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O regime especial de direção fi scal

2 Os regimes especiais de mercado

2.2 O regime especial de direção fi scal

Até a edição da Lei nº 9.656, de 1998, a direção fi scal era regulada exclusivamente nos setores de seguros, de capitalização e de previdência privada, tendo sido instituída com a edição do Decreto-Lei nº 2.063, de 7 de março de 1940, diploma legal que regulamentou, sob novos moldes, as operações de seguros privados e sua fi scalização.

Segundo a disciplina desse decreto-lei, quando as sociedades não mantivessem integralmente cobertas suas reservas técnicas ou ameaçassem os interesses e direitos dos segurados, o órgão fi scalizador, além de poder adotar quaisquer medidas de fi scalização cabíveis, poderia exigir-lhes levantamento de balanços extraordinários e balancetes, diminuição de despesas, até mesmo suspensão ou redução de pagamento de lucros aos associados, realização ou aumento de capital social, inalienabilidade de quaisquer bens e recolhimento obrigatório de partes dos prêmios arrecadados, em conta especial de bancos, no país, sob a condição de seu movimento depender de autorização; proibir-lhes o funcionamento de fi liais, sucursais e agências; suspender a celebração de novos contratos de seguros; e recusar-lhes a aprovação de novos planos de operações.

Para bom cumprimento dessas medidas – menos drásticas que as empregadas pela atual direção fi scal e adotadas antes desse regime especial –, o órgão fi scalizador designava um ou mais funcionários para acompanhar permanentemente as operações da sociedade, segundo instruções especiais.

Não surtindo efeito as medidas de fi scalização monitorada, o ministro de Estado competente, por proposta do órgão fi scalizador, nomeava, por tempo indeterminado, um diretor fi scal com as mesmas atribuições e vantagens conferidas aos demais diretores, correndo as de caráter pecuniário por conta dos cofres sociais.

Como se pode observar, as referidas providências eram utilizadas mediante indícios de iliquidez e insolvência da sociedade, sem interferência na gestão de seus negócios. No entanto, na hipótese de não surtirem efeitos, a decretação da direção fi scal se impunha. As providências eram adotadas preliminarmente à decretação da direção fi scal, tal como se adota hoje – o chamado “plano de recuperação fi nanceira” –, e a decretação da direção fi scal, por sua vez, era feita antes da decretação da liquidação extrajudicial.

É que, de acordo com um dos princípios que regem o Sistema Nacional de Seguros Privados, a adoção dessas providências cautelares tem o escopo de preservar a liquidez e a solvência das sociedades que exploram essa atividade em prol do interesse dos segurados e dos benefi ciários dos contratos de seguros, optando o órgão fi scalizador pelo regime mais drástico somente quando se verifi ca a impossibilidade de reerguimento econômico-fi nanceiro da sociedade.

Com a edição do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que revogou tacitamente o Decreto-Lei nº 2.063, de 1940, essas características foram mantidas, com pequenas modifi cações, sendo de se ressaltar apenas que as medidas de fi scalização passaram a ser adotadas a par do regime especial, mesmo após terem sido incorporadas as regras da Lei nº 6.024, de 1974, em razão das alterações dispostas na Lei nº 10.190, de 14 de fevereiro de 2001.

Posteriormente, com publicação da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, a direção fi scal, juntamente com a intervenção, passou a ser adotada na fi scalização das sociedades de previdência privada, nos mesmos moldes da direção fi scal disciplinada para o mercado de seguros e de capitalização, conforme os termos de seus art. 51 a 54. Essa lei, como cediço, foi revogada expressamente pela Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, que manteve o instituto em seu art. 43.

O regime especial de direção fi scal, portanto, pode ser defi nido como medida administrativa cautelar adotada com o escopo de preservar a liquidez e a solvência das empresas autorizadas a funcionar pelo poder público.

No setor de saúde suplementar, o instituto foi disciplinado pelos art. 24, 24-A e 24-B da Lei nº 9.656, de 1998, e descrito nos seguintes termos:

Art. 24. Sempre que detectadas nas operadoras sujeitas à disciplina desta Lei insufi ciência das garantias do equilíbrio fi nanceiro, anormalidades econômico-fi nanceiras ou administrativas graves que coloquem em risco a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde, a ANS poderá determinar a alienação da carteira, o regime de direção fi scal ou técnica, por prazo não superior a trezentos e sessenta e cinco dias, ou a liquidação extrajudicial, conforme a gravidade do caso.

Conforme se pode observar, a direção fi scal disciplinada na Lei nº 9.656, de 1998, tem coloração própria, ou seja, possui algumas peculiaridades que a

distinguem da direção fi scal disciplinada no Decreto-Lei nº 73, de 1966, e na Lei Complementar nº 109, de 2001.

