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A relação homem-natureza: da physis ao recurso natural A compreensão sobre os diversos matizes da biodiversidade e,

Biodiversidade Economia

3.1.2 A relação homem-natureza: da physis ao recurso natural A compreensão sobre os diversos matizes da biodiversidade e,

principalmente, a sua transformação em mercadoria, exige uma análise quanto às transformações da relação homem-natureza na contemporaneidade, as quais, por seu turno, acompanham as mudanças já referidas quanto à percepção do risco.

Com efeito, a crise ambiental exige uma reflexão acerca do modo como o homem se relaciona com o seu entorno e, portanto, da forma como ele se situa diante da natureza. Nesse sentido, Campos (2006, p. 12-13, tradução livre) destaca a importância da construção social das relações humanas com o seu entorno:

Estávamos interessados em analisar como construímos socialmente nossas relações com o entorno. Tais relações se caracterizam pela complexidade e pela dificuldade na hora de concebê-las. O meio ambiente nos obriga a repensarmos a nós mesmos, com os outros; com o de dentro e com o de fora; com o natural e o artificial; com o humano, o animal e o tecnológico; ou, caso se preferir, empurra-nos para a produção de novas categorias básicas de significado. Hoje em dia, podemos dizer que, diante do esgotamento das concepções clássicas para pensarmos sobre o mundo, apareceu uma nova aposta na forma de elaborar o papel do ser humano na Natureza. Assim, é necessário prestar atenção a como se articula o meio ambiente através de práticas, discursos e instituições, como se constroem através dos mapas cognitivos que orientam nosso universo simbólico, como representamos ao nosso mundo com categorias que se deslocam, e como, ao fim e ao cabo, integramos em estruturas de sentido os

acontecimentos ecológicos que nos obrigam a reformula-las.54

Ost (1995) reforça esta ideia ao dispor que a crise ambiental diz respeito, sobretudo, à representação humana da natureza, correspondendo, simultaneamente, à uma crise do vínculo55 e à uma crise

do limite56. “Crise do vínculo: já não conseguimos discernir o que nos

liga ao animal, ao que tem vida, à natureza; crise do limite: já não conseguimos discernir o que dele nos distingue” (OST, 1995, p. 9).

54 Texto original: “[…] nos ha interesado analizar cómo construimos socialmente nuestras relaciones con el entorno. Dichas relaciones se caracterizan por la complejidad y la dificultad a la hora de concebirlas. El medio ambiente nos obliga a re-pensarnos a nos-otros, con los otros; con lo de dentro y con lo de fuera; con lo natural y lo artificial; con lo humano, lo animal y lo tecnológico; o, si se prefiere, nos empuja a la producción de nuevas categorías básicas de significado. Hoy en día, podemos decir que, ante el agotamiento de las concepciones clásicas para pensarnos en el mundo, ha aparecido una nueva apuesta en la forma de elaborar el papel del ser humano en la Naturaleza. Así, es necesario prestar atención a cómo se articula el medio ambiente a través de prácticas, discursos e instituciones, cómo se construyen a través de los mapas cognitivos que orientan nuestro universo simbólico, cómo representamos a nuestro mundo con categorías que se muda, y cómo, al fin y al cabo, integramos en estructuras de sentido los acontecimientos (ecológicos) que nos obligan a reformularlas’.

55 De acordo com Ost (1995, p. 9), o vínculo é “[...] o que liga e obriga (ligar, do latim ligare). São as linhas (tramas), as cordas, os nós, os laços, as ligações, as afinidades, a aliança, a união (emparelhamento) e a filiação. As raízes. O vínculo, ou o que permite a existência duma oportunidade: um enraizamento, um lugar numa transmissão. O vínculo, ou a ‘parte ligada’ isto é, o contrário da ‘parte inteira’: ou, por outras palavras, a própria possibilidade da alteridade e da partilha. Assim, o vínculo revela a sua natureza dialéctica: se ele é ancoragem e enraizamento, não pressupõe menos a possibilidade do movimento e da separação. Só se pode ligar o que é, por natureza, distinto e virtualmente destacável. A identidade procurada pelo vínculo é, assim, condição da libertação, que, por sua vez, é condição da obrigação livremente assumida”.

