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A relação entre ciência e filosofia: Nietzsche, crítico de Schopenhauer e adepto de Lange

Capítulo 2. Filologia como lente de aumento: A origem do problema da relação

2.4. A relação entre ciência e filosofia: Nietzsche, crítico de Schopenhauer e adepto de Lange

Lange oferece um estímulo importante para a concepção de tal crítica filosófica do conhecimento baseada nas ciências, conforme se depreende da carta a Paul Deussen datada do final de abril/início de maio de 1868 (KSB 2.269). Mas, a crer em suas anotações e correspondência, é no edificante Schopenhauer que pensa Nietzsche ao referir-se à visão filosófica de mundo em relação à qual se determinaria o sentido das ciências69. E, contudo, se ele pode reservar ao autor de O Mundo como Vontade e como

Representação esse papel soberano, é novamente graças à História do Materialismo,

que permite a atribuição de um valor que não o cognitivo aos sistemas metafísicos. Já neste momento da obra nietzschiana, portanto, a superioridade da filosofia não lhe confere maior poder cognitivo em comparação com as ciências.

Ao assumir tal posição, Nietzsche se afasta do modo como Schopenhauer concebe a relação entre filosofia e ciência: este, a despeito da intenção de demonstrar sua metafísica recorrendo às ciências naturais, restringe o conhecimento científico aos fenômenos (die Erscheinungen), mas não impõe limites à filosofia, que pode conhecer a essência do mundo ou o que aparece (das Erscheinende). Por outro lado, Nietzsche se aproxima de Lange em dois pontos principais: em primeiro lugar, na medida em que este defende a relatividade de todo conhecimento; em segundo, no que concerne à

68 Sobre as implicações da fisiologia dos sentidos, por exemplo, para a teoria do conhecimento, cf.

Friedrich Albert Lange (1974), fonte importante para Nietzsche. Acerca desse tema no autor de Sobre

Verdade e Mentira no Sentido extramoral, cf. Sören Reuter (2014). A respeito do papel da fisiologia na

crítica nietzschiana à metafísica, cf. Wilson Frezzatti Junior (2014); quanto à centralidade da fisiologia na obra de Nietzsche, cf. Wilson Frezzatti Junior (2006). A relevância da ciência para a crítica do conhecimento é assunto a que voltaremos no tópico “Filosofia científica: mudança de domínio na formulação dos ‘problemas filosóficos’”, do sétimo capítulo deste trabalho.

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Tem origem em Schopenhauer, aliás, a analogia de que Nietzsche se apropria para, como vimos, referir-se aos filólogos como operários de fábrica e aos filósofos como seus empregadores. Cf. Sandro Barbera e Giuliano Campioni (1984).

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relação entre filosofia e ciência tal como ele a prescreve mais no capítulo “O Materialismo e a Pesquisa Exata” do que no capítulo “O Ponto de Vista do Ideal”, os dois presentes em sua História do Materialismo. Vejamos, em linhas gerais, como se dá esse movimento da filosofia de Nietzsche.

Apresentada em tom programático logo no início de Humano, demasiado

Humano, que veio a lume em 1878, a proposta de uma filosofia histórica baseada nas

ciências naturais em oposição à filosofia metafísica não constitui uma ruptura abrupta no pensamento de Nietzsche. O primeiro parágrafo do livro, não por acaso evocando em seu título, “Química dos conceitos e sentimentos”, uma das mais prestigiadas disciplinas da época, bem poderia provocar a impressão de uma repentina guinada científica por parte do autor; tal juízo, porém, só formularia o leitor que tivesse em vista apenas a obra publicada até então, que, junto ao sobressalente teor metafísico, ostentara uma crítica corrosiva ao espírito científico predominante desde Sócrates, como ocorre de modo exemplar em O Nascimento da Tragédia. Com a publicação do espólio, entretanto, demonstrou-se com êxito que as palavras iniciais do mencionado livro não fariam mais do que trazer a público uma face da reflexão nietzschiana que permanecera oculta aos seus leitores, mas em constante amadurecimento em suas anotações, em sua correspondência e nos cursos por ele ministrados como professor de filologia clássica na Universidade da Basileia70.

