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RELAÇÕES REGIONAIS DO CHIFRE DA ÁFRICA (1991-2001)

CENÁRIOS POSSÍVEIS

5 SEGURANÇA REGIONAL NO CHIFRE DA ÁFRICA NO PERÍODO PÓS-GUERRA FRIA (1991-2008)

5.2 RELAÇÕES REGIONAIS DO CHIFRE DA ÁFRICA (1991-2001)

Em âmbito regional, com a chegada ao poder dos grupos insurgentes (que se tornaram partidos governantes) na Etiópia e Eritreia, apoiados por Somália e Sudão, e das novas lideranças, como Meles Zenawi, Isaias Afewerki, e Omar al-Bashir, houve um breve período de détente (1991-1994) entre os países da região, caracterizado pelo adensamento das interações políticas e por diversas iniciativas regionais para a resolução dos conflitos e das crises políticas na região, bem como pelos processos de integração econômica envolvendo esses países272 (CLAPHAM, 1999; CLIFFE, 1999). Contudo, mesmo com o fim do apoio oficial etíope aos grupos insurgentes no Sudão e na Somália, e destes aos grupos insurgentes etíopes, questões como o colapso do Estado na Somália, a guerra civil em andamento no Sudão, a instabilidade política no Djibuti e os grupos insurgentes que operavam em diferentes territórios, somadas à instalação de um governo islâmico no Sudão com forte tendência fundamentalista, foram fatores relevantes para a deterioração das relações regionais após 1994 (BERHE 2014; CLIFFE, 1999; SHARAMO; MESFIN 2011).

Nesse sentido, as rivalidades históricas e as disputas ainda pendentes que geravam desconfianças mútuas entre os países continuaram sendo fatores de relevância na agenda de segurança regional nesse período. O primeiro eixo de rivalidade verificado na região, no imediato pós-Guerra Fria, foi entre Etiópia e Eritréia.

Nos primeiros anos após a independência da Eritreia, as relações entre Asmara e Adis Abeba foram positivas e cooperativas. Reflexo disso pode ser encontrado nos diversos acordos assinados, ao longo da primeira metade dos anos 1990, entre os dois países, visando alcançar a integração econômica e cooperação política. Pode-se citar,

272 Pode-se citar a institucionalização do Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA), em 1994, e a transformação da Autoridade Intergovernamental para Seca e Desenvolvimento (IGADD) em Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD), em 1996, com a inclusão de uma agenda de segurança e defesa. A IGAD mediou com sucesso o conflito entre o governo sudanês e o grupo insurgente SPLM/A, possibilitando uma série de conversações entre as partes beligerantes, o que culminou na assinatura do Acordo de Paz Abrangente (CPA) em 2005, que pôs fim à Segunda Guerra Civil Sudanesa. Na Somália, apesar das várias tentativas de resolução do conflito levadas a cabo pela IGAD desde o início da crise, não foi possível estabilizar o país e estabelecer uma autoridade capaz de manter a ordem e a paz. Em 2002, no entanto, chegou-se a um acordo que estabeleceu, em 2004, um Parlamento Federal de Transição e, em 2005, um Governo Federal de Transição (TFG) (CARDOSO, 2016b).

nesse sentido, o acordo de livre comércio e de cooperação econômica273, o acordo que facilita o uso dos portos eritreus de Assab e Massawa pela Etiópia274, o uso do birr etíope como a moeda comum e o acordo de defesa mútua. Além disso, acertou-se a colaboração para a reconstrução da infraestrutura dos países, destruída durante a guerra (ABBINK, 1998; 2003; ABERRA, 2016; HEALLY, 2011b; YOBI, 2000;).

Em 1997, no entanto, quando o governo etíope adotou uma política econômica ortodoxa (em convergência com o Banco Mundial e o FMI), diminui-se o fluxo de capital da Etiópia para Eritreia e as relações entre os dois países começaram a deteriorar. Ademais, a Etiópia enfrentava problemas econômicos devido à baixa do preço de café (sua principal commodity) no mercado internacional275. Devido à profunda interdependência das economias, principalmente a dependência da Eritreia do mercado etíope, os problemas econômicos etíopes tiveram reflexos na Eritreia. Na tentativa de reverter tal situação e pressionar a Etiópia, em novembro de 1997, o governo eritreu abandonou o uso do birr e criou a sua própria moeda – nakfa276 – e aumentou as tarifas sobre a utilização dos portos277 (ADEJUMOBI, 2007; CLAPHAM. 1999; MULUGETA, 2011; WOODWARD, 2006).

