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NA SOCIEDADE INFORMACIONAL “Intellectual property rights are justified using different

2.3 AS TEORIAS QUE JUSTIFICAM OS DPIS NA CONTEMPORANEIDADE

2.3.2 Teoria do Trabalho ou Lockeana

A segunda das quatro teorias que buscam justificar a existência dos DPIs é baseada sobre o pensamento de John Locke, principalmente no que diz respeito à sua concepção acerca da propriedade. A teoria do trabalho tem sido utilizada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, a qual frequentemente destaca a importância de se recompensar os autores ou os inventores pelo trabalho intelectual desenvolvido. A mesma posição tem sido acolhida pela jurisprudência brasileira, conforme levantamento feito por Barcellos (2006) em dissertação de Mestrado que tem por objetivo analisar como as teorias aqui referidas são recepcionadas pelo sistema jurídico brasileiro.

A concepção de Locke sobre o direito de propriedade é retirada da leitura do capítulo V, da obra Segundo Tratado sobre o Governo. Neste capítulo, Locke (1974, p. 51) tem por objetivo mostrar como os homens podem ter uma propriedade individual dentro daquilo que Deus deu à

Humanidade em comum, sem qualquer pacto expresso entre todos os membros da comunidade. Ao descrever um estado de natureza em que os bens são mantidos em comum por meio de uma doação de Deus, Locke explica que tais bens, no entanto, não podem ser apreciados em seu estado natural e compete ao homem converter esses bens em propriedade privada por meio do exercício do trabalho. Para Locke (1974), o trabalho justifica a propriedade privada sem a necessidade de consentimento dos demais quanto à apropriação do que antes era de todos em comum, pois é o trabalho que retira a coisa do estado comum em que se encontrava e fixa a propriedade privada sobre ela. Hughes (1988, p. 7), no entanto, afirma que Locke, embora apresente o trabalho como condição essencial para a aquisicão da propriedade, não explora este conceito ao longo de sua teoria, a qual se constrói em grande medida a partir da caracterização do trabalho em termos negativos.

Nessa perspectiva, a aquisição da propriedade privada surge como um processo de individuação. A propriedade é adquirida a partir daquilo que é inconfundivelmente de caráter individual: a energia pessoal despendida pelo homem, ou seja, o seu trabalho. Desse modo, sob tal abordagem, todas as coisas podem ser apropriadas de acordo com o esforço e a energia que o indivíduo despende para obtê-la. Quanto a esse aspecto, Locke (1974, p. 51-2) esclarece que:

Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. O trabalho do seu corpo e a obra das suas mãos, pode dizer-se, são propriamente dele. Seja o que for que retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se-lhe algo que lhe pertence, e, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele. Retirando-o do estado comum em que a natureza o colocou, anexou-lhe por esse trabalho algo que o exclui do direito comum de outros homens. Desde que esse trabalho é propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito ao que se juntou, pelo menos quando houver bastante e igualmente de boa qualidade em comum para terceiros. [grifo nosso]

Como pode se observar no trecho supracitado, ideia de propriedade em Locke gera o questionamento sobre se haveria algum limite nessa possibilidade de apropriação individual sobre os bens comuns. Nesse sentido, a parte final da citação afirma que, embora os indivíduos tenham o direito de se apropriar da natureza em virtude do seu trabalho, eles podem fazê-lo apenas enquanto for possível “preservar o suficiente e igualmente bom para os demais”. Portanto, a moderação no uso dos bens comuns revela-se como uma forma de respeitar o igual direito alheio. Esta é a ideia que embasa o proviso lockeano34 tal como formulado por Nozick

(1991), o qual explica que a aquisição da propriedade por meio do trabalho é legítima se, e somente se, as outras pessoas não sofrerem qualquer dano, como, por exemplo, tornarem-se mais pobres do que teriam sido sob um regime que não permita a aquisição de propriedade por meio do trabalho ou uma constrição do conjunto de recursos disponíveis para o seu uso. Esta leitura pode ser retirada do seguinte trecho de Locke (1974, p. 53):

Nem esta apropriação de qualquer parcela de terra mediante melhoramento importava em dano a qualquer pessoa, desde que ainda havia de lado bastante e de boa qualidade, e mais do que os que ainda não possuíam um trecho pudessem usar. E sorte que, de fato, nunca ficou de lado menos para os outros por causa dessa separação para aquele; pois quem deixa tanto quanto outro pode utilizar procede tão bem como se nada tomasse. Ninguém se julgaria prejudicado porque outro homem bebesse, embora fosse longo o trago, se dispusesse de um rio inteiro da mesma água para matar a sede; e o caso da terra e da água, quando há bastante para ambos, é perfeitamente o mesmo.

