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5 A SUBORDINAÇÃO DA CULTURA ÀS PRERROGATIVAS DA EDUCAÇÃO NO

5.2 A reprodução da subordinação da cultura à educação no contexto da atuação da

5.2.1 Repercussões do Programa Mais Cultura nas Escolas: a relação da SEMED com a

O Manual de desenvolvimento do PMCE (BRASIL, 2015a) previa, além das Secretarias de Educação, a participação das Secretarias de Cultura, auxiliando as Iniciativas Culturais Parceiras na elaboração e execução dos projetos, bem como mediando a relação entre as ICP e as Secretarias de Educação.

Nas entrevistas, em nenhum momento os sujeitos participantes do programa citaram a participação, no caso de Maceió, da Fundação Municipal de Ação Cultural, órgão local responsável pela política de cultura. Inclusive, uma das reivindicações de dois representantes da Iniciativa Cultural Parceira foi a cobrança da participação daquele órgão no programa: “A

gente poderia tá ligado com a Fundação de Cultura, que é da prefeitura, é municipal. Faltou isso, ausência completa” (ICP 21.2) e, ainda, [...] mas com o Mais Cultura, eu acredito que deveria ter, assim, a cultura. A Secretaria de Cultura daqui deveria estar com a gente, que a gente tava só, entendeu? Assim, nós fizemos algo, a gente desafiou, foi atrás e fez [...] (ICP

1.1). Os relatos revelam que a experiência do PMCE reproduziu o mesmo padrão de distanciamento entre a cultura e a educação, como objeto da ação do Estado brasileiro. Pois, historicamente se vivenciou uma relação com dificuldades de diálogos, impossibilitando a atuação conjunta das políticas culturais e educacionais (RUBIM, 2007; CALABRE, 2007).

Porém, a atuação da FMAC na educação pública municipal, depois do PMCE, modificou-se, especialmente a partir da parceria entre a SEMED e o PNUD para a condução

da política educacional do município. Segundo a Prefeitura de Maceió50, esse organismo internacional “[...] atua no Município desde 2013, contribuindo para a construção participativa da Política Municipal de Educação”. A parceria entre a SEMED e o PNUD vem sendo materializada por meio das ações do Programa Viva Escola, fundamentadas em quatro pilares: infraestrutura; ações pedagógicas; recursos humanos, focando na formação continuada, e gestão, voltada para o fortalecimento da gestão escolar (DOREA, 2015). Em seu conjunto, as ações do Programa Viva Escola buscam agregar “[...] parceiros para as instituições escolares com a finalidade de aumentar os mecanismos de governança da gestão escolar” (MACEIÓ, 2016b, p. 17).

No que tange às mudanças no âmbito da gestão tanto da SEMED como das escolas, Paz e Braz (2017) indicam que têm sido obtidos:

[...] resultados pouco efetivos, por motivos de diversas ordens, tais como: restruturações políticas destoantes da realidade educacional; responsabilização dos gestores e da comunidade em promover melhorias que não lhes são atribuições; instrumentalizar o trabalho pedagógico; burocratizar ainda mais o trabalho escolar, dentre outros (PAZ; BRAZ, 2017, p. 16).

Dentre as ações da parceria SEMED/PNUD na área de gestão, duas delas merecem destaque neste estudo: a reforma administrativa da secretaria e a implantação da parceria entre a SEMED e a FMAC, ambas as ações ocorridas em 2017.

Com a reforma administrativa da SEMED, uma nova estrutura organizacional da SEMED foi estabelecida por meio do decreto municipal de nº 8.380, de 1° de fevereiro de 201751. Entre as mudanças ocorridas nos setores que implicam na reconfiguração das relações entre educação e cultura destacam-se: a) a extinção da Coordenação de Arte e Cultura52, antes vinculada à também extinta Diretoria de Gerenciamento Escolar, e a inclusão da FMAC como

50 Disponível em: < http://www.maceio.al.gov.br/2018/03/educar-com-arte-e-cultura-estimula-alunos-diz- pnud/>. Acesso em: 16 de maio 2018.

