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INTEGRAÇÃO REGIONAL DA AMÉRICA DO SUL

4.1. Primeiras tentativas de integração da América do Sul

4.2.1. Um quadro em construção: o surgimento e o desenvolvimento do MERCOSUL

O Tratado de Assunção, firmado em 26 de março de 1991, instituiu o MERCOSUL com o objetivo de promover a integração econômica entre os seus Estados signatários, quais sejam: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai480. A Venezuela ainda está em processo de adesão ao bloco, já tendo sido aprovada a sua entrada pelos parlamentos argentino, brasileiro e paraguaio481. Como ainda não foi concluída a sua entrada no bloco, a Venezuela não será considerada como Estado-parte do MERCOSUL nesse trabalho.

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Ver o Protocolo de Buenos Aires sobre jurisdição internacional em matéria contratual, de 1994; o Protocolo de San Luis, de 1996, sobre responsabilidade civil emergente de acidente de transito; o Protocolo de Santa Maria, de 1996, sobre jurisdição internacional em matéria de consumo e o Acordo sobre arbitragem comercial internacional do MERCOSUL, de 1998.

480 Sobre a história do MERCOSUL, ver: MACHADO, João Bosco M. MERCOSUL: Processo de Integração. São Paulo: Editora Aduaneiras, 2000.

481 Sobre o prelúdio do MERCOSUL, ver: SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações

Diante da diversidade de modelos integracionistas, o MERCOSUL optou nitidamente por um modelo minimalista, caracterizado por uma assimetria interna entre seu propósito constitutivo, ambicioso, e a fragilidade dos meios colocados a sua disposição pelos Estados-partes. Assim, o MERCOSUL adotou uma estrutura típica das organizações internacionais de caráter regional, movida por uma dinâmica institucional que se caracteriza pelo entendimento inergovernamental entre os Estados-partes482.

Diferentemente do que acontece na União Europeia, no MERCOSUL há ausência de regras supranacionais, visto que a construção dos mecanismos mercosulinos depende inteiramente da vontade de cada um dos seus Estados-partes. Esta dependência dos governos nacionais para a implementação das políticas do bloco caracteriza o paradigma da intergovernamentalidade483 que caracteriza a experiência integracionista.

Consciente de que era necessário que os atores privados se sentissem privilegiados pelo processo integracionista, o MERCOSUL, desde a sua formação tratou de agilizar a efetivação dos direitos em um espaço transfronteiriço, de forma que a sociedade civil – empresas e cidadãos - se sentissem parte ativa da integração regional484.

Para efetivar um espaço de cooperação, a prestação jurisdicional que envolve elementos de conexão internacional não poderia mais padecer de agilidade e eficácia, esbarrando na morosidade das formalidades nacionais. Portanto, desde o princípio da empreitada integracionista a diminuição dos entraves à cooperação jurisdicional foi necessária, não somente para a consolidação do mercado comum, mas também para a

482 Não é o objetivo deste trabalho investigar a estrutura institucional do MERCSUL. Para tanto, ver:

VENTURA, Deisy. As assimetrias entre o Mercosul e a União Europeia: os desafios de uma associação inter-regional. Barueri: Manole, 2003.

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Intergovernamentalidade é princípio que norteia o direito do MERCOSUL, conforme previsão no artigo 2º do Protocolo de Ouro Preto, de 1994. Sobre esse princípio, ver: MELO, Adriane Cláudia. Supranacionalidade e intergovernamentalidade no MERCOSUL. In ILHA, Adayr da Silva; VENTURA, Deisy de Freitas Lima [Orgs.]. O MERCOSUL em Movimento II. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 1999, p. 21. Para a autora, “a intergovernamentalidade é uma característica que se apresenta no sentido do relacionamento entre governos, disso decorre o fato de os Estados Nacionais preservarem a sua autonomia plenamente. E sendo assim, as disposições dos tratados e convenções que entre eles se celebram não podem jamais impor a qualquer deles a supremacia de outra, ou qualquer forma de submissão a algum organismo posto acima da soberania. Deste modo, o Estado-parte detém a mesma liberdade de ação que possuía antes de pertencer ao organismo internacional, pois não há restrições ao seu poder interno. As decisões internas, assim sendo, podem ser tomadas ainda que contrariem o intuito integracionista. O Estado-Parte não sofre, ademais, qualquer ingerência na sua autonomia individual. Portanto, os Estados-partes continuam tão soberanos quanto antes de pertencerem ao organismo intergovernamental”.

484 Sobre essa integração mais profunda, que passa pela integração cultural, ver importante aportes em:

SATO, Eiiti; FONSECA, Mariana Maciel. Como anda o MERCOSUL? In RILA - Revista de Integração Latino-Americana. Santa Maria, RS, v. 4, n. 1, jan./jun. 2007, p. 51.

implementação de um verdadeiro espaço mercosulino de justiça, que se empenhasse em efetivar o acesso à justiça na região485.

