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CAPÍTULO 2 O ESPAÇO EUROPEU DE JUSTIÇA

2.2. A compatibilidade entre os sistemas jurídicos nacionais

2.2.2. Regulamento (CE) nº 1206/2001, sobre obtenção de provas em matéria civil e comercial

Além da execução de sentenças estrangeiras, um sistema efetivo de cooperação jurisdicional deve se preocupar com a produção de provas e com a comunicação de atos judiciais alhures276.

No âmbito da UE, onde é grande a litigiosidade com elementos de conexão internacional, para que alguns processos judiciais sejam eficazes, é muitas vezes necessária a obtenção de provas em outro Estado-Membro. É necessário que os pedidos de obtenção de provas sejam transmitidos e executados diretamente e pelas vias mais

275 DELMAS-MARTY, Mireille. Les forces imaginantes du droit (III). Lê pluralisme ordonné. Paris:

Seuil, 2006, p. 41.

276 Alem dessas regras elaboradas por esses regulamentos em analise, foi criado em 2001, através da

Decisão n. 407 do Conselho Europeu, a Rede Judiciária Européia em metéria civil e comercial, cujo escopo é simplificar a vida dos cidadãos confrontados em litígios transfronteiriços, colocando a sua disposição informações de caráter prático.

rápidas entre os tribunais dos próprios Estados-Membros. Assim, a UE se preocupou em simplificar e acelerar a cooperação entre tribunais no domínio da obtenção de provas, assinando o Regulamento (CE) nº. 1206/2001.

Conforme o Regulamento em comento, o tribunal requerido dará execução ao pedido de produção de provas de acordo com as normas processuais do seu direito nacional. Essa margem nacional de regulamentação da processualística civil, segundo Delmas-Marty277, é imprescindível para manter a harmonia do sistema de cooperação jurisdicional.

No entanto, para facilitar a obtenção de provas, agilizando o procedimento, é conferida aos tribunais dos nacionais a possibilidade da obtenção de provas diretamente em outro Estado, nas condições determinadas pela autoridade competente do Estado- Membro requerido. Conforme o artigo segundo do Regulamento os pedidos de cooperação jurisdicional para produção de provas é transmitido diretamente entre os tribunais onde o processo tenha sido iniciado e o tribunal competente do outro Estado- Membro. Fica dispensada assim qualquer intermediação de autoridade central, o que implicaria sobremaneira em morosidade para a prestação jurisdicional.

Conforme disposição do artigo cinco do Regulamento, o pedido deve ser redigido em uma língua oficial do Estado-Membro requerido. Isso é plenamente admissível em um contexto que engloba inúmeros países com distintos idiomas.

O pedido de cooperação jurisdicional para a produção de provas deve ser transmitido pela via mais rápida que possa ser aceita pelo Estado-Membro requerido. Isso quer dizer que não há um engessamento na forma de transmissão dos pedidos, podendo os tribunais usufruir das modernas tecnologias para a transmissão de dados, agilizando o procedimento de cooperação.

Preocupado com o efetivo acesso a justiça, dispõe o artigo 10 do Regulamento que o tribunal requerido deverá executar prontamente o pedido, o mais tardar no prazo de 90 dias a contar da data da sua recepção. Isso denota o quão comprometido está o legislador comunitário com a razoável duração do processo, preocupação central da moderna processualística.

Dispõe o artigo 11 do Regulamento que, se estiver previsto na lei do Estado- Membro do tribunal requerente, as partes e os seus representantes, se os houver, tem direito de estarem presentes e de participar do procedimento da produção das provas

277 DELMAS-MARTY, Mireille. Por um direito comum. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2004, p.

pelo tribunal requerido. Da mesma forma, os representantes do tribunal requerente tem direito a estarem presentes no ato de obtenção de provas pelo tribunal requerido. Pode ser magistrado, perito, ou outra pessoa designada pelo tribunal requerente278.

O tribunal requerido enviará sem demora ao tribunal requerente os documentos comprovativos da execução do pedido e se necessário, os documentos enviados pelo tribunal requerente, acompanhados de uma confirmação de execução. O Regulamento dispõe de formulários específicos a ser utilizado na comunicação entre os tribunais279, no intuito de padronizar o procedimento.

Também há a possibilidade de o Estado onde tramitar o processo judicial produzir as provas diretamente no Estado onde a prova deve ser realizada. A produção direta de provas apenas poderá ocorrer se for feita numa base voluntária, sem recorrer a medidas coercitivas. Nesse caso, a obtenção da prova será efetuada por um magistrado e pelos peritos que ele designar, conforme a legislação do Estado-Membro do país requerente. Da mesma forma, o tribunal requerente executa o pedido em conformidade com a legislação do seu Estado280. Quando a prova for realizada pelo próprio tribunal interessado, ele cuidará de todo o procedimento. Se a obtenção direta de provas implicar, por exemplo, em uma audição de uma pessoa, o tribunal requerente informará essa pessoa da realização do feito, e de que a audição é executada numa base voluntária. A autoridade competente do foro pode recusar a obtenção direta de provas, na medida em que281:

a) O pedido não caiba no âmbito do Regulamento;

b) O pedido não contenha todas as informações necessárias, de acordo com o artigo 4 do Regulamento;

c) A obtenção direta de provas requerida for contrária aos princípios fundamentais da legislação do Estado-Membro requerido. Esse aspecto é recorrente nos modelos tradicionais de cooperação jurisdicional, onde os Estados guardam a sua ordem pública.

Ademais, o artigo 17 do Regulamento dispõe que a entidade central ou a autoridade competente incentivará o uso das tecnologias da comunicação, como a

278 Assim, fica a cargo do tribunal requerido providenciar que os interessados sejam devidamente

cientificados da produção da prova, notificando o tribunal requerente sobre a data, a hora e o local em que terão lugar os procedimentos e, sempre que oportuno, sobre as condições.

279 Artigo 16 do Regulamento (CE) nº. 1206/2001. 280 Artigo 17 do Regulamento (CE) nº. 1206/2001. 281 Artigo 17.5 do Regulamento (CE) nº. 1206/2001.

videoconferência e a teleconferência. O uso das novas tecnologias para a efetivação do acesso a justiça é uma característica do DIPr pós-moderno, segundo Erik Jayme. Segundo o autor, o DIPr deve se adaptar a realidade pós-moderna, onde há uma enorme demanda não só por comunicação, mas por uma comunicação eficiente282.

Assim, a segunda etapa na evolução do sistema de cooperação jurisdicional da UE, a da compatibilidade entre os sistemas jurídicos nacionais, pode ser vista sob duas óticas. A primeira, positiva, é que o Regulamento Bruxelas I apenas harmonizou os distintos sistemas nacionais. O segundo aspecto, negativo, denota que ainda não houve a tão desejada supressão dos procedimentos nacionais, o que se denota dos marcos regulatórios analisados.

Feitas essas considerações, parte-se para a terceira e atual fase no sistema de cooperação jurisdicional da UE, onde há uma efetiva supressão dos procedimentos nacionais e a diagramação do espaço europeu de justiça.