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As relações entre os modos de dizer dos estudantes o discurso científico escolar

CAPÍTULO 4. RESULTADOS, ANÁLISES E DISCUSSÃO

4.7. As relações entre os modos de dizer dos estudantes o discurso científico escolar

Nesta seção examinamos as relações que os estudantes estabelecem com o discurso científico escolar. Não analisaremos individualmente as produções escritas de cada grupo, mas selecionaremos trechos dessas produções que sejam representativas dos modos de dizer dos estudantes de acordo com as categorias de análise que utilizaremos. Direcionamos nosso

olhar para a diversidade dos modos de dizer dos alunos, buscando neles examinar as relações entre/com as “palavras alheias”, através de alguns modos de relação entre a palavra alheia e o sujeito falante descritas no capítulo 2: o assentimento, os entrelaçamentos, os questionamentos (FONTANA, 1996), e a indiferença (FREITAS & AGUIAR, 2009, 2010).

O assentimento é marcado nos enunciados dos estudantes pela utilização do discurso do professor na sua integridade, como um bloco homogêneo, sem entonações próprias nem marcas de individualização. Os seguintes enunciados foram extraídos das produções de três grupos, e são representativos da relação de assentimento dos estudantes ao discurso científico escolar.

“A luz não sai do nossos olhos ela vem do objeto, por isso conseguimos enxergar as estrelas, mesmo se estivermos num ambiente escuro, porque as estrelas são luminosa” (2º enunciado do Grupo 3).

“o olho não tem luz própria, nós vemos as estrelas a noite, porque elas emitem sua própria luz” (3º enunciado do Grupo 4).

“O olho é iluminado e não luminoso, ele não emite luz e sim recebe. ex: Enxergamos as estrelas porque elas possuem luz própria” (3º enunciado do Grupo 5).

Os três enunciados que escolhemos como representativos da relação de assentimento foram produzidos em resposta a segunda questão da atividade, na qual era solicitada aos estudantes explicações sobre as razões pelas quais os outros modelos foram rejeitados. A questão também solicitava aos estudantes argumentos (situações ou experimentos) que apoiassem suas afirmações.

No 2º enunciado do Grupo 3 observamos “ecos” do discurso o professor, que é o representante da “voz” da ciência escolar. No enunciado não há marcas de entonação próprias, pois os estudantes do grupo (como sujeitos da

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enunciação) não estão implicados no enunciado. A utilização do pronome e dos verbos na primeira pessoa do plural indica um plural majestático. A voz o professor ecoa no enunciado do grupo de modo homogêneo, sem articulação de outras vozes. A única voz que ecoa é a do professor quando esse explicara no Episódio 1 que a luz que nos permite ver os objetos deve vir deles e não do olho, e quanto utilizara essa premissa do modelo de luz e visão no Evento 2.2 para explicar porque conseguimos ver as estrelas, que são objetos luminosos.

O Grupo 4 também assente à voz do professor ao afirmar que “o olho não tem luz própria (...)”. A situação proposta pelo grupo para rejeitar o modelo 2 da atividade remete a um referente empírico – “(...) nós vemos as estrelas a noite (...)“ – que é explicado pelos estudantes por meio de um referente teórico – “(...) porque elas emitem sua própria luz” – utilizado pelo professor em seu discurso na sala de aula. Já o Grupo 5 deixa evidente essa explicação à rejeição do modelo 2. Os estudantes do Grupo 5 assentem à “voz” do professor ao afirmarem: “O olho é iluminado e não luminoso, ele não emite luz e sim recebe (...)”. O grupo procura exemplificar isso através das estrelas visíveis à noite – “(...) Enxergamos as estrelas porque elas possuem luz própria” – à semelhança do que é feito pelos outros grupos.

Nesses três enunciados que escolhemos como exemplos de relações de assentimento, a não implicação dos estudantes como sujeitos da enunciação nos dizem mais a respeito da sua posição institucional nas relações de ensino- aprendizagem do que dos próprios alunos. O plural majestático utilizado marca uma tentativa dos estudantes em demonstrar ao destinatário do seu discurso (o professor) um consentimento com o discurso alheio da ciência escolar. Nesse ponto, concordamos com Fontana (1996) que essas marcas nos permitem apontar não apenas “o quê” do discurso alheio do professor foi apreendido, mas “como” esse discurso foi ouvido.

Os entrelaçamentos são marcados por um rompimento da homogeneidade entre os modos de dizer dos estudantes e a “voz” alheia. Outra

voz aparece incorporada ao enunciado do estudante; uma “palavra própria” re- significando o dizer do professor. Nesse caso, o discurso do outro não é citado na sua integridade, como uma estrutura compacta e fechada. A voz do outro (do professor e da ciência escolar) aparece diluída no discurso dos estudantes e estes a re-significam em nível individual, para produzir suas asserções.