34 O proviso lockeano, em português as vezes traduzido como a "condição lockeana", foi cunhado pelo filósofo político libertário Robert Nozick (1991, p.197-201), na obra já citada Anarquia, Estado e Utopia. Para desenvolvê-lo, Nozick utilizou-se das ideias elaboradas por Locke em seu Segundo Tratado do Governo. A partir da ideia de propriedade privada legitimada pelo trabalho exposta por Locke, Nozick elaborou o proviso como um critério para determinar o que torna essa aquisição de propriedade justa.

A condição do “suficiente e tão boa condição”, segundo Hughes (1988, p. 7) protege a justificativa do trabalho de Locke contra qualquer ataque que tente afirmar que a propriedade introduz desigualdades imorais. Mas, Locke ainda prevê uma outra limitação à possibilidade de apropriação por meio da introdução da condição de não-desperdício (também denominada de segundo proviso lockeano). Esta condição proíbe acumulação da propriedade. O seguinte trecho de Locke (1974, p. 53) é exemplificativo:

A isto talvez se objete que ‘se colher bolotas ou outros frutos da terra, etc., dá a eles direito, então qualquer um pode açambarcar tanto quanto queira.’ Ao que respondo: Não é certo. A mesma lei da natureza que nos dá por esse meio a propriedade também a limita igualmente. ‘Deus nos deu de tudo abundantemente” (I Tim 6, 17) é a voz da razão confirmada pela inspiração. Mas até que ponto no-lo deu? Para usufruir. Tanto quanto qualquer um pode usar com qualquer vantagem para a vida antes que se estrague, em tanto pode fixar uma propriedade pelo próprio trabalho; o excedente ultrapassa a parte que lhe cabe e pertence a terceiros.

Portanto, de acordo com Locke (1974, p. 58), a tudo quanto a natureza fornece em comum, qualquer pessoa tem direito, nas quantidades de que possa usar, adquirindo a propriedade sobre tudo o que pode levar a efeito pelo seu trabalho, sem causar danos aos demais. A partir das duas condições (provisos), Drahos (1996, p. 43, tradução livre) sintetiza as proposições fundamentais do pensamento de Locke da seguinte forma:

1 Deus deu o mundo para as pessoas. 2 Cada indivíduo tem uma propriedade em sua própria pessoa. 3 O trabalho de uma pessoa pertence a ela. 4 Sempre que uma pessoa misturar o seu trabalho a algo do comum, ele torna isso sua propriedade. 5 O direito de propriedade é condicional ao fato de que a pessoa ainda deixe o ‘suficente e tão bom’ para os demais. 6 Uma pessoa não pode tomar mais do

comum35 do que ela pode utilizar para o seu

proveito.36

Desse modo, essa perspectiva baseia-se na proposição de que a pessoa que trabalha e despende esforços sobre determinados recursos sem dono ou mantidos em comum, tem o direito natural à propriedade dos frutos de seus esforços e ao Estado compete garantir e fazer valer esse direito natural. Essa premissa do pensamento de John Locke tem sido amplamente utilizada para sustentar os DPIs, uma vez que as matérias- primas pertinentes (fatos e conceitos) ao campo da propriedade intelectual são retiradas dos bens comuns e o trabalho sobre esses recursos é que contribui para o valor dos produtos intelectuais (FISHER, 2001).