Quando se procuram as razões que teriam conduzido Nietzsche a proceder assim, entrecruzando filosofia e ciência, costuma-se sublinhar o estímulo exercido pelo contato com a obra de Schopenhauer em 1865 e, no ano seguinte, com a História do

Materialismo, de Lange. Abstraídas as suas consideráveis diferenças, ambos

representam, de fato, um impulso decisivo naquela direção: não só ao buscarem, eles próprios, instrução científica para fundamentar, cada qual a seu modo, suas respectivas filosofias, mas também por prescreverem a todo e qualquer filósofo uma ampla cultura científica. Que nesse aspecto Nietzsche lhes seguiu o exemplo, não há dúvida. Ou melhor, os dois autores não fizeram senão intensificar uma disposição instalada já havia algum tempo no espírito de seu jovem leitor, que escrevera num pequeno ensaio de 1862 intitulado Fado e História: “História e ciência natural, os maravilhosos legados de todo o nosso passado, as anunciadoras do futuro, apenas elas são os fundamentos seguros sobre os quais podemos construir a torre de nossa especulação” (BAW 2.55).

70 Cf. Alwin Mittasch (1952), Karl Schlechta e Anni Anders (1962) e Paolo D’Iorio (1994). Para uma

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Não obstante aqueles pontos de contato entre Schopenhauer e Lange, que, de resto, subordinam ambos as ciências à filosofia, há também diferenças importantes. E são elas que levam Nietzsche a afastar-se do primeiro e a aproximar-se do segundo.

Verdade que, em contraposição aos sistemas especulativos e visando à interpretação da natureza, a filosofia de Schopenhauer procura comprovação nas ciências naturais71. Por outro lado, em contradição com tal propósito, o autor de O

Mundo como Vontade e como Representação (2015, p. 33) insiste sobre os limites do

conhecimento científico, que, “guiado pelo fio condutor do princípio de razão, nunca alcança um alvo final, nem pode fornecer uma explicação completa e suficiente, porque jamais toca a essência mais íntima do mundo, jamais vai além da representação; antes, basicamente, somente conhece a relação de uma representação com outra”. Em outras palavras, o conteúdo das ciências são as aparências e a explicação científica consiste em estabelecer as relações de tais fenômenos segundo o princípio de razão (p. 95). A etiologia, portanto, restringe as suas explicações – baseadas, como indica a própria etimologia da palavra, na noção de causalidade – às aparências e às suas relações tal como se dão em nossa representação: ela não faz mais do que determinar a lei natural, isto é, as condições necessárias para a manifestação do que denomina uma força natural, à qual reduz todas as aparências; aquela força natural, porém, permanece-lhe inexplicável, incognoscível, qualitas occulta72. À ciência sempre permanecem, no entender de Schopenhauer, dois pontos inexplicáveis: o princípio de razão, principio da explicação científica, e a coisa em si, donde provêm as aparências e cujo conhecimento não se subordina ao princípio de razão (p. 95). Eis o limite do conhecimento científico, mas não de todo conhecimento.

Com efeito, onde param as ciências começa a filosofia, “o saber mais universal”, que “tem de ser uma expressão in abstracto da essência do mundo”, essência de que cada um possui um conhecimento intuitivo, in concreto (p. 97). A tarefa da filosofia é, pois, reproduzir, espelhar, repetir o mundo em conceitos abstratos, disponíveis à razão73. Se a etiologia constitui um conhecimento relativo, a filosofia se mostra como conhecimento da essência do mundo: a vontade (p. 146).

Na intenção de contrapor-se aos sistemas especulativos, Schopenhauer recorre às ciências de sua época, nelas tentando encontrar a confirmação de sua filosofia; por outro

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Cf. Karl Schewe, p. 5.

72 Sobre a etiologia, entre outras passagens, cf. Schopenhauer (2015, pp. 111-116). 73 Sobre a tarefa da filosofia, cf. Schopenhauer (2015, pp. 96-98, entre outras páginas).