Estes são alguns enunciados representativos da relação de entrelaçamento:

“Se estivermos em um ambiente claro e o objeto estiver em um ambiente escuro não iremos exerga-lo, pois os nossos olhos não lançam em luz em direção o objeto” (2º enunciado do Grupo 3). “Podemos dizer que a opção 3 está incorreta, pois se houver um objeto em um ambiente onde a luz e houver uma pessoa em um ambiente que não há luz, a luz que reflete no objeto irá refletir no olho da pessoa possibilitando-a de ver” (4º enunciado do Grupo 2).

“Não concordamos com experiência do menino, porque é certo dizer que. Por exemplo pegamos um lanterna e direcionamos os raios de luz em um determinado objeto e assim o enxergamos mesmo nós estando no escuro” (4º enunciado do Grupo 4).

O primeiro enunciado foi produzindo pelo Grupo 3 em resposta à segunda questão, para rejeitarem o modelo 1 da atividade Avaliando Modelos. Há um “eco” da voz do professor nesse enunciado – a situação apresentada pelo grupo na qual um objeto, num ambiente escuro, não poder ser visto por uma pessoa, mesmo ela estando num ambiente iluminado. Essa situação fora utilizada pelo professor em uma explicação durante os eventos 1.3 e 2.1, na qual ele argumentara que um objeto só pode ser visto se dele vier luz em direção aos olhos de quem o observa. Em seu enunciado, o Grupo 3 incorpora a voz do professor por meio de um exemplo didático, mas muda o argumento do professor ao propor a situação como um possível experimento no qual se possa demonstrar que do olho não sai luz.

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Os outros dois enunciados dos grupos 2 e 4 foram produzidos em resposta, também, à segunda questão da atividade, para rejeitarem o modelo 3. O Grupo 2 está implicado no enunciado, o que é evidenciado logo no início pela utilização da primeira pessoa do plural – “Podemos dizer [nós, membros do grupo] (...)”. Em seguida, o grupo apresenta uma situação que também foi utilizada pelo professor no evento 1.3; a voz do professor ecoa no enunciado do Grupo 2. É interessante notar que, ao incorporarem a voz do professor no seu enunciado, o grupo (re)significa o conceito de reflexão da luz, em sua própria perspectiva. Para explicarem situação na qual uma pessoa, mesmo estando num ambiente escuro, pode ver um objeto que está em um ambiente iluminado, o grupo afirma que “a luz que reflete no objeto irá refletir no olho da pessoa (...)”. No contexto em que foi produzida essa asserção, o grupo utiliza a palavra refletir de duas maneiras distintas. Nesse trecho o grupo parece operar corretamente com o conceito científico de reflexão da luz (a luz que reflete no objeto). Entretanto, logo a seguir o grupo parece operar com outra idéia de reflexão, representando algo brilhante. A luz que irá refletir no olho da pessoa parece indicar algo que ilumina os olhos de um observador. Aqui, “refletir” parece significar algo que desencadeia a visão, algo que “revela” ao observador a imagem do objeto, e não a mudança na direção do raio de luz incidente em uma superfície.

De forma mais evidente, os estudantes do Grupo 4 se implicam no enunciado em resposta à segunda questão. Os alunos do grupo se posiciona em relação ao problema ao afirmarem: “Não concordamos com a experiência do menino (...)”. O “eco” da “voz” do professor está diluído no exemplo oferecido pelo grupo, que o apresenta como uma evidência de que a explicação do modelo 3 deva estar errada.

Os questionamentos caracterizam-se quando os modos de dizer do sujeito falante, por meio de uma “contra-palavra”, problematizam o discurso alheio. Do nosso ponto de vista, ainda acrescentamos uma quarta categoria: a

indiferença. Nesse modo de relação, os modos de dizer do estudante revelam um distanciamento ou desinteresse frente ao discurso alheio da ciência escolar.

Da análise das produções escritas dos estudantes, escolhidas para compor o material empírico deste trabalho, não encontramos relações de questionamentos nem de indiferença. Pela própria natureza da relação de questionamento, a sua ausência não é surpreendente. Por um lado ao produzirem seus enunciados, principalmente por escrito, numa atividade a ser entregue para avaliação do professor, os estudantes tendem a uma univocidade com o discurso do professor e da ciência escolar. A ausência de relações de indiferença pode ser devido ao bom relacionamento que os