impulso homogeneizador e a criação e reconhecimento de blocos continentais em todo o globo.

No entanto, além de identificar todas estas características como forças unificadoras da América Latina, Rama aponta a necessidade de reconhecimento da diversidade interna para se compreender a riqueza da região como fonte cultural. Neste sentido afirma (1982, p. 67):

Por debajo de esa unidad, real en cuanto proyecto, real en cuanto a bases de sustentación, se despliega una interior diversidad que es definición más precisa del continente. Unidad y diversidad ha sido una fórmula preferida por los analistas de muchas disciplinas.

Para analistas de muitas disciplinas, inclusive o próprio Àngel Rama, unidade e diversidade definem o subcontinente. A diversidade se dá em dois níveis distintos: o primeiro diz respeito à multiplicidade de países que compõe a região, principalmente na área de colonização hispânica, que se pulverizou um diversas nações independentes; a segunda aponta para a existência de regiões culturais que se sobrepõem às próprias fronteiras nacionais. Para o uruguaio, a observação do continente em regiões culturais “tiene una tendência multiplicadora que en casos límites produce una desintegración da la unidad nacional” (p. 68). O exemplo utilizado é o próprio Brasil, que, por um lado, abarca uma quantidade de culturas distintas em sua grande extensão territorial, comparável à multiplicidade de nações formada na América hispânica; por outro, compartilha regiões culturais que extrapolam as divisas do país. Cita como exemplo a cultura do estado brasileiro do Rio Grande do Sul que, apesar de unificada ao país e sujeita às normas unificadoras internas, como a língua, a educação e o sistema econômico, tem mais vínculos culturais com a as regiões pampeanas da Argentina e Uruguai do que com outras áreas do próprio país, como o Mato Grosso ou o nordeste. Por isso aponta a existência de um segundo mapa latino-americano, baseado em suas regiões culturais e não em fronteiras políticas (p. 68):

Estas regiones pueden encabalgar asimismo diversos países contíguos o recortar dentro de ellos áreas con rasgos comunes estableciendo así un mapa cuyas fronteras no se ajustan a las de los países independientes. Este segundo mapa latinoamericano es más verdadero que el oficial, cuyas fronteras fueron, en el mejor de los casos, determinadas por las viejas divisiones administrativas de la Colonia y, en una cantidad no menor, por los azares de la vida política, nacional o internacional.

A própria diversidade interna do continente, em sua segunda leitura, que analisa as regiões culturais em detrimento das fronteiras políticas, acaba sendo mais um fator para validar a existência de unidade interna no subcontinente. Rama aponta também a possibilidade de se analisar dentro de um mesmo nível regional mini- regiões ou integrar este nível regional a uma macro-região, como maneira de transitar entre a unidade e a diversidade, limites a serem definidos de acordo com os interesses de cada pesquisa. O primeiro tipo de reflexão, da unidade à diversidade, foi a mais constante no Brasil, onde subculturas internas buscaram definir sua especificidade frente à representação oficial advinda das capitais; o segundo, da diversidade à unidade, mais frequente na chamada América hispânica, onde, como vimos desde Simón Bolívar até Mariano Picón Salas, houve uma indagação constante em busca de uma identificação que superasse os limites da nacionalidade.

Como referencia para a definição de regiões culturais na América Latina Ángel Rama cita as divisões antropológicas propostas por Charles Wagley, que aponta três grandes áreas no continente, Afroamérica, Indoamérica e Iberoamérica, e por Darcy Ribeiro em As Américas e a civilização. Ribeiro reconhece na região latino-americana os Povos-testemunha, identificados naqueles onde existem resquícios das grandes civilizações anteriores à Conquista, como astecas e maias no México e Guatemala; Povos-novos, os mais recorrentes no território latino-americano, referem-se às culturas onde há o encontro entre matizes indígenas, africanas e europeias, caso do Brasil; e Povos-transplantados, aqueles que mantiveram aspectos étnicos e culturais mais próximos dos europeus, identificado pelo autor nas civilizações rio-platenses. Ram revela sua preferencia pelo panorama apresentado pelo antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro por notar neste uma busca nos processos de “mestización transculturadora” (p. 70), ou seja, nos processos de encontro e desenvolvimento cultural, as referências para sua nomenclatura.