No entanto, a teoria cria uma problemática que se centra em saber por qual razão o trabalho sobre um determinado recurso mantido em comum deve autorizar o trabalhador a deter um direito de propriedade sobre o recurso em si. Ao longo do capítulo V do Segundo Tratado sobre o Governo Locke (1974) responde a essa pergunta a partir de seis perspectivas distintas, as quais são sintetizadas por Fisher (2001) da seguinte forma:

a) a razão natural determina que o homem tem o direito à sua preservação e a única forma de realizar tal objetivo ocorre por meio da apropriação individual dos materiais necessários para sua sobrevivência. Dessa forma, permite-se que os bens pertençam àquele que lhes dedicou o próprio trabalho. Por isso:

[...] o peixe que alguém apanha no oceano, este grande comum da Humanidade que ainda resta, ou o âmbar que qualquer um dele recolhe, tornam-se propriedade daquele que teve o trabalho de apanhá-

35 Neste trecho opta-se pela utilização do termo comum e não recursos comuns porque se entende que esta noção econômica não condiz integralmente com o comum referido na teoria lockeana, o qual é explicado no desenvolvimento do próprio texto.

36 Tradução livre de: “1 God has given tthe world to people in common. 2 Every person has a property in his own person. 3 A person’s labour belongs to him. 4 Whenever a person mixes his labour with something in the commons he thereby makes it his property. 5 The right of property is conditional upon a person leaving in the commons enough and as good for the others commoners. 6 A person cannot take more out of the commons than they can use to advantage.”

los, pelo esforço que os retira daquele estado comum em que a natureza os deixou. (LOCKE, 1974, p. 52)

b) a obrigação religiosa complementa a assertiva acima, uma vez que além da razão, Deus, ao dar o mundo em comum a todos os homens, também ordena que eles trabalhem. Constitui dever do homem, portanto, dominar a terra, isto é, melhorá-la para benefício da vida e nela dispor algo que lhe pertence, ou seja, o seu próprio trabalho. Nos termos de Locke (1974, p. 43), “aquele que, em obediência a esta ordem de Deus, dominou, lavrou e semeou parte da terra, anexou-lhe por esse meio algo que lhe pertencia, a que nenhum outro tinha direito, nem podia, sem causar dano, tirar dele”;

c) a soberania individual revela-se na concepção lockeana de que “[...] cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo” (LOCKE, 1974, p. 51). Desse modo, a propriedade revela-se pelo trabalho do seu corpo e pela obra das suas mãos, assim, seja o que for que o homem retire do estado que a natureza lhe forneceu, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, gerando o direito de propriedade;

d) o valor moral do trabalho determina que, como o mundo foi feito para o benefício da humanidade e a maior conveniência da vida humana, não é possível supor que ele devesse ficar sempre em comum. Por conseguinte, constitui dever moral do homem transformar o mundo ao seu redor através do seu trabalho;

e) o senso de proporcionalidade decorre da assertiva de que o trabalho, conforme Locke (1974), provoca a diferença de valor em tudo quando existe, ou seja, a maior parte do valor das coisas úteis para os homens não deriva do valor das matérias-primas das quais elas são feitas, mas a partir do trabalho despendido em cima delas. Nos termos de Locke (1974, p. 57), “[...] o trabalho constitui a maior parte do valor de tudo quanto gozamos no mundo”;

f) a transformação produtiva, a qual refere-se ao fato de que, através do trabalho sobre a terra ou outros recursos comuns, o trabalhador modifica a sua natureza selvagem e a transforma, domesticando-a. Essa transformação acarreta uma mais-valia da qual resulta o dever de recompensa para o trabalhador.

Para Fisher (2001), a aplicação da teoria de Locke ao campo da propriedade intelectual depende de qual dos argumentos acima explicitados será tomado como principal. Se, por exemplo, os argumentos

quanto ao valor moral do trabalho e o senso de proporcionalidade são evidenciados, o pensamento de Locke parece fornecer um forte apoio para a maioria dos tipos de propriedade intelectual. Afinal, a maioria dos autores e inventores trabalha arduamente para produzir bens intelectuais. Este trabalho intelectual é tipicamente uma colaboração muito mais relevante para o valor total de suas criações do que as matérias-primas a que recorreram.