56 O limite é entendido por Ost (1995, p. 9-10) como “[...] fronteira, barreira, confins e raia. O ponto onde qualquer coisa pára, ou mesmo o limiar que nunca ultrapassaremos, como o valor limite dos matemáticos. Ele marca uma diferença que não podemos suprimir, a distância entre um antes e um depois, um aqui e um acolá. E no entanto o limite, tal como o horizonte, revela-se igualmente um conceito dialéctico: princípio de encerramento, ele é de igual modo princípio de transgressão. Se, por um lado, assegura a demarcação, permite por outro a passagem. Ele é o ponto de permuta e, simultaneamente, sinal de diferença”.

Consequentemente, a referência ao vínculo homem-natureza tem por objetivo expressar que há uma íntima ligação entre a visão que homem tem da natureza e a relação ética que ele mantém com ela, o que é uma consequência da forma como o ser humano se situa em relação à ela.

Nessa perspectiva, é possível apontar a existência de diferentes maneiras de conceber a relação entre a natureza e a moralidade. Segundo Larrére (2003), na Grécia Antiga esta relação pode ser descrita a partir do verbo observar, ou seja, o homem está no centro da natureza, mas em uma posição de mera observação. Essa relação pode ser compreendida ao se constatar que, por meio da contemplação da physis, o homem grego determinava a virtude, a qual era observada e definida a partir da natureza à qual o homem estava imbricado pelo pensamento orgânico. A modernidade, com o desenvolvimento da ciência, modificou esta relação, a qual passa a ser caracterizada pelo verbo experimentar, ou seja, o ser humano situa-se no exterior da natureza, em uma posição de experimentação e controle. “Aqui a natureza já não é mais globalizada, unificada; pelo contrário, ela torna-se redutível à matéria e se enuncia em termos de extensão e de movimento” (SASS, 2012, p.176). A lógica adotada a partir da modernidade, desse modo, permite o distanciamento do homem em relação à natureza e abre caminho para a desvinculação ética e a apropriação do que passa a ser compreendido como recurso natural.

A compreensão dessa transformação da relação homem-natureza exige que se observe com maior detalhamento o significado do termo natureza, o qual, desde logo, apresenta um problema semântico. Na Grécia Antiga, os filósofos pré-socráticos utilizavam o termo physis, traduzido no latim por natura, para designar um processo de surgir, de desenvolver-se, que abrange a totalidade das coisas. Para esses filósofos a natureza é considerada “[...] uma força de crescimento e não esse reservatório de materiais e de energias que o homem tende a dominar, para dele se tornar mestre e possuidor” (BRUN, 1968, p. 9). Desse modo, a contemplação da physis permite aos pensadores do período inaugural da filosofia grega perscrutar a gênese do cosmos, o movimento dos astros, a origem da vida e diversos outros fenômenos, pois eles já não se contentam com as respostas dadas pela tradição, preferindo o enfrentamento direto com o mistério que envolve todas as coisas.

Constrói-se, dessa maneira, um discurso crítico racional que busca a compreensão do cosmos e dos elementos que permitem explicar racionalmente a physis. Ressalta-se que esses primeiros filósofos não

objetivam o conhecimento científico, mas uma racionalidade que lhes permita entender o entorno e a sua própria condição humana. A contemplação da physis faz com que o homem possa compreender a sua própria essência, ou seja, o seu ser, tendo por substrato uma relação na qual sobressai a diferença do humano em relação à natureza.

Os derivados da expressão physis (ou natura), porém, não garantiram a compreensão desse significado, o qual foi alterado principalmente a partir da modernidade, quando ocorreu uma mudança da atitude intelectual do homem em relação à natureza. Nesse contexto, o cientificismo surge como o discurso que permite ao homem dominar o que até então era intangível, ou seja, a natureza, e, desse momento em diante, ele passa a descobrir os diversos mistérios que cercam a vida, tornando-se seu legítimo proprietário (SASS, 2008). A ruptura proporcionada por este pensamento é relatada por Lenoble (1990, p. 260): A partir de então, é ultrapassado esse velho tabu do natural que pressupõe uma diferença essencial entre a experiência de laboratório e os fenômenos naturais, isto é, considerados até aí sagrados. O homem vai habituar-se aos sacrilégios de Prometeu e de Ícaro: já não teme ser fulminado pelos deuses. Descartes, Galileu, Gassendi, todos os seus discípulos menores, têm doravante por evidente que conhecer é fabricar e que a Natureza nada mais faz do que realizar em ponto grande o que nós podemos obter por pormenores e à nossa escala, graças ao nosso engenho de técnicos. [grifos do autor]