As disputas fronteiriças vieram agravar as já estremecidas relações entre os dois Estados. Os quase 1000 quilômetros de fronteira entre os dois países não haviam sido claramente definidos no momento da independência da Eritreia, e permaneciam alguns pontos de disputas. A Eritreia baseava suas reivindicações no mapa da colônia italiana, enquanto a Etiópia baseava suas demandas nos tratados entre a Itália e o império etíope no início do século XX (ABBINK, 1998; ICG, 2003; MARCUS, 2002; NEGASH; TRONVOLL, 2001).

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Tendo em vista a complementaridade comercial entre Asmara e Adis Abeba, na qual a Eritreia exportava seus bens manufaturados para a Etiópia e importava desta café e a maioria dos bens alimentícios consumidos internamente, foi acordado um mecanismo de controle da inflação e sincronização das políticas comerciais (ABERRA, 2016; ADEJUMOBI, 2007).

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Estima-se que 80% do comércio externo etíope passava pelos portos eritreus. Além disso, os dois Estados compartilhavam a refinaria de petróleo localizada no porto de Assab (ADEJUMOBI, 2007). 275 A Eritreia foi acusada de aproveitar o acordo de livre comércio entre os dois países para comprar café

e sementes oleaginosas da Etiópia para reexportar, excluindo Adis Abeba de uma parcela significativa do mercado. Asmara respondeu com acusações de protecionismo etíope e discriminação contra os empresários eritreus que operam no mercado etíope (ABBINK, 1998; ABERRA, 2016; ADEJUMOBI, 2007).

276 Como destaca Woodward (2006), isto foi mal recebido pelas autoridades etíopes, que em retaliação, declararam que o comércio entre os dois países seria, a partir de então, conduzido comumente – através da utilização de moeda estrangeira. Além disso, no final de 1997, foram lançadas novas notas do birr, o que inviabilizava uma possível desistência eritreia de lançar a nova moeda (IYOB, 2000; MARCUS, 2002; MEKONNEN; TESFAGIORGIS, 2011).

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O aumento das tarifas portuárias gerou reclamações por parte dos empresários etíope que começaram, gradativamente, a utilizar os portos do Djibuti (ADEJUMOBI, 2007).

A guerra eclodiu em maio de 1998, quando as Forças de Defesa da Eritreia invadiram e ocuparam a cidade etíope de Badme. No início de junho, o conflito se intensificou com campanhas terrestres e aéreas de ambos os lados. As causas do conflito continuam sendo pouco claras; alguns autores o classificam como uma mera disputa por território, enquanto outros, como Peter Woodward (2006), Gebru Tareke (2009), Kidist Mulugeta (2011), argumentam que o território foi o estopim, e não a causa da guerra (ABERRA, 2016; MULUGETA, 2011; TAREKE, 2009; WOODWARD, 2006). Apesar das tentativas de resolução do conflito, mediadas por Estados Unidos, Ruanda278 e, posteriormente, pela OUA, não foi possível restabelecer a paz entre Asmara e Adis Abeba.

A guerra foi encerrada em junho de 2000 com a derrota militar da Eritreia e, em julho, através da resolução 1298, o CSNU estabeleceu a Missão das Nações Unidas na Etiópia e Eritreia (UNMEE), com o mandato de monitorar o cessar-fogo e vigiar a zona tampão/desmilitarizada de 25 km entre as duas fronteiras (vide figura 13). Em dezembro, sob auspícios da OUA, ONU, União Europeia e Estados Unidos, foi assinado o Acordo de Paz de Argel, que determinava, entre outros termos, que a disputa de fronteiras fosse submetida a dois órgãos independentes e imparciais a serem indicados pelos Secretários Gerais da OUA e da ONU, bem como pelos dois países. O primeiro era a Comissão de Requerimento Eritreia-Etiópia, responsável por analisar as reinvindicações quanto às perdas na guerra e o segundo, a Comissão de Fronteiras Eritreia-Etiópia (EEBC), composta por cinco membros - cabia a esta última demarcar os limites de acordo com os tratados coloniais de 1900, 1902 e 1908 (ABBINK, 2003; ALGIERS AGREEMENT, 2000; ICC, 2003; IYOB, 2000; MULUGETA, 2011).