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lado, limita o conhecimento científico, que concerne apenas aos fenômenos ou aparências (Erscheinungen), mas não impõe fronteiras ao conhecimento filosófico, tido como capaz de captar a coisa em si ou o que aparece (das Erscheinende). Se Nietzsche tende cada vez mais a pôr-se de acordo tanto com o recurso às ciências para a concepção de uma visão filosófica de mundo quanto com a restrição ao conhecimento científico, diverge daquela concessão cognitiva à filosofia, a seu ver, igualmente limitada no campo epistemológico. Tal divergência em relação a Schopenhauer ampara- se em larga medida em ideias defendidas por Lange, entre as quais ocupam lugar central a relatividade de todo saber e a consequente incognoscibilidade da coisa em si, ou melhor, o condicionamento da própria oposição entre fenômeno e coisa em si à nossa organização.

Nietzsche, já se afirmou, teria encontrado no autor de História do Materialismo os elementos teóricos para estabelecer a relação entre filosofia e ciência. Com tal apoio, poderia legitimar a convivência de duas tendências de seu pensamento, se não inconciliáveis, ao menos tensas entre si: a orientação metafísica e a cientificista. A primeira seria considerada não mais no campo epistemológico, mas numa esfera artística, como poesia conceitual, e, do ponto de vista do ideal, teria valor ao edificar; a segunda, por sua vez, continuaria a alimentar pretensões cognitivas, desde que restritas ao mundo dos fenômenos. Para alguns, o recurso a Lange possibilitaria com êxito a dita conciliação; para outros, não74.

Ao pensar a relação entre filosofia e ciência, entretanto, parece-nos que Nietzsche se vale menos do “ponto de vista do ideal” do que da prescrição, de um lado, de uma formação científica ao filósofo e, de outro, de uma cultura filosófica ao cientista, o que produziria um profícuo intercâmbio entre as duas esferas75. Na leitura de Nietzsche, este segundo aspecto do pensamento de Lange termina por predominar sobre

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Salaquarda afirma que, com a sua “tese de que há, de um lado, os conhecimentos parciais das ciências exatas e, de outro, a ‘poesia conceitual’”, Lange “oferece o modelo para a visão de Nietzsche sobre a relação entre filosofia e ciências naturais” (1978, p. 258), possibilitando-lhe manter a tensão da metafísica do artista, presente em O Nascimento da Tragédia e nas duas últimas Considerações extemporâneas, e uma posição científica, verificável em Sobre Verdade e Mentira no Sentido extramoral (p. 238). Salaquarda conjectura que posteriormente, porém, ao ver a sua refinada posição retomada de modo grosseiro por Rohde, Nietzsche passa a considerá-la mais problemática. Para Rogério Lopes (2011, pp. 20-21), o recurso a Lange de fato ocorre, mas Nietzsche não consegue articular de forma satisfatória as dimensões crítica e edificante do programa daquele autor, isto é, não é capaz de resolver a tensão entre o imperativo intelectual e a admissão consciente de uma ilusão. A nosso ver, contudo, seria preciso perguntar se da crítica não resultaria precisamente a concepção de que todo conhecimento é uma forma de ilusão, a despeito do imperativo intelectual de não admitir conscientemente ilusões.

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Sobre o primeiro ponto, cf. o capítulo “O Ponto de Vista do Ideal”, pp. 981-1002; sobre a relação entre formação filosófica e formação científica, cf. o capítulo “O Materialismo e a Pesquisa Exata”, pp. 587- 627, na História do Materialismo de Lange (1974).

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o primeiro, ainda que este (o ponto de vista do ideal) tenha de fato servido de apoio para uma tentativa inicial de reunir duas tendências divergentes76. A face prevalecente da interpretação de Lange contribui não para a manutenção da metafísica, edificante que seja, mas sim para a sua progressiva recusa77; não para salvaguardar Schopenhauer, mas para criticá-lo. No que tange à concepção da relação entre filosofia e ciência, o autor de

O Mundo como Vontade e como Representação figura como um paradigma a ser

combatido, na medida em que, a despeito do recurso às ciências, ainda é essencialmente dogmático, enquanto o autor de História do Materialismo oferece diretrizes a serem seguidas ao adotar um ponto de vista crítico tanto diante das pretensões epistemológicas dos dois domínios quanto no que diz respeito às regras que devem seguir em seu intercâmbio.