Por outro lado, salienta-se que os argumentos quanto à razão natural e à obrigação religiosa não são suficientemente fortes para sustentar os DPIs, uma vez que o acesso aos bens intelectuais não é necessário para a sobrevivência, bem como a sua utilização não é exclusiva, mas podem ser utilizados por um número infinito de pessoas, simultaneamente ou em sequência, sem que isso comprometa a integridade do bem. Portanto, afirmar que a teoria do trabalho fornece suporte para quaisquer DPIs é incerto, pois isso depende de quais aspectos da teoria original são dominantes.

Fisher (2001) ainda aponta outro problema quanto à aplicação da perspectiva lockeana para a justificação dos DPIs, qual seja: o que deve caracterizar o trabalho intelectual? Segundo o autor, existem no mínimo quatro respostas viáveis: a) o tempo e o esforço (ex: as horas despendidas diante do computador ou no laboratório); b) a realização de uma atividade sobre a qual haveria preferência de não se envolver caso não houvesse uma recompensa (ex: horas gastas numa gravação em estúdio enquanto se poderia estar velejando); c) a realização de uma atividade que resulte em benefícios sociais (ex: trabalho sobre invenções de valor social); e d) o desenvolvimento de atividade criativa (ex: produção de novas ideias). A opção por cada uma dessas respostas, segundo Fisher (2001) pode levar a consideráveis diferenças no que tange ao entendimento sobre os DPIs.

A terceira opção sugere que seria necessário insistir, antes de emitir uma patente ou outro DPI, acerca da real utilidade da invenção apresentada. A segunda resposta aconselharia a não conferir DPIs para artistas que realizam suas atividades porque gostam do seu trabalho ou o fazem por simples prazer. A quarta sugeriria que a lei de direitos autorais também deveria passar a exigir o requisito da não-obviedade ao conferir DPIs sobre as criações. Essa variabilidade certamente acarreta dificuldades quanto à aplicação desta teoria ao campo dos DPIs. Fisher (2001) acredita que a primeira resposta (o tempo e o esforço) seja a mais próxima de uma interpretação da teoria de Locke, embora este autor não tenha se dedicado à uma análise da propriedade intelectual. Justin Hughes

(1988), por sua vez, sustenta que os argumentos vinculados à ideia do trabalho intelectual revelam-se na (b) realização de uma atividade sobre a qual haveria preferência de não se envolver caso não houvesse uma recompensa e na (c) realização de uma atividade que resulte em benefícios sociais.

Considerando o posicionamento de Hughes (1988), é importante ressaltar a sua leitura dos DPIs sob a ótica da teoria lockeana, a qual pode ser sintetizada a partir de três proposições, que serão detalhadas a seguir: a) a produção de ideias requer o trabalho de uma pessoa; b) as ideias são apropriadas a partir de um comum que não é significativamente desvalorizado pela remoção dessa ideia para a esfera individual; e c) as ideias podem ser apropriadas sem violar a condição de não-desperdício.

Portanto, o primeiro ponto a ser analisado consiste em questionar (a) o quanto a produção de ideias requer o trabalho de uma pessoa. Hughes (1988) inicia esta discussão afirmando que, na concepção de Locke, o trabalho é visto como algo que as pessoas evitam ou querem evitar, ou seja, o trabalho é algo que elas não gostam, mas com o qual se envolvem por dever. Tem-se, dessa forma, uma visão negativa do trabalho, o qual é desagradável o suficiente para que as pessoas o façam apenas na expectativa de obter benefícios.

Nesse contexto emerge, segundo Hughes (1988, p. 10), uma separação entre a proposição normativa e a proposição instrumental da teoria do trabalho. A primeira (a proposição normativa) dispõe que o desconforto do trabalho deve ser recompensado com a propriedade. O dever, neste caso, surge como um imperativo moral ou ético, não se baseando em qualquer análise quanto aos efeitos da criação dos direitos de propriedade. Diversamente, a segunda (a proposição instrumental) relaciona-se diretamente com os efeitos da criação dos direitos de propriedade. Neste caso, a ideia consiste em recompensar o dissabor do trabalho porque as pessoas devem sentir-se motivadas a realizá-lo. De acordo com o autor, as duas proposições podem coexistir, mas também não se exige a aceitação de uma em relação à outra. Na prática, porém, as duas não apenas coexistem, como também o argumento instrumental costuma ser tratado como uma prova do argumento normativo. Nesse sentido, Hughes (1988, p. 11) revela que o argumento instrumental claramente domina os pronunciamentos oficiais norte-americanos, tanto sobre direitos autorais, como sobre patentes.