O DIPr do MERCOSUL stricto sensu486 segue as características do direito internacional clássico. Primeiramente, porque para produzirem efeito, as convenções devem ser recebidas pelos ordenamentos jurídicos nacionais, que podem, inclusive, legislar ao contrário487 da diretiva do bloco, sendo este o maior obstáculo à construção de um espaço integrado de justiça no âmbito do bloco. Além disso, o direito mercosulino não tem aplicabilidade direta nos Estados-partes, e padece de primazia em relação aos direitos nacionais.

O Tratado de Assunção estabeleceu que o mercado comum implica na livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, assim como o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a coordenação de políticas macroeconômicas entre os Estados-partes. Além disso, os Estados se comprometeram em harmonizar suas legislações nas áreas pertinentes a favorecer o processo de integração488.

Assim, considerando que é necessário estabelecer um âmbito jurídico que permita aos cidadãos mercosulinos o acesso à justiça dos Estados-partes em igualdade de condições e que era necessário simplificar e igualar as tramitações jurisdicionais em matéria civil, foi firmado o Protocolo de Las Leñas, em 1992. Esse protocolo foi um marco no trato de cooperação entre os Estados-partes do MERCOSUL, já que agilizou o trâmite dos pedidos de cooperação jurisdicional489. Tal protocolo será objeto de análise logo a seguir.

485 Nesse sentido é o ensinamento de Jânia Maria Lopes Saldanha. Segundo ela, “o processo jurisdicional,

ainda que oriundo das regras internas dos Estados constitui-se no instrumento privilegiado de atuação do ordenamento comunitário ou, simplismente ds normas comuns surgidas num espaço integrado, ainda sem caráter supranacional, como é o caso do Mercosul”. O direito processual e sua efetividade na condição de

instrumento de atuaçãp da ordem constitucional e comunitária. In RILA – Revista de Integração Latino- Americana. Santa Maria, RS, n. 1, p. 178.

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Existem protocolos que compõem o direito processual civil mercosulino stricto sensu, pois foi gerado autonomamente no âmbito da estrutura institucional do MERCOSUL. O direito processual civil mercosulino lato sensu, por sua vez, é composto pelo conjunto das normas de DIPr em vigor nos quatro Estados-partes, e que foram elaborados nas próprias mesas legislativas nacionais e em outros foros codificadores, que não o MERCOSUL.

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SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. 4 edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 291.

488 Artigo 1º - “Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido

a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará "Mercado Comum do Sul" (MERCOSUL). Este Mercado Comum implica: (...) O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração”.

489 KLOR, Adriana Dreyzin. Algunas reflexiones sobre la cooperación jurisdiccional internacional en torno a la calidad del derecho de la integración. In LABRANO, Roberto Ruiz Díaz (Org.). Mercosur –

Em 1994, foi firmado, na cidade brasileira de Ouro Preto, o Protocolo de Medidas Cautelares, que estabeleceu pela primeira vez, no âmbito do MERCOSUL, a possibilidade de apreciação delibatória direta entre os juízes de primeiro grau, em casos de juízos localizados em região de fronteira490.

Ainda compõe o corpo normativo mercosulino acerca da cooperação jurisdicional o Protocolo sobre jurisdição internacional em matéria contratual, celebrado em Buenos Aires, em 1994; Protocolo de Santa Maria que visa a regulação de uma jurisdição internacional em matéria de relações de consumo, firmado em Santa Maria, em 1996; e o Protocolo sobre Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados-partes do MERCOSUL, assinado em São Luiz, em 1996, que além da harmonização legislativa, estabelece opções de jurisdição em casos de acidentes de trânsito com as pessoas envolvidas, residentes em mais de um Estado-parte.

Boa parte das políticas de cooperação jurisdicional estabelecidas nesses textos de direito processual civil, e de outras áreas do DIPr do MERCOSUL, reproduzem os critérios e mecanismos de cooperação existentes no âmbito das CIDIP`s, quando estas se ocuparam dos respectivos temas. Um importante exemplo disso é o estabelecimento das autoridades centrais como os órgãos responsáveis por canalizar a cooperação internacional.

Dados os limites impostos a este trabalho, o presente estudo se limitará à análise do Protocolo de Las Leñas e ao Protocolo de Medidas Cautelares, que possuem regras gerais para regular a efetivação da justiça transfronteiriça, motivados pela ideia de que a justiça “ não pode ver-se frustrada por fronteiras nacionais que se erguem em obstáculos ao desenvolvimento de processos iniciados antes das mesmas”491.

Unión Europea: cooperación jurídica internacional, sentencias y laudos extranjeros, exhortos – medidas cautelares, derecho comunitario, Tribunal de Justicia de las Comundades Europeas. Assunción: Intercontinental, 2001, p. 17-35.

490 Sobre esse Protocolo, ver: VENTURA, Deisy. A ordem jurídica do MERCOSUL. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 1996.

491 “No puede verse frustrada por fronteiras nacionales que se erijan em obstáculos al desarollo de

procesos incoados más allá de las mismas”. BERGMAN, Eduardo Telechea. La cooperación

jurisdiccional internacional com especial referencia al ámbito del MERCOSUR y al derecho uruguayo. In DREYZIN DE KLOR, Adriana; ARROYO, Diego P. Fernández [Orgs]. Derecho del comercio internacional: temas y actualidades. Buenos Aires: Editora Zavalia, 2005, p. 362.