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De acordo com este decreto, a SEMED passou a ter a seguinte estrutura organizacional: I. Gabinete: a) Chefe de Gabinete; b) Assessoria Técnica. II. Secretaria Adjunta de Gestão de Educação: a) Diretoria de Gestão Educacional: 1. Coordenadoria Geral de Educação Infantil; 2. Coordenadoria Geral de Ensino Fundamental; 3. Coordenadoria Geral de Educação Especial; 4. Coordenadoria Geral de Educação de Jovens, Adultos e Idosos; 5. Coordenadoria Geral de Gerenciamento e Organização Escolar; 6. Coordenadoria Geral de Informação e Avaliação Escolar; 7. Coordenadoria Geral de Normas e Legislação; 8. Coordenadoria Geral de Programas Suplementares; 9. Coordenadoria Geral de Programas e Projetos Educacionais; e 10. Coordenadoria Geral de Centros e Núcleos. III. Secretaria Adjunta de Governança de Educação: a) Diretoria de Gestão Administrativa: 1. Coordenadoria Geral de Gestão Administrativa; 2. Coordenadoria Geral de Gestão de Pessoas; 3. Coordenadoria Geral de Gestão Orçamentária e Financeira; 4. Coordenadoria Geral de Gestão do Planejamento; e 5. Coordenadoria Geral de Gestão de Tecnologia da Informação. IV. Órgãos Colegiados 1. Conselho Municipal de Educação; e 2. Conselho Municipal de Alimentação Escolar. V. Órgão Vinculado 1. Fundação Municipal de Ação Cultural (MACEIÓ, 2017a).

52 As informações sobre a estrutura anterior da SEMED foram verificadas na página eletrônica da secretaria: < http://www.maceio.al.gov.br/semed/organograma/>. Acesso em: 12 ago. 2018.

órgão vinculado à SEMED; b) a extinção da Diretoria Geral de Ensino, que antes agregava etapas e modalidades da educação básica, e a criação da Secretaria Adjunta de Gestão de Educação, que passou a agregar 10 coordenadorias, entre elas a Coordenadoria Geral de Programas Suplementares53, que faz referência explícita ao desenvolvimento de atividades culturais e esportivas na rede municipal de ensino (MACEIÓ, 2017a).

É a partir da reestruturação administrativa da SEMED, fruto das orientações do PNUD, que se estabelece a parceria entre a SEMED e a FMAC e que se indica o desenvolvimento de atividades culturais como ação suplementar da política educacional.

Considerando informações sobre a SEMED e a FMAC prestadas pelos sujeitos entrevistados, é possível inferir que o duplo movimento indicado acima se relaciona com duas repercussões do Programa Mais Cultura nas Escolas: a primeira diz respeito à aprendizagem para trabalhar com programas da natureza do PMCE, pois o mesmo possibilitou a atuação conjunta de profissionais tanto da educação como da área cultural em atividades que abarcaram a educação e a cultura ao mesmo tempo; a segunda se refere à aprendizagem no estabelecimento de novas parcerias, o que significa a reprodução da estratégia política de realizar ações culturais na escola pública por meio de tal estratégia. Esta segunda repercussão, em especial, materializou uma das aspirações da parceria entre a SEMED e o PNUD para toda a rede pública, no que o PMCE pode ter sido uma experiência prévia significativa para a posterior aproximação entre a SEMED e a FMAC.

A parceria entre a SEMED e a FMAC tem como principal motivação a criação da Rede Municipal de Pontos de Cultura de Maceió nas escolas públicas deste município. A formação da referida rede é o objeto da parceria entre o MinC e a FMAC, oficializada pelo o

