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3 ESPECIFICIDADES DO PROGRAMA MAIS CULTURA NAS ESCOLAS NOS

4.1 Relações entre a crise capitalista e o advento das parcerias público-privadas:

A compreensão do contexto histórico que enseja a aproximação dos setores públicos e privados como supostos parceiros parte do pressuposto da impossibilidade de se por fim à contradição entre capital e trabalho, o que faz com que o sistema capitalista seja o catalisador de suas próprias crises. Para estabilizar o capital, atendendo suas necessidades, o Estado vai se modificando para cumprir com sua finalidade. Neste sentido, “[...] o Estado não é entendido como abstração, é construído por sujeitos individuais e coletivos em um processo histórico de correlação de forças” (PERONI, 2011, p. 24). As mudanças recentes na base produtiva provocam mudanças no âmbito do Estado. No caso do Brasil, a atualização do papel do Estado, a partir dos anos 1990, segue as orientações neoliberais.

A finalidade última das reformas é estabilizar as crises do sistema capitalista, a partir da ideia de que Estado e mercado não são polos antagônicos e o primeiro deve possibilitar o

desenvolvimento do segundo. Uma vez desestabilizado o sistema do capital, precisa-se recuperar sua ordem para, assim, continuar as suas relações mercadológicas dominantes na sociedade. Ou seja, as intervenções das estratégias políticas estão focadas em garantir a relação do Estado com o mercado. Diante disso, “[...] a burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, e, por conseguinte todas as relações sociais” (MARX, 2008a, p. 13).

O discurso oficial, entretanto, afirma que a crise, identificada como sendo do Estado, se define por três características: 1) crise fiscal; 2) exaustão do caráter estatal da intervenção do Estado, e 3) superação da organização da administração pública burocrática do Estado (BRASIL, 1995). Por isso a grande defesa da necessidade de reformas. No Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, de 1995, um dos significados da reforma requerida é assim apresentado:

Reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado. Daí a generalização dos processos de privatização de empresas estatais. Neste plano, entretanto, salientaremos um outro processo tão importante quanto, e que no entretanto não está claro: a descentralização para o setor público não-estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pela Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa cientifica. Chamaremos a esse processo de “publicização” (BRASIL, 1995, p. 12-13).

Defender que a crise se dá no âmbito do Estado é querer utilizar deste argumento para justificar as reformas que vêm se dando, seja por meio da privatização, seja por meio das parcerias público-privadas. Confirmando a estratégia acima, Lumertz (2011, p. 83) afirma que: “[...] o neoliberalismo coloca sobre o Estado a culpa pela crise, por isso, os governos que partilham dessa premissa passam a implementar ações para a reforma do Estado”.

A privatização é a estratégia escolhida pelo neoliberalismo para sobrepujar a crise situada no Estado,

[...] tanto porque [o Estado] gastou mais do que podia para legitimar-se, pois tinha que atender às demandas da população por políticas sociais, o que provocou déficit social, quanto porque, ao regulamentar a economia, atrapalhou o livre andamento do mercado (PERONI, 2012, p. 21).

A privatização é caracterizada por uma negociação em que o Estado vende os bens públicos e os serviços sociais ao setor privado, o qual se torna responsável pelo gerenciamento dessas “mercadorias” na sociedade, passando “[...] a exercer domínio de uso e de exploração do artigo vendido – como, quando e onde desejar” (CÊA, 2016, p. 25). A

resposta à crise por meio da privatização não conseguiu se sustentar, pois “[...] privatizar um dado setor público não levaria ao estabelecimento das almejadas relações concorrenciais (pois se manteria o monopólio da oferta sobre as mãos privadas), um choque de mercado no interior do Estado” (PERONI; ADRIÃO, 2007, p. 44).

Diante disso, a alternativa criada pelo Estado capitalista e, reproduzida pelo Estado brasileiro, consistiu na estratégia da Parceria Público-Privada e, consequentemente, da reforma do Estado, o que significou a implementação da lógica mercantil no interior da administração pública, porém – utilizando a linguagem dos reformistas – sem modificar a propriedade estatal da mesma, mas criando a propriedade pública não-estatal (BRASIL, 1995). É nesse contexto de reforma do Estado que as parcerias público-privadas aparecem como uma estratégia para manter o poder da intervenção do mercado nas políticas públicas, porém se utilizando do aparato do Estado. Neste sentido, Cêa (2016, p. 25) explicita o mecanismo de funcionamento da parceria público-privada:

No caso das parcerias público-privadas, o governo é o comprador e, como tal, deve de alguma forma pagar ao vendedor, necessariamente um ente do setor privado. Entre outras decisões, a negociação exige um acordo sobre como uma soma de dinheiro público se tornará dinheiro privado – e aqui tais parcerias diferem radicalmente da privatização. Assim, nada está sendo vendido pelo governo. O que quer que tenha sido comprado, o governo – o comprador – permanece imediatamente/diretamente como ente responsável pela definição das diretrizes gerais assim como pelo financiamento do bem ou oferta do serviço, a depender do objeto da parceria. O bem ou serviço constitui política de Estado e isso vale para a educação, no caso das ePPP. No entanto, tal política, quando manifesta, ou seja, quando em ato, resta submetida à gerência privada, visto que o contratado opera segundo princípios, ética, valores e práticas a ele subjacentes (CÊA, 2016, p. 25).