Há, dessa forma, a perda do sentido da palavra physis e surge uma razão intertemporal que mede, calcula e explora a natureza, a qual passa a ser entendida como simples matéria, relacionando-se com tudo o que não é racional ou humano. Da mesma forma que uma máquina, ela pode ser fragmentada, testada e sujeitada a toda a espécie de cálculos e de provas. Difunde-se, então, um novo ethos cuja base centra-se na ideia de domínio do homem em relação à natureza (SASS, 2012, p. 176).

A partir do estabelecimento dessa relação com o mundo, marcada pelo individualismo, o homem, que então passa a ser a medida de todas as coisas, toma seu posto no centro do universo, apropriando-se do mesmo, pronto para transformá- lo de acordo com as suas vontades. (MELO, 2012, p. 23)

Nasce, assim, o dualismo que determina a ruptura entre sujeito e objeto e resulta na perda do vínculo do homem com a natureza, ao mesmo tempo em que abre caminho para o crescente endeusamento da ciência. Desse modo, ciência e técnica passam a assumir o papel de garantidores do progresso para todos e a nova concepção de natureza à torna submissa à razão humana.

A esta mecanização da natureza corresponde a espiritualização do homem. O conhecimento se reflete na dualidade do sujeito e do objeto, fundamentada em Descartes sobre a separação ontológica entre o pensamento e a extensão que coloca o homem, ser espiritual, à margem da matéria. Isso conduz à separação entre natureza e moralidade: sem hierarquia nem causas finais, a natureza é axiologicamente vazia, ela não oferece normas à atividade humana. (LARRÈRE, 2003, p. 231)

Essa visão mecanicista do mundo, oriunda da razão cartesiana e da dinâmica newtoniana, converte-se no princípio constitutivo da teoria econômica, predominando sobre os paradigmas organicistas dos processos da vida e orientando o desenvolvimento antinatura da sociedade moderna. A modernidade ocidental acaba por transformar a natureza em simples “ambiente”, ou seja, em mero cenário, fazendo com que ela perca o seu sentido ontológico. “Ao invés de corresponder ao lugar no qual o homem descobre a sua própria identidade, ela acaba reduzida a um simples reservatório de recursos que devem servir aos interesses humanos” (SASS, 2008, p. 41).

O domínio da razão no pensamento moderno acarreta a redefinição do utilitarismo, que, por meio da ciência, busca novas utilidades na exploração da natureza. O objetivo nesse novo contexto está no estabelecimento de um sistema a partir do qual se possa deduzir cada coisa sobre o mundo. Há, desse modo, uma primazia dos princípios

científicos universais que visam explicar o mundo de modo objetivo e racional e que dimensionam uma nova postura do homem em relação ao ambiente.

Mediante essa perspectiva, nas sociedades modernas a relação entre a técnica e a natureza desenvolve-se continuamente e “[...] acaba determinando a formação de uma constelação de valores polarizados em torno do problema da satisfação das necessidades, que se torna o problema fundamental da organização sociopolítica” (VAZ, 1993, p. 24). Chega-se, dessa maneira, a uma concepção materialista, mecanicista, mercantilizante, reducionista e ideológica calcada sobre a razão instrumental que permite a apreensão do natural pela “razão/tecnologia/artificialização” e sobre o domínio do outro (PELIZZOLI, 1999).

O novo entendimento acerca da ideia de natureza na modernidade pode ser ilustrado por meio do filme Madagascar (DREAMWORKS, 2005), o qual narra a história de um grupo de animais que vivem no zoológico do Central Park, na cidade de Nova York. O grupo formado pelo leão Alex, a zebra Marty, a girafa Melman e a fêmea de hipopótamo Gloria tem uma vida mordomias no zoológico. Porém, Marty quer conhecer a natureza. Ao fugir do zoológico no intuito de conhecer a natureza, a zebra e seus amigos são enviados para a ilha de Madagascar, a qual é retratada no filme como a natureza. Ao longo da narrativa, revela- se uma natureza distante da vida humana, selvagem, dotada de instintos e sem regalias. Nesse novo ambiente, os animais se assustam com a cadeia alimentar e o caráter anti-higiênico da natureza. O filme mostra-se divertido ao mostrar o choque dos bichos urbanos com a vida na selva, mas também ilustra o imaginário de uma natureza construída sobre estereótipos e que distancia o homem do entorno. Ignora-se, assim, que a natureza apresenta um sentido abrangente, incluindo o ambiente urbano, a casa de cada indivíduo e as suas próprias condições de existência (SASS, 2006).

