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1.2 CONCEPÇÕES SOBRE O TRABALHO

1.2.3 Relação entre linguagem e trabalho

A linguagem, de acordo com o ISD, não se configura somente como um meio de expressão de processos estritamente psicológicos (percepção, cognição, sentimentos e emoções), mas é também o instrumento fundador e organizador desses processos (BRONCKART, 2012).

Bronckart (2012) destaca que a linguagem “teria emergido sob o efeito de uma negociação prática das pretensões das produções sonoras dos membros de um grupo envolvidos em uma mesma atividade” (BRONCKART, 2012, p. 33). As produções sonoras originais resultantes dos acordos estabelecidos entre os humanos a fim de organizar suas ações, bem como assegurar sua sobrevivência, ao serem compartilhadas socialmente foram adquirindo significações que buscavam representar aspectos do meio, o que designou-se por signos3 (BRONCKART, 2012). Para Bronckart (2012, p. 33), os signos “teriam necessariamente reestruturado as representações dos indivíduos, até então idiossincráticas, e as teriam transformado em representações pelo menos parcialmente comuns, compartilháveis, ou ainda comunicáveis”.

De acordo com o autor, os interlocutores envolvidos em um processo comunicativo produzem textos, caracterizados como unidades de produção de linguagem que veiculam “uma mensagem linguisticamente organizada e que tende a produzir um efeito de coerência sobre o destinatário” (BRONCKART, 2012, p. 71). Entretanto, a produção de um texto por um agente comunicativo não implica apenas a mobilização de signos e palavras pertencentes a uma língua natural, dispostas de modos coesos e coerentes. Para Bronckart (2012), quando empreende um agir comunicativo, o autor mobiliza, do vasto conjunto de conhecimento de que é a sede, subconjuntos de representações que se referem, especialmente, ao contexto físico e social de sua intervenção, ao conteúdo temático que nela será mobilizado e ao seu próprio estatuto de agente (capacidade de ação, intenções, motivos). Os textos produzidos pelo agente nesse agir, por sua vez, atendem a diversos objetivos determinados por diferentes contextos sociais e históricos em que se inserem os interlocutores e que também dependem de alguns fatores como decisões particulares do produtor, regras do sistema da língua, etc. (BRONCKART, 2012).

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De acordo com Bronckart (2012, p. 33) signo remete à acepção saussureana do termo. Para Saussure, o signo é composto pelo significante, que é a imagem acústica de um signo linguístico (grafia + som) e significado, que é o conceito transmitido pelo significante.

Um dos grandes engajamentos enunciativos (de linguagem) empreendidos pelos seres humanos e que promove as produções textuais ocorre justamente em seu meio de atuação profissional. Nesse sentido, Machado e Bronckart (2004) compreendem a importância de se

analisar os textos – orais e escritos – ou a rede discursiva que se constrói na e sobre uma determinada atividade (no nosso caso, no e sobre o trabalho educacional) para compreender a natureza e as razões das ações verbais e não verbais desenvolvidas e o papel que a linguagem aí desempenha (MACHADO; BRONCKART, 2004, p. 136).

Assim, a fim de realizar a análise do trabalho docente por meio da linguagem, Machado e Bronckart (2004) partem da denominação de análise das práticas discursivas no trabalho a partir de Lacoste, que, conforme aponta Nouroudine (2002), podem ser caracterizadas das seguintes maneiras: a) linguagem como trabalho: possui certa complexidade, pois é composta por diferentes dimensões: econômica, social, jurídica, etc. e pode ser entendida em três níveis diferentes: i) as falas que o trabalhador dirige aos colegas envolvidos na atividade, com finalidade de executar o trabalho; ii) as falas relativamente explícitas que o trabalhador dirige a si próprio no momento da atividade; iii) „mínimo dialógico”, isto é, é a expressão de um pensamento ou um julgamento simultâneo ao realizar a atividade, sem necessariamente utilizar o recurso da palavra; b) linguagem no trabalho: parcela de linguagem que não participa diretamente da atividade específica por meio do qual um operador ou coletivo concretiza uma situação de trabalho, podendo expressar conteúdos de natureza variada; e c) linguagem sobre o trabalho: pode ser entendida como a linguagem que interpreta o trabalho realizado, por exemplo, quando membros de um coletivo de trabalho evocam a atividade realizada para comentá-la/avaliá-la, não se configurando como uma linguagem de exclusividade do pesquisador. Tais denominações foram reelaboradas à luz do ISD e são apresentadas da seguinte maneira (MACHADO, 2008): a) Textos prefigurativos: são os textos produzidos anteriormente ao agir de trabalho; b) Textos produzidos em situação

de trabalho: são os textos produzidos no decorrer da ação do trabalho; c) Textos avaliativos ou interpretativos: são os textos produzidos posteriormente à situação de ação do trabalho.

Em nosso estudo, buscamos apreender o agir dos professores a partir dos textos avaliativos ou interpretativos, isto é, aqueles produzidos posteriormente à ação de trabalho, pois, além de abarcar a perspectiva da autoconfrontação, acreditamos que, para compreender de modo o agir dos sujeitos trabalhadores, é necessário ir além das observações da conduta humana explícita, tornando-se necessário compreender como ele age a partir da análise de suas próprias produções textuais (Bronckart, 2008). Nessa perspectiva, Faïta (2002) também

corrobora com essa acepção, ao salientar que, para compreender as situações e os conflitos vivenciados no trabalho, tornou-se necessário recorrer aos sujeitos trabalhadores a fim de analisar o modo como pensam, agem e desenvolvem estratégias para ampliar o seu poder de ação, justificando, assim, a importância da linguagem para a compreensão do trabalho docente.

Bronckart (2008) salienta que, ao se analisar as produções verbais nas diversas situações que envolvem o trabalho, há de se levar em conta de que estas

se constituem como uma atividade autônoma, que implica escolhas de conteúdos e de modalidades de expressões e que, portanto, embora os enunciados observados possam relatar aspectos significativos do agir no trabalho, eles também são, necessariamente, formatações desse agir significante, que levam inelutavelmente à sua transformação ou à sua reconfiguração (BRONCKART, 2008, p. 107).

Machado (2008) também salienta sobre a importância de se interpretar os textos produzidos sobre e no trabalho docente, uma vez que essas análises permitem que se compreenda, cada vez mais, a atividade docente e, consequentemente, o próprio professor, pois este é envolto por uma complexidade que não nos permite defini-lo como mero executor de prescrições.