• Nenhum resultado encontrado

Capítulo V – Apresentação e Discussão dos Resultados

2. As reflexões das estagiárias sobre as intervenções que foram protagonizando no decurso

2.3 Relações com as colegas de estágio

Através desta categoria organizamos os discursos onde se perceciona a importância que as estagiárias atribuíram às interações com os seus pares e as mais-valias que daí resultaram. Trata-se de discursos que emergem, sobretudo, nas segundas auto e heteroscopias, sendo possível destacar-se a importância que, no âmbito daquelas interações, se atribui à:

a. partilha de medos e erros;

b. partilha de conhecimentos e aprendizagens;

c. cooperação com as colegas.

As auto e heteroscopias assentaram na análise das propostas pedagógicas desenvolvidas por cada estagiária, originando momentos de exposição individual das inseguranças e fragilidades pessoais o que, naturalmente, pode causar constrangimentos e ser inibidor de experienciar propostas pedagógicas desafiantes, que se afastem da zona de conforto de cada um, já que a possibilidade de exposição ao erro é maior. É esta situação que constitui o objeto de reflexão de uma das estagiárias na 1AH.

“(…) fez-me refletir sobre a forma como abordo estas questões, ou seja, quando estou sujeita a avaliação tendo a “fugir” para a minha área de conforto.(…) Assim, no futuro, devo (…) demonstrar mais as minhas fraquezas de modo a puder aprender com os erros melhorando as minhas capacidades como profissional” (excerto reflexão-1AH, estagiária V, 19/02/2014).

É nos depoimentos subsequentes às segundas auto e heteroscopias que se compreende melhor a reflexão sobre a importância de não ter medo de expor as suas fragilidades pessoais e medos. A possibilidade de cada estagiária expor e refletir sobre os seus medos e inseguranças no grupo de colega estagiárias e supervisora, a constatação de que os receios e dificuldades eram comuns a todas, fê-las sentir-se parceiras na aprendizagem e contribui para a existência de cumplicidades, para estreitar de laços afetivos que uniram o grupo na discussão e resolução de problemas e na desmitificação da ideia punitiva do erro.

Outro momento relevante que reitera a riqueza da partilha e análise das práticas vividas em contextos diferentes, aconteceu em abril de 2014, nas auto e heteroscopias

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias: Instituto de Educação

172 realizadas com as estudantes do mestrado em Educação Pré-Escolar e as do mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico (perfil 3)25 ,vindo confirmar que os medos e inseguranças fazem parte do processo de iniciação à prática profissional de qualquer estagiária independentemente da especificidade do contexto.

“Este facto que se passou com a colega ocorre várias vezes, também já passei pelo mesmo” (excerto reflexão-2AH, estagiária H, 30/04/2014).

“Relativamente à visualização das autoscopias posso dizer que mais uma vez estas visualizações são importantes, pois permitem a tomada de consciência de alguns erros que eu possa cometer durante o exercício das minhas atividades” (excerto reflexão-2AH, estagiária MP, 30/04/2014).

“Desta forma, ouvir perspetivas vindas de outras pessoas na mesma situação que me encontro, foi uma mais-valia para mim, pessoalmente e profissionalmente” (excerto reflexão-2AH, estagiária MB, 30/04/2014).

“(…) a P proporcionou-nos uma interação entre os dois perfis, discutindo ideias, realidades e até mesmo dificuldades que cada uma tem. Foi possível verificar que apesar de os contextos serem diferentes e cada estagiária apresentar um diferente desenvolvimento e diferentes personalidades, foi possível constatar que os medos, receios, angústias são idênticos de uma pessoa para a outra” (excerto reflexão-2AH, estagiária I, 30/04/2014).

Importa salientar que as estagiárias do mestrado em Educação Pré-Escolar já estavam desde setembro em estágio e portanto o momento em que aconteceu esta OT, a um mês do quase no término do estágio, foi intencional pois as estagiárias já se sentiam mais seguras e à vontade para a apresentação das auto e heteroscopias perante as colegas do perfil 3.

Uma nota de campo da investigadora testemunha esta ideia:

“A pedido das estudantes do Perfil 3 realizou-se esta OT conjunta tenho a oportunidade de assistir às auto e heteroscopias das estudantes do Perfil1, conforme seu desejo, pois nunca tinham assistido e já tinham ouvido falar desta estratégia pelas colegas do perfil1. Foi interessantes as estudantes do perfil1 dizerem que não havia qualquer problema em as colegas assistirem. Diziam que se fosse no início não era desejável mas agora depois de já terem feito várias (a delas e a das colegas), já estavam à vontade e não lhes custa nada. Até era

