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2 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E/OU TECNOLÓGICA: CONCEPÇÕES E PERSPECTIVAS

2.1 RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA

Apreende-se dos estudos de Marx e Engels (1986), que o primeiro pressuposto relativo à existência humana é a manutenção da vida mediante a produção dos meios necessários à produção dessa necessidade material.

Compartilhando essa compreensão, Vieira Pinto (2005) reporta- se à capacidade de projetar do homem, afirmando que “ao contrário do que julgam as doutrinas idealistas, que transformam essa atividade num mistério existencial, o projeto na origem é pura e simplesmente a percepção mental das possibilidades de conexão entre as coisas.” (p. 55). Tal autor entende que essa realidade vai modificando-se pela ação do homem, mediante o “desenvolvimento do sistema nervoso, conferindo a capacidade de apreensão reflexa dos aspectos das coisas, permite ao animal em via de hominização estabelecer relações entre elas” (p. 57), como a capacidade de transferir para as máquinas sínteses realizadas junto à natureza e, desta forma, doutrinar seus semelhantes sobre suas conquistas, como uma façanha individualizada e desconexa com a produção de outros humanos, na historicidade humana.

(1988, p.43), nos seguintes termos: “A sociedade burguesa é a organização histórica mais desenvolvida, mais diferenciada da produção. As categorias que exprimem suas relações, a compreensão de sua própria articulação, permitem penetrar na articulação e nas relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos se acha edificada, e cujos vestígios, não ultrapassados ainda, leva de arrastão desenvolvendo tudo que fora antes apenas indicado que toma assim toda a sua significação.”

O homem, portanto, ao transformar a natureza, transforma-se. A esse respeito, Vieira Pinto (2005, p. 56) afirma que “nas fases da hominização suficientemente definidas, o ‘projeto’ passa da esfera das funções nervosas inconscientes para a da consciência.” Verifica-se, na compreensão do autor, que o humano, diferentemente dos demais animais irracionais que constituem parte dessa natureza, adapta-a “a si”, diferentemente nas etapas “pré-hominídeas”, assumindo, portanto, a capacidade de “criar-se a si próprio”. Essa ação a uma determinada finalidade remete à seguinte análise apresentada pelo autor:

O conceito de projeto revela que o sistema nervoso superior só é capaz de concebê-lo quando supera o condicionamento hereditário imposto pelas estruturas invariáveis recebidas diretamente da natureza, tornando-se então fonte de outras formas de condicionamento, as que procedem do reflexo das coisas efetuado em suas células cerebrais, em íntimas ligações com o exercício da atividade em condições sociais. (VIEIRA PINTO, 2005, p. 59).

Avalia-se que essa conceituação apresentada por Vieira Pinto (2005) sobre projeto é relevante para a educação, algo como uma diretriz, principalmente porque o homem, ao construir a sua própria natureza, materialidade e intelectualidade, passa a destinar a seus semelhantes não mais a natureza em si, mas o resultado da ação do seu sistema nervoso, pois se trata de um processo em movimento e em sua historicidade. Assim, na compreensão de Vieira Pinto (2005, p. 62) “o homem, tornando-se o ser que se produz a si mesmo, constitui-se simultaneamente em animal técnico”, em face de entender que a técnica é intrínseca a todo homem não existe técnica sem o homem, porque, em sua interpretação:

[...] somente o homem estende, pelo aproveitamento da energia cerebral, as possibilidades de imposição da matéria viva ao meio. Nele cresce o tecido nervoso, sem aumento correspondente do tecido muscular. Amplia o domínio sobre a realidade porque adquiriu a mais poderosa das armas, a capacidade de representar o mundo circundante. Começa a descobrir as propriedades das coisas, substâncias e fenômenos. Aquilo que no objeto constitui uma propriedade natural da matéria de que é composto transfere-se

para a substância nervosa, entra a fazer parte de seu dinamismo fisiológico mediante modificações que nele se processam e são interiormente apreendidas como imagens e aí fica assinalado por uma indicação que em seguida, por mecanismos ligados ao processo de recebimento e memorização de informações, adquire a qualidade de noção abstrata, ou geral, com isso iniciando-se a evolução intelectual. (VIEIRA PINTO, 2005, p.59).