Em abril de 2002, a EEBC decidiu sobre a demarcação da fronteira, com a cidade de Badme ficando no território eritreu, o que a Etiópia se recusou a aceitar, conduzindo a uma situação de impasse (ICG, 2010b; KORNPROBST, 2002; LYONS, 2006; YOBI, 2000). Em 2004, Meles Zenawi propôs um plano de diminuição da tensão que foi bem recebido pela comunidade internacional, mas não foi aceito pelo governo eritreu, devido ao não reconhecimento etíope da resolução da EEBC. Em 2008, o CSNU decidiu pela não renovação do mandato da UNMEE e o impasse permanece – a Etiópia

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O Plano de Paz, mediado pelos EUA e Ruanda, previa: um acordo para resolver a disputa por meios pacíficos; uma missão de observação em Badme, após a retirada das forças eritreias; delimitação da fronteira; e criação de uma zona desmilitarizada entre as duas fronteiras. O plano, no entanto, não foi aceito pelas partes, sobretudo pela Eritreia (IYOB, 2000; NEGASH; TRONVOLL, 2001; WOODWARD, 2006).

se diz prejudicada e a Eritreia não disposta a negociar, uma vez que está satisfeita como com o resultado da EEBC (MARU, 2017; SCHNEIDER, 2010; VISENTINI, 2012b). As relações entre a Etiópia e a Eritreia continuam centrais nas relações regionais.

Figura 13- Zona de Segurança Temporária (TSZ) de 25 km estabelecida entre a Etiópia e a Eritreia

Fonte: Healy (2008).

Quanto às rivalidades entre Adis Abeba e Cartum, a chegada dos grupos insurgentes apoiados pelo Sudão ao poder na Etiópia indicava que haveria melhora nas relações. Contudo, o apoio de Cartum aos grupos insurgentes islâmicos dentro da Etiópia, como a Oromiyyah Islamiyya e a Frente de Libertação de Benishangul (BLF), afastou os dois países. As relações bilaterais deterioram-se ainda mais quando os membros do grupo Irmandade Muçulmana, responsáveis pela tentativa de assassinato do presidente do Egito, Hosni Mubarak, em junho de 1995, em Adis Abeba, durante a Cúpula da OUA, fugiram para o Sudão – o que confirmaria, supostamente, a participação deste país no atentado (CLAPHAM, 1999; MESFIN, 2012; TADESSE, 2004). Como resposta, o governo etíope passou a oferecer importante apoio financeiro, militar e treinamento ao SPLA, o que permitiu a reversão da situação frente ao governo central. As relações entre os dois países melhoraram substancialmente no final da

década de 1990279, principalmente após a eclosão da guerra etíope-eritreia e da diminuição da retórica islâmica na política externa sudanesa (CARSEY, 2005; DOOP, 2013; WOODWARD, 2013a).

Por sua vez, as tensões nas relações entre Sudão e Eritréia remontam ao início da década de 1990, quando Cartum passou a apoiar grupos fundamentalistas islâmicos eritreus, como o Movimento Jihad Islâmico Eritreu (EIJM)280 (ICG, 2010b; TEKLE, 1996). Em resposta, Asmara passou a apoiar, por meio de ajuda militar, financeira e de treinamento, os grupos contrários ao governo de Omar al-Bashir – especialmente o SPLA e a Aliança Democrática Sudanesa (SDA)281. O suporte eritreu foi fundamental para a vitória do SPLA sobre as forças governamentais no estado de Nilo Azul em 1997 (CARSEY, 2005; JONHSON, 2003). A Eritreia rompeu relações diplomáticas com o Sudão em dezembro de 1994 e, em junho do ano seguinte, sediou a conferência de todos os grupos de oposição ao regime de al Bashir (SPLA, civis e exilados), financiada por Egito e EUA, momento em que foi formada a Aliança Democrática Nacional (NDA). A NDA ficou sediada na embaixada do Sudão em Asmara, fechada de 1994 até 2000, quando as relações diplomáticas entre os dois países foram restabelecidas. Em 2003, no entanto, o governo Eritreu foi acusado de apoiar os grupos insurgentes em Darfur – especialmente o Movimento pela Justiça e Igualdade (JEM) (CLIFFE, 1999; ICG, 2010; WOODWARD, 2013).