Da forma como previsto na lei dos planos de saúde, a direção fi scal tem como escopo possibilitar à ANS realização de acompanhamento econômico-fi nanceiro e administrativo específi co, localizado e mais próximo dos órgãos de decisão da empresa, com o intuito de orientá-los, mediante instruções diretivas expedidas pelo diretor fi scal.

A decretação da direção fi scal no setor de saúde suplementar requer preenchimento dos mesmos requisitos exigidos para alienação de carteira, direção técnica e liquidação extrajudicial, fato que já não ocorre na intervenção e na direção fi scal regulada nos demais mercados antes referidos.

Em razão dessa característica, detém a ANS:

[...] certa liberdade para decidir-se em face das circunstâncias concretas do caso, impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a utilização de critérios próprios para avaliar ou decidir quanto ao que lhe pareça ser o melhor meio de satisfazer o interesse público que a norma legal visa a realizar (MELLO, 2000, p. 368).

Isso signifi ca que a ANS exerce juízo valorativo para identifi car as anormalidades econômico-fi nanceiras ou administrativas graves que coloquem em risco a qualidade ou a continuidade do atendimento à saúde, bem como para avaliar a decisão concreta de que medida é adequada para ser adotada. Isso decorre da técnica legislativa utilizada no art. 24, da Lei nº 9.656, de1998, que atribui à ANS a competência para identifi car a “insufi ciência das garantias do equilíbrio fi nanceiro, anormalidades econômico-fi nanceiras ou administrativas graves que coloquem em risco a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde”.

No exercício de seu poder normativo, a ANS editou a Resolução Normativa nº 316, de 30 de novembro de 2012, segundo a qual o regime especial de direção fi scal poderá ser instaurado quando houver identifi cação de uma ou mais anormalidades econômico-fi nanceiras ou administrativas graves, que coloquem em risco a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde.

O referido ato normativo especifi ca as seguintes situações, sem prejuízo de outras que possam ser identifi cadas pela ANS: totalidade do ativo em valor inferior ao passivo exigível; desequilíbrios estruturais na relação entre ativos e passivos

de curto prazo que comprometam a liquidez; inadequação às regras de garantias fi nanceiras e ativos garantidores; inadimplência contumaz com o pagamento aos prestadores; não apresentação, rejeição, cancelamento ou descumprimento de planos de adequação econômico-fi nanceira; obstrução ao acompanhamento da situação econômico-fi nanceira; não adoção ou inobservância das regras do Plano de Contas Padrão da ANS; defi ciência de controles internos, inconsistências, erros ou omissões nas informações contábeis que prejudiquem a avaliação da situação econômico-fi nanceira; inobservância das normas referentes à autorização de funcionamento; ou alteração ou transferência do controle societário, incorporação, fusão, cisão ou desmembramento em descumprimento às normas da ANS, se não promovida a regularização do ato.

A direção fi scal tem a fi nalidade de eliminar as difi culdades fi nanceiras ou administrativas, como forma de promover o soerguimento da operadora no mercado, ou seja, pressupõe existência de situação fática que possibilite seu reequilíbrio, pois, quando se tratar de anormalidade econômico-fi nanceira na qual se mostre inviável a sua recuperação, a medida adequada será a liquidação extrajudicial.

Segundo o disposto no art. 24-A da Lei nº 9.656, de 1998, o ato administrativo de decretação da direção fi scal produz a indisponibilidade dos bens de todos os administradores que tenham estado no exercício de suas funções nos últimos doze meses anteriores a esse ato. Com essa característica, o instituto assemelhou-se à intervenção, cujo ato de decretação também produz esse efeito, conforme previsto no art. 36 da Lei nº 6.024, de 1974. Mas, ressalte-se, isso ocorre apenas nesse particular, pois, em relação às demais características, os dois institutos são inconfundíveis.

De fato, enquanto na direção fi scal acompanha-se a situação fi nanceira da sociedade, coordenando, orientando, supervisionando seus serviços, baixando instruções a seus administradores, no intuito de solucionar as anomalias econômico-fi nanceiras ou administrativas graves que coloquem em risco a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde, na intervenção passa-se a gerir os negócios da sociedade, afastando sua administração anterior.

O diretor fi scal não atua, de ordinário, como representante da operadora, uma vez que esse agente não assume ordinários poderes de gestão. Ao contrário do que ocorre no regime de intervenção, na direção fi scal não há substituição dos administradores, que continuam a atuar sob orientação normativa e imperativa do diretor fi scal ou do diretor técnico.

Trata-se de típica atividade regulatória, materializada em atos regulatórios executivos, determinados pela ANS por intermédio do diretor fi scal, na qualidade de agente auxiliar dessa atividade na condução do regime.

A direção fi scal, portanto, é um instrumento de regulação econômica, que tem por fi m a manutenção da higidez econômico-fi nanceira dos entes que operam no mercado de saúde suplementar. Afastadas as causas instauradoras do regime com o afastamento da anormalidade, o regime é encerrado.

2.3 Administração extraordinária das instituições

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