A ampla aceitação do argumento instrumental, na visão de Hughes (1988, p. 11), revela uma forte aceitação da premissa de que a atividade que envolve o desenvolvimento de ideias (atividade intelectual) consiste

numa atividade suficientemente desagradável, e, desse modo, deve contar como trabalho que requer a indução de uma recompensa. Não obstante, este argumento torna-se frágil diante do fato de que o ato de criar obras intelectuais pode também ser um ato neutro, ou até mesmo agradável. Neste caso, sob a perspectiva lockeana, como ficaria a proteção das obras que fossem resultado de um trabalho agradável? Neste caso deve ser negada a proteção?

Dentro dessa mesma perspectiva, pode-se também argumentar a partir da teoria do valor agregado. Trata-se de uma proposição que assegura que, quando o trabalho produz algo de valor para os outros – algo além do que a moralidade exige que o trabalhador produza – o trabalhador merece receber algum benefício pelo trabalho realizado. Trata-se de um argumento facilmente encontrado no âmbito da propriedade intelectual. Nesse sentido, costuma-se encontrar posições baseadas sobre a ideia de que o valor adicionado à sociedade por meio do trabalho intelectual merece ser recompensado. Aqui também é possível identificar uma linha instrumentalista, a qual se baseia no argumento de que as pessoas irão agregar valor ao comum somente se alguns dos valores acrescentados reverterem a elas, considerando-se, portanto, a motivação dos sujeitos. Em paralelo, também se verifica a existência de uma linha normativa, diante da qual se estabelece que as pessoas devem ser recompensadas pelo tanto de valor que acrescentam à vida de outras pessoas, não importando o quanto tais pessoas estejam motivadas por tais recompensas.

Conforme Hughes (1988, p. 15) a interpretação dos dois aspectos acima mencionados – a visão negativa do trabalho em Locke e a teoria do valor agregado – têm focos muito diferentes. Enquanto a primeira argumenta que o trabalho, por sua natureza, é desagradável, a segunda não se preocupa com a natureza geral do trabalho, que pode ser agradável ou desagradável. Assim, a teoria do valor agregado pode explicar porque o trabalho justifica a existência da propriedade no plano social, enquanto a teoria da visão negativa acerca do trabalho justifica a propriedade no plano individual.

Não obstante, em que pesem tais justificativas, uma análise da propriedade intelectual sob a perspectiva lockeana não deixa de questionar um aspecto de fundo relevante: atualmente, até que ponto a produção dos bens intelectuais exige ou não trabalho? A resposta a esta questão, para Hughes (1988), deve considerar que a criação de um produto intelectual geralmente é entendida como um processo formado

por duas etapas. Assim, um primeiro passo consiste em pensar a ideia (utilizada aqui no sentido usual de senso criativo ou de noção original) e um segundo passo corresponde ao trabalho necessário para empregar a ideia na realização do bem intelectual. Estes dois passos representam a diferença entre ideia e execução. Contudo, na produção do bem intelectual, essas duas etapas nem sempre são facilmente identificáveis.

Hughes (1988), explica que em face da visão platônica, as ideias são pré-existentes e o trabalho principal consiste em transportá-las do etéreo mundo das ideias para o mundo real. Desse modo, a única atividade possível é a execução, que consiste no transporte, na tradução e na comunicação da ideia em um formato que os seres humanos tenham acesso. Os regimes existentes de propriedade intelectual, tradicionalmente, garantem DPIs apenas para aquelas ideias que tenham recebido substancial execução. Dessa forma, a execução surge como o processo de desenvolver a ideia, e, portanto, é por meio dela que se verifica o trabalho. O trabalho define a execução como aquilo que deve ser recompensado e é isto o que justifica a proteção do trabalho intelectual pelos DPIs. É por isso que, normalmente, atribui-se os DPIs às criações/invenções a partir da sua execução (denominada muitas vezes de expressão) e não à ideia em si.

As questões acima levam à necessidade de analisar o segundo ponto ressaltado por Hughes (1988) quanto à aplicação da teoria lockeana