Se a modernidade permite o distanciamento entre sujeito e objeto, fazendo com que o homem sinta-se cada vez mais “senhor e possuidor” da natureza, de outra parte, a importância adquirida pela dimensão econômica no contexto social a partir do surgimento da sociedade industrial impõe novas mudanças para o seu entendimento e o alcance do influxo exercido pela produção sobre as demais esferas da vida. Conforme Vaz (1993, p. 24), desse momento em diante as diferentes esferas da sociedade passam a organizar e a exprimir o seu ethos em função do ethos dominante na esfera econômica. Pode-se afirmar que, a

partir de então, a natureza objetificada pela modernidade está apta a também a tornar-se mercadoria. Este novo contexto é relatado por Polanyi (2000, p. 162):

A produção é a interação do homem e da natureza. Se este processo se organizar através de um mecanismo auto-regulador de permuta e troca, então o homem e a natureza têm que ingressar na sua órbita, têm que se sujeitar à oferta e à procura, isto é, eles passam a ser manuseados como mercadorias, como bens produzidos para venda. Conforme Polanyi (2000, p. 215) a submissão da natureza às exigências da sociedade industrial ocorreu em três estágios. O primeiro estágio adveio com a comercialização do solo, mobilizando o rendimento feudal da terra. O segundo estágio deu-se a partir do incremento da produção de alimentos e de matérias-primas orgânicas, para atender às exigências, em escala nacional, de uma produção industrial em rápido crescimento. Por fim, o terceiro estágio consistiu em expandir esse sistema de produção excedente aos territórios de além-mar e às colônias. Com esse último passo, na visão do autor, a terra e a sua produção, finalmente, se inseriram no esquema de um mercado auto regulável.

O ajuste que ocorreu sob o sistema de mercado foi este: o homem, sob o nome de mão-de-obra, e a natureza, sob o nome de terra, foram colocados à venda. Polanyi (2000, p. 214), no entanto, adverte que: “Tradicionalmente, a terra e o trabalho não são separados: o trabalho é parte da vida, a terra continua sendo parte da natureza, a vida e a natureza formam um todo articulado”. Para o autor, subordinar a natureza ao mercado e isolá-la enquanto instituição é algo utópico. A função econômica é apenas uma entre as muitas funções vitais da terra, a qual dá estabilidade à vida do homem, é o local da sua habitação, é a condição da sua segurança física, etc. Desse modo, separar a terra do homem e organizar a sociedade de forma tal a satisfazer as exigências de um mercado imobiliário foi parte vital do conceito utópico de uma economia de mercado.

Nesse teor, Leff (2006, p. 27) destaca que a apropriação dos recursos naturais dos países tropicais e a exploração do trabalho dos povos indígenas das regiões colonizadas pelos países europeus cumpriram uma função estratégica para a expansão do capital, gerando um processo de subdesenvolvimento como resultado da divisão

internacional do trabalho, da troca desigual de mercadorias e da degradação ambiental. Segundo Leff (2006, p. 134), a racionalidade econômica exilou a natureza da esfera da produção, gerando processos de degradação ambiental. Para a economia o sentido do mundo está na produção e, nessa perspectiva, a natureza é coisificada, desnaturalizada de sua complexidade ecológica e convertida em matéria-prima do processo econômico, tornando-se simples objeto da exploração do capital.