Considerando o exposto pelo autor (2005) e a relação dessa exposição com a educação entendida como formação humana, julga-se pertinente destacar a visão do autor a respeito de quatro significados sobre a tecnologia, em face de, na sua compreensão, instituir como um setor do conhecimento a partir de reflexões teóricas sobre a técnica na qualidade do ato produtivo desenvolvido por este ser racional, nos seguintes termos:

a) “tecnologia” tem de ser a teoria, a ciência, o estudo, a discussão da técnica, abrangida nesta última noção às artes, às habilidades do fazer, às profissões e, generalizadamente, aos modos de produzir alguma coisa.

b) “tecnologia” equivale pura e simplesmente à técnica. Indiscutivelmente constitui esta o sentido mais frequente e popular da palavra [...].

c) “tecnologia”, como conceito, entendido como o conjunto de todas as técnicas de que dispõe uma determinada sociedade, em qualquer fase histórica de seu desenvolvimento.

d) “tecnologia” (aquele que para o autor tem importância capital), a ideologização da técnica. (VIEIRA PINTO, 2005, p. 219-220).

O autor (2005) considera que a escassez do conhecimento coloca em risco tanto o homem como a própria comunidade, sua existência, em face de este possuir apenas a técnica hereditária, e, por não dispor dos recursos necessários, não tem a condição de resolver as contradições com a sua realidade porque esta nunca é definitiva. Essas contradições, todavia, são produtos da relação do humano com o seu meio, sociedade, mediante realização do trabalho, em face de que, como compreende Vieira Pinto (2005, p.89), “ela nunca é satisfatória” e, assim, exige desse

“permanente transformação para atender a finalidades de vida humanizada, num desenvolvimento sem término.”

Na avaliação de Marx (2008), é preciso considerar que o trabalho constitui-se como uma atividade desenvolvida pelo homem como “automediador da natureza”, modificando-a e alterando a sua própria natureza, decorrente de um movimento que se intensifica e complexifica-se a partir do momento em que este se distancia dos demais seres vivos da natureza e, assim, para continuar a existir, precisa trabalhar. Para Saviani (1994, p. 2) “isto faz com que a vida do homem seja determinada pelo modo como ele produz sua existência”, que também pode ser interpretado como os meios necessários a sua sobrevivência.

O mesmo Saviani (2007a, p. 154) ao compreender que “a essência do homem é o trabalho”, e que essa essência é decorrente da ação dos próprios humanos, em face de que essa essência é produzida por ele mesmo, ou seja, “é um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo” constituindo-se como um processo histórico, contudo, para além da simples competição biológica porque se trata de um ato promovido a partir de uma consciência. Dessa forma, o autor (2007a) destaca que “se a existência humana não é garantida pela natureza”, tem de ser produzida pelos próprios homens e configura-se como um produto do trabalho, portanto “isso significa que o homem não nasce homem” (p. 154) porque ele ainda não apresenta a condição de produzir a sua existência. Desse modo, o autor compreende que “ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência”, e que essa produção, além de ser a sua própria formação, caracteriza-se também como um “processo educativo”, em face de galgar estágios de desenvolvimento, e, portanto, “a origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo.” (SAVIANI, 2007a, p. 154).

Verifica-se que tanto Vieira Pinto (2005) quanto Saviani (2007a) desenvolvem a compreensão marxista sobre a natureza do homem. Para aprofundar as questões ontológicas sobre o trabalho, faz-se referência à compreensão de Marx (2008, p. 211) a respeito do trabalho, afirmando que, “antes de tudo, o trabalho é um processo do qual participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”, de forma que ao se defrontar com essa na premissa de apropriar-se de seus recursos, imprime-lhe um fim à vida humana porque tem a capacidade de realizar, e que ao modificá-la pelo trabalho,

modifica-se a si próprio mediante o desenvolvimento de potencialidades intrínsecas, consumando um processo teleológico.

Sobre essa formação para o trabalho, verifica-se que ela se dá, como argumenta Vieira Pinto (2005), a partir das relações sociais de produção, ou seja, “não decorrem da relação mais fundamental, profunda e definidora do homem com o mundo físico, nem com o aproveitamento de suas leis, fenômenos ambos de ordem exclusivamente natural.” Na compreensão desse autor, não há distinção de valor entre um tipo ou outro de trabalho porque estes “são manifestações da biologia do homem” no plano destas relações (VIEIRA PINTO, 2005, p. 414-415). Do ponto de vista do conceito de trabalho abstrato, Marx (2008, p. 211) o compreende como “um processo de que participam o homem e a natureza”, de forma interativa e sob seu controle, mediante as forças naturais de seu corpo, decorrentes da ação de seus braços, mãos, pernas e cabeça, com vistas a “apropriar- se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana.”