Apesar das diferenças apresentadas entre a privatização e as Parcerias Público- Privadas, mecanismos que sugerem práticas diferentes para superação da crise capitalista, ambas são estratégias do capital para superar a crise estrutural do capitalismo e atuam a favor do mercado, sob a orientação da lógica neoliberal (LUMERTZ, 2011; PERONI, 2012; ROBERTSON; VERGER, 2012). Além disso, as duas proposições priorizam o mercado em detrimento dos avanços sociais, pois propõem a saída da crise com base nos parâmetros do mercado para a gestão pública, instaurando uma gestão gerencial no Estado.

Ao refletirem sobre a relação entre entes públicos e privados, Robertson e Verger (2012, p. 1141) indicam que:

A ideia das parcerias, portanto, parece agir como um mecanismo útil, não apenas por colocar diferentes atores juntos e, por isso, diferentes grupos e diferentes tipos de conhecimento, mas por intermediar, mais do que mitigar ou mediar, a privatização

Nessa perspectiva, a parceria pode ser compreendida como uma maneira indireta de privatização do poder público e, especificamente, da educação pública. A parceria se coloca como mecanismo de mediação entre o Estado e o mercado, fazendo permanecer os serviços sociais como propriedade estatal, porém, passam a ser gerenciados pelos princípios do mercado (PERONI, 2012; ROBERTSON; VERGER, 2012).

Entende-se que as parcerias podem ser definidas como uma forma de privatização indireta (BALL; YOUDELL, 2007), no sentido em que a atuação do setor público, por meio da publicização, transforma uma empresa de direito privado em uma entidade do espaço público não-estatal, bem como os princípios do mercado orientam a administração pública. Em ambos os casos, as parcerias interpõem a autoridade privada na administração pública (ROBERTSON; VERGER, 2012). Nesse sentido:

[...] a gestão dos serviços públicos passa a ter enfoque na eficiência e no controle de resultados, legitimando o gerencialismo na gestão pública, com a premissa de que a lógica de gestão da esfera privada é mais eficiente do que a da esfera pública (LUMERTZ, 2011, p. 86).

Entretanto, cabe ressaltar nesta discussão que:

[...] reduzir as ePPP a mero instrumentos de privatização da educação pode, por um lado, obliterar ou ofuscar o fato de que parcelas consideráveis de aparelhos privados de hegemonia da classe trabalhadora vêm atuando fortemente como parceiros (CÊA, 2016, p. 27).

Esta ressalva ganha sentido principalmente quando estamos analisando o Programa Mais Cultura nas Escolas em Maceió, visto que o mesmo é uma política executada por meio de Parcerias Público-Privadas, envolvendo parcelas da classe trabalhadora, especificamente os trabalhadores da cultura, como veremos adiante.

Apesar de o PMCE revelar novidades no formato do estabelecimento da parceria, o programa foi um exemplo do funcionamento desta ferramenta de gestão, elaborada como estratégia, pela lógica neoliberal, para o desenvolvimento educacional no mundo e, principalmente, para superação da crise capitalista.

Nestes termos, as ePPP podem ser entendidas – e explicadas – como constituintes e constitutivas da nova economia política da educação. “Novo” no sentido de que o mercado tem sido promovido como a principal referência para documentar, organizar, estruturar e socializar um determinado projeto de educação, tornado dominante por meio de ações e crenças, intenções e conquistas, força intelectual e base moral. Portanto, as ePPP – desde o seu planejamento até seus resultados – têm

atuado como um componente estrutural distintivo da tentativa capitalista de superar sua crise atual (CÊA, 2016, p. 28).

Nesse sentido, as Parcerias Público-Privadas fazem parte de um projeto de sociabilidade burguesa universal, criadas como alternativa para a superação de problemas da atuação do Estado frente ao desenvolvimento socioeconômico dos países (NEVES, 2005; ROBERTSON; VERGER, 2012). Embora o estabelecimento de PPP não tenha diminuído os desafios do capital frente a uma de suas mais densas crises, essa forma de relação entre o Estado e a sociedade civil permanece como uma das principais políticas dos Estados nacionais, incluindo o Estado brasileiro (CÊA, 2016; ROBERTSON; VERGER, 2012; RUBIM; BARBALHO, 2007). No caso das políticas educacionais e culturais, a participação do setor privado, inclusive por meio de Parcerias Público-Privadas, é recorrente na execução e no financiamento de ambas as políticas (RUBIM; BARBALHO, 2007). Desta forma, pode-se afirmar que as Parcerias Público-Privadas, mais do que uma simples ferramenta de gestão, têm se tornado um componente estrutural das políticas educacionais (CÊA, 2016). Talvez seja possível inferir que esta realidade também se encontra no campo das políticas culturais.

Uma vez apontadas mediações entre a crise capitalista em curso, a necessidade de reforma do aparelho do Estado e o advento das Parcerias Público-Privadas, importa compreender articulações entre a experiência do Programa Mais Cultura nas Escolas em Maceió e o significado assumido por elas ao longo da execução do programa.

4.2 A Parceria Público-Privada como mecanismo da gestão gerencial no âmbito do