Se Lange oferece a Nietzsche subsídios para pensar a relação entre filosofia e ciência, isso não significa necessariamente o mesmo que refletir sobre metafísica e ciência. É certo que, num primeiro momento, coexistem no autor de O Nascimento da

Tragédia e de Sobre Verdade e Mentira no Sentido extramoral inclinações metafísicas

de um lado, que em geral vêm a público, e cientificistas de outro, amadurecidas de maneira mais reservada e acompanhadas de críticas à metafísica. Mas filosofia, de acordo com o próprio Lange (1974, p. 984), não equivale forçosamente a metafísica: “[...] Filosofia é mais do que mera especulação que poetiza. Ela compreende também a lógica, a crítica, a teoria do conhecimento”. E, com efeito, no caso de Nietzsche, a relação entre filosofia e ciência progressivamente deixa de ser entendida como conjunção entre filosofia metafísica e ciência para se transformar em intercâmbio entre

filosofia histórica, justamente em oposição à filosofia metafísica, e ciência – transição

que se dá inicialmente de modo subterrâneo, até vir a lume na formulação programática do primeiro parágrafo de Humano, demasiado Humano.

A leitura de Lange contribui, parece-nos, para mitigar a oposição entre filosofia e ciência, semelhantes sob determinados aspectos. A ideia de poesia conceitual se vê de

76 Há vários indícios de que, desde o princípio, boa parte do interesse de Nietzsche pelo autor de História

do Materialismo reside no fato de que este aproxima filosofia e ciência. Considerem-se, por exemplo, as

referências de Nietzsche a Lange como “esclarecido kantiano e naturalista” (cf. carta a Carl von Gersdorff do final de agosto de 1866, KSB 2.159), bem como ao seu livro como “a obra filosófica mais significativa das últimas décadas” (cf. carta a Hermann Mushacke de novembro de 1866, KSB 2.184) e ao mesmo tempo como instrutivo do ponto de vista das ciências naturais (cf. carta a Carl von Gersdorff de 16 de fevereiro de 1868, KSB 2.257).

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Poder-se-iam evocar teorias de Nietzsche, a exemplo das que versam sobre eterno retorno, vontade de potência e além-do-homem, como uma tal tentativa de edificação (cf. Rogério Lopes, op. cit., pp. 15-16). Parece-nos, todavia, que Nietzsche não as concebe como mera especulação, mas procura fundamentá-las cientificamente, de modo que naqueles casos o meio de edificação não se queria propriamente metafísico.

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tal modo estendida por Nietzsche que passa a caracterizar não só a filosofia metafísica, mas em certo sentido toda filosofia e até mesmo as ciências, que, operando por conceitos, nada mais são do que uma espécie de ποίησις. Se conceitos filosóficos, sendo criações, não reproduzem a essência do mundo, como queria Schopenhauer, tampouco os científicos, conforme gostaria, noutro extremo, um cientificismo dogmático. Dada a relatividade de todo saber, nenhum domínio pode galgar um conhecimento absoluto78.

A depreciação mútua e a consequente unilateralidade que muitas vezes caracterizam a relação entre filosofia e ciência deveriam ceder lugar a uma contribuição entre os dois domínios. É o que prescreve Lange no capítulo “O Materialismo e a Pesquisa Exata”, fornecendo assim subsídios para Nietzsche amadurecer aquela sua concepção, formulada já em Fado e História, de que história e ciências naturais deveriam fundamentar toda especulação ou, como dirá mais tarde, a sua própria filosofia histórica e a sua concepção de mundo79.