O que marcou as formas dominantes de produção e de crescimento econômico a partir da Revolução Industrial é o caráter determinante da apropriação capitalista e da transformação tecnológica dos recursos naturais em relação a seus processos de formação e regeneração, o que repercutiu no esgotamento progressivo dos recursos abióticos e na degradação do potencial produtivo dos ecossistemas criadores dos recursos bióticos. (LEFF, 2006, p. 51)

Para Brand e Görg (2003, p. 50) a crise ecológica está, simbólica e materialmente, relacionada com a crise do fordismo. No plano material, o modelo de bem-estar fordista das sociedades industriais do Norte teria sido responsável pelo aumento do consumo dos recursos naturais e pela crescente carga de substâncias tóxicas no meio ambiente. No plano simbólico, os movimentos sociais e intelectuais entenderam a crise ecológica como uma crise social, a qual se manifesta a partir da mudança das relações sociais com a natureza. Desde a década de 90, o desenvolvimento de novas tecnologias, especialmente na área da informática e das comunicações, bem como da biologia e da genética, contribuíram, no plano econômico-técnico, para criar novas formas tipicamente posfordistas das relações sociais da natureza (BRAND; GÖRG; 2003, p. 50).

A partir de então, a estratégia central para a imposição do capitalismo pós-fordista centra-se na reorientação da sociedade aos imperativos de eficiência e da capacidade concorrencial internacional, modificando-se tanto o funcionamento das instituições sociais fundamentais, como também a apropriação dos recursos naturais. Conforme se reforça o imperativo de competitividade internacional exigido por interesses poderosos, a relação com a natureza enquanto recurso e sua valorização se submetem de forma crescente aos cálculos de rentabilidade do capital (SASS, MELO, 2014).

De fato, Maris (2012) considera que a justificativa da proteção da natureza exclusivamente sobre a base de argumentos econômicos representa uma nova transformação, na qual ela já não é apenas objetificada, mas agora também mercantilizada. Assim, a natureza passa a ser entendida como objeto de valor quantificável e intercambiável, geralmente pela via dos mecanismos de mercado. O valor intrínseco ou o valor de uso de qualquer bem ou pessoa é eclipsado em benefício do seu valor de troca, ou seja, do seu preço. Para que isso ocorra, três pré- requisitos são exigidos: a) o objeto de troca deve ser reduzível, ou seja, é necessário que o objeto seja definido, individualizado e compartimentado em certos elementos ou funções dos ecossistemas; b) o objeto de troca deve ser apropriável, ou seja, é exigível que se possa determinar quem é o proprietário legítimo dos bens ou serviços proporcionados pelos ecossistemas; e c) o objeto de troca deve ser substituível, ou seja, deve existir a possibilidade de que tais objetos sejam substituídos por outros de valor equivalente.

De acordo com Maris (2012) os pré-requisitos supra especificados trazem problemáticas importantes para a análise do tema, quais sejam: a) o problema de reduzir: o aspecto mais notável da ecologia consiste na complexidade dos ecossistemas, o que faz com que seja impossível definir, objetivar e compartimentar as funções dos ecossistemas e seus componentes, uma vez que eles estão em constante interação; b) o problema da apropriação: considerando que esta perspectiva sopesa apenas os serviços que prestam os ecossistemas aos seres humanos, a tendência é que se considere o homem como o legítimo proprietário de todos os recursos e funções do ecossistema. Porém, mesmo que se admita esta perspectiva profundamente antropocêntrica, resta a pergunta: quem entre os seres humanos serão os legítimos proprietários dos bens e serviços ambientais? O que legitima essa apropriação? Esses são questionamentos para os quais ainda não se tem uma resposta condizente com a complexidade do objeto em discussão; c) o problema da substituição: os enfoques que ressaltam instrumentos de compensação ambiental fundamentam-se na ideia de que é possível destruir um determinado ecossistema com a condição de recriá-lo em outro lugar. Esta ideia, no entanto, é ilusória do ponto de vista ecológico e perigoso do ponto de vista filosófico. Os ecossistemas são demasiadamente complexos e, na sua maioria, levaram milhões de anos para se desenvolverem, bem como dependeram de uma série de contingências naturais, históricas, etc., muitas vezes não reproduzíveis.

Esse avanço do discurso econômico sobre a natureza também é impulsionado, de acordo com Dupas (2007, p. 18), pelo fato de que, a partir das duas décadas finais do século XX, o capitalismo global apossou-se por completo dos destinos da tecnologia, dirigindo-a exclusivamente para a criação de valores econômicos. Dessa maneira, a liderança tecnológica adquiriu uma forte autonomia dos valores éticos e passou a adotar os padrões gerais de acumulação. Ademais, as novas tecnologias biológicas e genéticas necessitam da garantia da apropriação