25

A realização de uma OT com estagiárias do mestrado em Educação Pré-Escolar e as do mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico decorreu de um pedido das estagiárias do Perfil 3 em conhecer a estratégia das autoscopias, pois, tinham ouvido falar da mesma pelas colegas do mestrado em Educação Pré-Escolar. Auscultadas e, com a anuência destas última, efetivou-se a OT conjunta com a finalidade de partilhar experiências de estágio e, por outro lado, dar resposta à solicitação. Importa referir que as estudantes dos dois mestrados tinham em comum a mesma supervisora e encontravam-se a realizar o estágio no contexto de jardim de infância. As estudantes do mestrado do perfil 3 apenas tinham apenas iniciado o seu estágio em fevereiro, pois o seu estágio acontece apenas durante o 2.º semestre, enquanto que as do mestrado em Educação Pré-escolar realizam estágio durante um ano letivo.

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias: Instituto de Educação

173

interessante as colegas aprenderem a utilidade desta estratégia, segundo a sua opinião.(…) Foram vários os testemunhos das estagiárias do perfil3:

– Considero que esta orientação tutorial foi uma mais-valia para mim porque a troca de informações e de ideias é muito importante. As colegas do perfil 1 como já estão em estágio desde Setembro, têm mais experiência e mais trabalho realizado. ao contrário de nós que só iniciamos em fevereiro. Esta troca de experiências é enriquecedora para o nosso conhecimento e até podemos colocar algumas ideias em prática (estudante 5 perfil3)” (Nota de campo – NC4OT, 30/04/2014).

Não é possível dissociar estas reflexões do facto de estarmos perante momentos de partilha e aprendizagem entre colegas, resultantes da análise e reflexão das visualizações das atividades filmadas. Daí que se afirme que :

“O processo de visualização de autoscopias permite uma troca de aprendizagens e conhecimentos capaz de abrir horizontes” (excerto reflexão-2AH, estagiária S, 21/05/2014).

“A visualização da autoscopias torna-se positiva no sentido em que enriquece o meu perfil quer pessoal quer profissional. Para mim torna-se de tal forma positiva, visto que, as actividades das colegas tornam-se consideráveis logo experimentei na minha sala; No final das visualizações, uma vez que estavam presentes as colegas do perfil 3 deu-se um momento de partilha (…) foi um bom momento de partilha de informação, conhecimento e entreajuda” (excerto reflexão-2AH, estagiária H, 30/04/2014).

“A autoscopia é um método precioso para um educador. O facto de podermos rever as atividades que dinamizamos e detetar os aspetos que falharam faz-nos crescer a nível pessoal e profissional. Alerta-nos para estarmos mais atentas e melhorar progressivamente a nossa prática diária” (excerto reflexão-2AH, estagiária MB, 7/03/2014).

“Esta orientação tutorial juntou as duas turmas de perfis diferentes, mas com objetivos comuns. A partilha de experiências, saberes e opiniões auxiliou ambos os grupos a refletir sobre a sua prática, com o intuito constante de melhorar. É importante salientar que foi muito benéfico para mim enquanto aluna, ouvir as diversas sugestões que foram sido comentadas para o melhoramento da atividade” (excerto reflexão-2AH, estagiária MB, 30/04/2014).

“Tendo em conta as autoscopia visionadas na OT, estas proporcionaram momentos de partilha, mas acima de tudo de ensino/aprendizagem” (excerto reflexão-2AH, estagiária A, 30/04/2014).

Se a partilha de conhecimentos e as aprendizagens subsequentes constituíram um aspeto relevante do ciclo formativo, onde se enquadram as auto e heteroscopias, interessa valorizar, neste âmbito, a experiência de cooperação que tal situação configura. Trata-se de um aspeto do processo de supervisão que é valorizado por uma das estagiárias.

“A visualização de autoscopias de outras colegas permite uma cooperação, ou seja, é possível observar a postura das colegas e aprendendo com elas, melhorando assim a nossa prática” (excerto reflexão-2AH, estagiária A, 9/04/2014).

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias: Instituto de Educação

174 Uma nota de campo da investigadora reitera os depoimentos anteriores das estagiárias e releva a importância das relações de colegialidade que caraterizaram os momentos de OT. Constatamos que, a problematização das práticas e da ação constitui uma propriedade fundamental na construção da identidade profissional das futuras educadoras:

“As estagiárias do perfil1 revelaram muita segurança e assertividade na apresentação da filmagem da atividade (parecia que estavam a expor um trabalho para as colegas). Sem qualquer receio realizaram as autoscopias e heteroscopias. Falaram das intencionalidades educativas e dos aspetos que consideraram positivos, salientando os aspetos a melhorar. As colegas do perfil 3 ouviram e colocaram algumas questões, mostrando-se curiosas e simultaneamente surpresas. Deram os parabéns às colegas e algumas referiram que tinha sido um momento de grande enriquecimento e de extrema importância” (Nota de campo – NC4OT, 30/04/2014).