É certo, afirma Lange ao procurar oferecer uma visão de contexto, que a especialização científica pode inspirar cautela por parte daqueles que se ocupam de determinadas áreas, vendo-se a si mesmos sem desejo nem capacidade para dominar outras esferas; e, mesmo quando chegam a obter um conhecimento mais geral em ciências naturais e a constituir uma visão de mundo, a prudência lhes ordena a não procurar conferir valor real às suas ideias nem impô-las a todo custo. Além de cautela, porém, a especialização pode produzir igualmente egoísmo e arrogância: o especialista, ademais de pretender anular a legitimidade do julgamento de outros sobre a ciência de que se ocupa, ao mesmo tempo toma como válido apenas o seu próprio modo de considerar as outras áreas. Sob tais condições, o especialista rejeita todo pensamento que tome por objeto a totalidade da natureza e procure coordenar e interpretar fatos estabelecidos isoladamente. Aos olhos de Lange, todavia, essa recusa mostra-se condenável ao pôr em risco a sistematização das ciências e a cultura superior do espírito; revela-se ainda absurda na medida em que uma visão de conjunto, tendo percorrido as ciências da natureza, pode produzir uma avaliação mais acurada do que a do especialista acerca de um fato pontual. Formular tal visão de conjunto da natureza seria justamente a tarefa da filosofia.

78 Cf. carta a Paul Deussen do final de abril/início de maio de 1868 (KSB 2.269), em que Nietzsche,

retomando o conceito de Begriffsdichtung de Lange, afirma a relatividade de todo saber, tanto o do naturalista quanto o do metafísico.

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No capítulo – a que se referem os quatro parágrafos a seguir –, ao tratar da relação estabelecida pelo materialismo com a filosofia e as ciências, Lange (op. cit., pp. 587-627) acaba por abordar a própria relação entre esses dois últimos domínios de maneira mais geral.

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No entanto, assim como muitas vezes os especialistas rejeitam a visão de conjunto da filosofia, os filósofos, por seu turno, com frequência depreciam as ciências, ainda que não as negligenciem por completo. Com a intenção de modificar a atitude dos dois lados, Lange sugere aos naturalistas uma formação filosófica e histórica e aos filósofos uma cultura científica.

No caso do naturalista, a formação filosófica consistiria não em especulação, mas sobretudo em teoria do conhecimento centrada na reflexão sobre os limites cognitivos; na mesma direção, a formação histórica contribuiria para evitar a supervalorização das ciências atuais e a admissão de meras hipóteses como axiomas definitivos. A formação filosófica não teria por objetivo, portanto, levar o naturalista a criar um sistema filosófico original, mas sim a reconhecer as especulações metafísicas como tais, em vez de tomá-las como um dado.

O filósofo, por sua vez, deveria em sua educação familiarizar-se com os princípios das ciências modernas e com seu desenvolvimento histórico, suas conexões e seus métodos. Mas, como filosofia e ciências operam com métodos distintos, o filósofo não deve lançar mão das ciências para demonstrar suas especulações metafísicas nem procurar fundamentar exclusivamente nelas uma concepção de mundo. O papel do filósofo é, sim, construir uma visão de conjunto com base nas ciências, mas ele deve fazer valer sua formação geral justamente para corrigir os preconceitos da formação científica unilateral.

As considerações de Lange, conforme indicamos acima, vieram ao encontro de certas ideias às quais Nietzsche conferira expressão já havia algum tempo, notadamente a relação entre história, ciências naturais e especulação, tal como lemos em Fado e

História. As reflexões presentes em História do Materialismo harmonizam-se

igualmente com a atitude de Nietzsche diante da filologia, no que diz respeito tanto à prescrição de uma crítica filosófica do conhecimento quanto ao cultivo de uma visão filosófica de mundo capaz de superar a unilateralidade e a hiperespecialização científicas. Embora num primeiro momento Nietzsche procure associar essa visão filosófica de mundo a Schopenhauer, parece-nos que a concepção nietzschiana da relação mesma entre filosofia e ciência se encontra muito mais próxima da posição de Lange do que da de Schopenhauer, apesar do importante papel inicialmente reservado a este último.

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