Quanto às relações entre Eritreia e Djibuti, estas se deterioraram a partir de 1996, devido à disputa territorial por Ras Doumeira. Em maio 1998, quando da eclosão da guerra entre Eritreia e Etiópia, Asmara acusou o Djibuti de permitir que governo etíope usasse seu porto para importar equipamentos militares, que seriam empregados

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O primeiro passo para a normalização e estreitamento das relações bilaterais foi a visita do presidente al-Bashir à Etiópia em novembro de 1999. Durante a visita, foi reativada a Comissão Ministerial Conjunta (JMC), que se reuniu em março de 2000, em Cartum. A JMC conta com dois órgãos, o Comitê Político Conjunto (JPC) e a Comissão Conjunta de Desenvolvimento de Fronteira (JBDC), que orientam a condução das relações entre os dois países. Ao longo dos anos 2000, houve incremento das relações entre Adis Abeba e Cartum e foram assinados diversos acordos, protocolos e memorandos de entendimento nas áreas transporte e comunicação, fornecimento de petróleo, comércio, recursos hídricos, utilização de porto e investimentos (MESFIN, 2012).

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Vale ressaltar que sucessivos governos sudaneses não só apoiaram (militar e financeiramente) a EPLF e a TPLF, como permitiram que esses grupos operassem no seu território, mantendo suas sedes dos Ministérios das Relações Exteriores em Cartum. Assim que tomaram o poder em maio de 1991, o governo da EPRDF expulsou a SPLA de suas bases (e dos campos de refugiados) no sudoeste da Etiópia, em razão do importante apoio prestado pelo Sudão ao grupo durante a guerra civil contra o regime militar no sul do país. Em outubro de 1991, os dois governos assinaram um acordo de Cooperação e Amizade (CLAPHAM, 1999; TEKLE, 1996).

281 Além disso, o governo eritreu concedeu refúgio ao ex-primeiro ministro e líder do Ansar Muslim

na guerra. Em junho, o governo do Djibuti enviou suas forças militares para realizar o patrulhamento da fronteira com a Eritreia, a fim de evitar incursões. Unidades militares francesas se juntaram às tropas do Djibuti, oficialmente para participar de um programa de desminagem, o que aumentou a tensão entre os dois países. Além disso, os países se acusavam mutuamente de apoiar grupos insurgentes internos. No mesmo período, o presidente Aptidon tentou mediar a crise entre Adis Abeba e Asmara, o que acabou sendo opela Eritreia, que a alegação de que o presidente do Djibuti não era suficientemente imparcial. As relações entre os dois países foram reestabelecidas em 2000, com mediação da Líbia (MESFIN, 2008).

No final da década de 1990, o ambiente regional de segurança sofreu uma leve guinada em função da guerra entre Etiópia e Eritreia e, principalmente, do atentado terrorista de agosto de 1998 contra a embaixada dos EUA em Nairóbi, no Quênia. Tal atentado matou ao menos 220 pessoas, incluindo 12 estadunidenses, e feriu aproximadamente 5 mil pessoas, sendo que, minutos depois, um segundo atentado terrorista contra a embaixada estadunidense em Dar es Salaam, na Tanzânia, deixou dezenas de mortos. A autoria dos dois atentados foi atribuída à rede terrorista al-Qaeda, encabeçada por Osama bin Laden. Em reposta, os EUA bombardearam uma fábrica farmacêutica no norte de Cartum, em retaliação ao apoio concedido pelo presidente Omar al-Bashir à al-Qaeda, e também devido à desconfiança de que o país estaria desenvolvendo um programa clandestino de armas químicas (ADEBAJO, 2003; KAGWANJA, 2006; MØLLER, 2009).

5.3 AGENDA DE SEGURANÇA NO CHIFRE DA ÁFRICA APÓS-11 DE