Uma reflexão do portfólio de uma estagiária sublinha os aspetos que temos vindo a referir.Salienta a consciencialização dos progressos como uma consequência da partilha de saberes e experiências que aconteceu na OT conjunta realizada com as colegas do outro mestrado.

“Relativamente à OT realizada em conjunto com as estagiárias do perfil3 devo realçar a partilha de informação que me fez ter uma maior perceção de toda a evolução do meu percurso ao longo deste ano e ainda que, todas as dúvidas que se faziam sentir numa fase inicial revejo-as agora nas minhas colegas. Perante isto, tentamos de alguma forma ajudá-las a ultrapassar alguns obstáculos, partilhando alguns acontecimentos já vividos, e ainda perceber como está a decorrer a sua experiência” (excerto reflexão, estagiária J, 29/04/2014).

Foi, provavelmente, o clima de cooperação e o ambiente de apoio e de ajuda mútua, suscitado pelo mesmo, fortalecendo o estabelecimento de redes de suporte emocional no interior do grupo, constituído pelas dez estagiárias e a supervisora, que explica quer a possibilidade de aprendizagem, já referida, quer, neste âmbito, a possibilidade de superar os medos decorrentes da partilha dos erros.

2.3.1 Síntese

Vários investigadores têm sublinhado a importância da formação se desenrolar em contextos colaborativos (Alarcão, I. & Roldão, M. C. 2009; Johnson & Johnson, 1987; Pawlas, G. & Oliva, P.2007; Simão, A., Flores, M., Morgado, J., Forte, A. & Almeida, T. 2009; Vieira, F.2010).

Ambientes marcados pela colaboração e cooperação promovem ”relações interpessoais positivas, o suporte social e a auto-estima” (Johnson & Johnson,1987, p.30).

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias: Instituto de Educação

175 Esta premissa aplica-se ao clima e rede de suporte emocional criado no interior do grupo, constituído pelas dez estagiárias e supervisora, tendo-se aproximado das características das comunidades de aprendizagem.

Concluímos assim, que as auto e heteroscopias permitiram que as estagiárias reconhecessem as vantagens da partilha, reconhecessem a similitude dos desafios e dificuldades que a iniciação à prática profissional lhes coloca. É evidente nas suas reflexões, o impacto formativo ao nível da sua forma de estar como pessoa e como futuras educadoras, através do confronto com as dificuldades e os medos experimentados, que terão que ser compreendidos como fatores a considerar no âmbito do seu processo de socialização profissional. Ou melhor, como fatores que terão que ser geridos no decurso de um tal processo.

A este propósito, convocamos o estudo de Lacey (1988) relativamente ao processo de socialização dos futuros professores quando confrontados com os desafios inerentes ao estágio e que nos serve de lente para compreender as mudanças decorrentes da transição estatutária de estudante a estagiária, que aconteceram com as estagiárias envolvidas neste estudo. Este investigador identifica quatro momentos que traduzem às diversas formas de adaptação dos estagiários: (i) lua de mel (o estagiário sente que tudo está a correr no bom sentido); (ii) realismo (o estagiário apercebe-se das competências que necessita e consciencializa-se de que tem de seleciona os métodos adequados às intervenções); (iii)

fase de crise (quando o estagiário começa a experienciar momentos de insucesso,

frustrantes e sente dificuldades em lidar com a complexidade do ato educativo) e (iv) fase de

maior maturidade (o estagiário aprende a enfrentar a complexidade e já lida melhor com os

insucessos) (Idem).

Podemos afirmar que se evidenciaram estes momentos ao longo do estágio, tendo- se observado várias estagiárias a conseguir revelar a “fase de maior maturidade” (Idem) ainda que apenas nos momentos finais do seu estágio.

Por fim, o facto desta dimensão das narrativas das estagiárias ter emergido com mais plenitude nas segundas auto e heteroscopias é algo que, de algum modo, pode expressar quer o quanto o grupo se constitui como comunidade, quer o quanto a qualidade da reflexão foi evoluindo, quer no que diz respeito aos temas quer no que diz respeito às possibilidades de exprimir pontos de vista, dado os vínculos, já referidos, que se foram estabelecendo entre os membros do grupo de estágio. Como se verificará, esta dimensão, através da qual se articula as possibilidades de aprender através da reflexão e o facto de

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias: Instituto de Educação

176 esta ocorrer no seio de um grupo que se afirma como uma comunidade, constitui um fator relevante quer para explicar a importância do dispositivo de formação que as auto e as heteroscopias mostraram ser, quer para contribuir para a reflexão sobre as condições do processo de desenvolvimento pessoal e profissional dos educadores de infância.

Documentos relacionados