Nesse sentido, concorda-se com os autores citados de que realmente o trabalho está na essência do homem, em face de que ele, para viver de forma diferente dos demais seres da natureza e para prover seu processo de hominização, necessita trabalhar, colocar em movimento sua força de trabalho, também denominada por Marx (2008, p. 197) como “capacidade de trabalho”, e entendida pelo autor como sendo “o conjunto das faculdades físicas e mentais existentes no corpo e na personalidade viva do ser humano”, com vistas à produção da sua materialidade e do seu desenvolvimento. A relação entre produção da materialidade com desenvolvimento induz, contudo, a necessidade do homem desenvolver formas diversas e históricas de trabalho as quais, como interpreta Vieira Pinto (2005, p. 422), decorrem da sua “acumulação cultural” e serão aceleradas, em virtude da sua interação crescente com a natureza, todavia, “pertencente à faixa cultural da realidade social.”

Com a divisão do trabalho, Marx e Engels (1986, p. 37) argumentam que ocorre a contradição entre o interesse do homem ou das “famílias singulares” e o interesse coletivo de todos os humanos, em face de haver “a separação entre interesse particular e interesse comum”. Os autores destacam que essa separação entre interesse particular e comum se desenvolve na sociedade natural e é decorrente de um relacionamento mútuo e natural, em face de que “a própria ação do homem torna-se um poder que lhe é estranhado e que a ele é contraposto, um poder que subjuga o homem em vez de por este ser dominado.” Com a divisão do trabalho, cada homem passa a ter uma

determinada atividade que lhe é imposta, a qual, de acordo com os autores (1986), “não pode escapar”, caracterizada, contudo, como uma atividade social que “foge ao nosso controle”. Na compreensão de Marx e Engels (1986, p. 38) trata-se de um “poder social”, uma força que nasce da cooperação natural dos homens decorrente da divisão do trabalho, como uma “potência estranha”, aquém desses, desconhecida e independente do “querer e do agir dos homens e que até mesmo dirige esse querer e esse agir.”

Marx e Engels (1986, p. 40) interpretam que a história se faz pela sucessão de gerações distintas que recebem da geração anterior determinadas condições sob as quais desenvolvem a sua ação, explorando “os materiais, os capitais e as forças de produção”, continuando o que a geração anterior havia até então desenvolvido, porém sob outras condições totalmente alteradas, o que se pode compreender, como interpreta Duarte (1998), por um movimento de objetivação e de apropriação. Frederico (1995, p. 181) destaca que a compreensão marxiana de história se dá a partir de um processo de objetivações contínuo que se relaciona com a “autocriação e autodesenvolvimento das capacidades humanas” transcorrido de um tempo em que o homem já havia explicitado as suas potencialidades, decorrentes de sua ruptura com a natureza por intermédio da elaboração de mediações, com vistas a sua emancipação, em que a mediação material desenvolvida seria a primeira e a mais importante forma de objetivação social.

Dito isso e para compreender como se dá a relação entre trabalho e educação, considerando a sua origem, apropria-se da discussão de Saviani (1994) sobre educação. O autor (1994) compreende que “as origens da educação se confundem com as origens do próprio homem” que, ao se destacar da natureza, necessita a partir daí produzir a sua própria vida, mediante o desenvolvimento das forças produtivas, e assim constituindo-se como homem, o que é entendido por ele como processo de hominização. Saviani (1994, p. 2) destaca que “o ato de agir sobre a natureza, adaptando-a às necessidades humanas, é o que conhecemos pelo nome de trabalho.”

Nessa perspectiva, trabalho e educação estão devidamente relacionados, ainda que estejam localizados em lugares distintos, do ponto de vista da ação, apresentam intersecção. Assim, para aprofundar a análise da história da educação, ou seja, imbricar compreensões sobre a sua gênese, faz-se referência à compreensão de Saviani (2007a, 155), ao destacar que “a educação identificava-se com a vida”; portanto, na interpretação do autor “a expressão ‘educação é vida’, e não preparação

para a vida, reivindicada muitos séculos mais tarde, já na nossa época, era, nessas origens remotas, verdade prática.” O autor destaca que estão aí, portanto, “os fundamentos histórico-ontológicos da relação trabalho- educação”: a) “fundamentos históricos porque referidos a um processo produzido e desenvolvido ao longo do tempo pela ação dos próprios homens”; e b) “fundamentos ontológicos porque o produto dessa ação, o resultado desse processo, é o próprio ser dos homens.” (SAVIANI, 2007a, p. 155).