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O Decreto nº 8.380, de 1° de fevereiro de 2017, indica o seguinte: “Art. 16 À Coordenadoria Geral de Programas Suplementares, compete: I - estabelecer critérios para a aquisição, armazenagem, distribuição, conservação e preparo dos gêneros alimentícios usados na merenda escolar; II - acompanhar os contratos firmados com os fornecedores de gêneros alimentícios e de equipamentos e utensílios das cantinas das unidades escolares; III - acompanhar o processo de análise do controle de qualidade dos gêneros alimentícios; IV - contemplar a ampliação do tempo e do espaço educativo das escolas, pautada pela noção de formação integral e emancipadora, promovendo a articulação, em âmbito local, entre as diversas políticas públicas que compõem os Programas e outras ações que atendam às mesmas finalidades; V - coordenar, acompanhar, e avaliar as ações das Escolas de Educação Integral e jornada ampliada para escolas de tempo integral; VI - estabelecer políticas intersetoriais entre instituições assistência social, esporte e lazer e meio ambiente com vistas ao atendimento multidisciplinar dos alunos da Rede Pública Municipal de Ensino das Escolas de Tempo Integral; VII - estabelecer intersetorialidade com as diversas coordenadorias, núcleos e centro da Educação; VIII - garantir a implantação e implementação de programa, que tem como objetivo a ampliação da jornada escolar e a reorganização curricular, na perspectiva de Educação Integral em Tempo Integral, para uma aprendizagem inclusiva de qualidade e inovadora; IX - contribuir para a formação e o protagonismo de crianças, adolescentes e jovens com distorção idade/ano escolar retidos no ensino fundamental; X - acompanhar e promover atividades culturais e esportivas nas unidades escolares de tempo integral; XI - fomentar a participação das famílias e comunidades nas atividades desenvolvidas, bem como da sociedade civil, de organizações não governamentais e esfera privada; XII - fomentar a geração de conhecimentos e tecnologias sociais, inclusive por meio de parceria com universidades, centros de estudos e pesquisas, dentre outros” (MACEIÓ, 2017a, grifos nossos).

Edital nº 006/2017, o qual visa prestar assistência financeira, com recursos provenientes do Programa Cultura Viva, de 60 mil reais a 15 atividades propostas por entidades culturais sem fins lucrativos, sendo dada prioridade a projetos que visem a atuação com a rede municipal de ensino (MACEIÓ, 2017b).

Com estrutura similar àquela do Programa Mais Cultura nas Escolas, a iniciativa da Rede Municipal de Pontos de Cultura em Maceió foi citada por algumas das representantes das escolas. Uma delas, inclusive, se referiu à rede como uma reedição do Programa Mais Cultura nas Escolas: “A nossa escola não está participando, é uma iniciativa do município.

Então, já é algo que vem do Mais Cultura. Um redesenho. Uma reedição” (P1). A

representante da SEMED também citou a rede:

Iniciativa nossa, porque quando nós assumimos a coordenadoria, nós já tivemos contato com todas essas instituições para realmente fazer essas parcerias. Hoje a gente tem a parceria muito fortalecida com a FMAC, estamos iniciando agora em abril os pontos de cultura em 20 escolas. Quer dizer, é mais um passo pra que essa relação, esse encontro, cultura e educação, seja realmente solidificado, ou seja, concreto (Representante SEMED).

Além disso, a entrevistada informou que a experiência com o Programa Mais Cultura nas Escolas proporcionou um processo mais tranquilo de implementação de pontos de cultura nas escolas: “[...] quando a gente tá fazendo hoje esses pontos, a gente tá levando os pontos

de cultura pra escola. Eu acho que a gente já tá levando com menos dificuldade, do que quando a gente levou o Mais Cultura [...] (Representante da SEMED).

À primeira vista, parece ser uma iniciativa que visa construir uma relação equilibrada e efetiva entre a educação e a cultura, sem que esta esteja subordinada àquela. Entretanto, temos que avaliar a inserção do PNUD na política cultural e educacional de Maceió com mais cautela, pois esse movimento de parceria com organismos internacionais é integrante da lógica mundial do neoliberalismo. Cabe rememorar a discussão do capítulo 2 desta dissertação, o qual explicitou que a lógica neoliberal capitalista não investe na área cultural e educacional com objetivo de garantir a formação integral do sujeito e ampliar o seu “capital cultural”, mas, sim, qualificar a força de trabalho e formar mais consumidores da cultura para, desse modo, contribuir com o desenvolvimento econômico do país. Além disso, a parceria com os organismos internacionais abre espaço na política cultural e educacional para a atuação da sociedade civil na oferta destes serviços, bem como para atuação do setor privado, imprimindo na esfera pública a organização mercadológica de competitividade, eficiência e eficácia.

Fica explícito, até aqui, que a problemática da relação entre a educação e a cultura permeou a elaboração e realização do Programa Mais Cultura nas Escolas, estando a cultura, como objeto da política pública, subordinada à organização e à lógica da política cultural. Essa relação se complexifica ainda mais, como veremos a seguir, quando se considera a realidade dos projetos culturais nas escolas municipais de Maceió, uma vez que novas contradições são reveladas, em especial, a cultura escolar versus a cultura na escola.

5.3 A realização dos projetos culturais nas escolas municipais de Maceió do Programa