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Religiosidade/espiritualidade ao longo do Ciclo Vital: da adultez à velhice

Considerações Finais

Anexo 1 Extensão da Revisão Teórica

3. Religiosidade/espiritualidade ao longo do Ciclo Vital: da adultez à velhice

Durante o ciclo vital, o indivíduo é desafiado a estabelecer novas relações consigo e com o mundo, bem como a encontrar estratégias de superação das limitações (Ribeiro de Lima & Coelho, 2011). A perspetiva do desenvolvimento ao longo do ciclo vital (Life-Span) compreende o desenvolvimento a partir do indivíduo e do que é comum aos membros de determinada sociedade (Ribeiro de Lima e Coelho, 2011).

A Life-Span é uma abordagem de orientação dialética que tem colaborado expressivamente para as mudanças de paradigma no que diz respeito à velhice, sobretudo, no que diz respeito ao desenvolvimento intelectual dos idosos (Baltes & Baltes, 1990). Esta perspetiva concebe o envelhecimento de três formas, que não são passiveis de uma interpretação rígida: i) normal, onde são referidas as mudanças esperadas e inevitáveis inerentes ao processo de envelhecer; ii) patológico, onde se encontram os casos de doença, disfuncionalidade e descontinuidade do desenvolvimento; e iii) ótimo ou saudável, caraterizando-se, este último, por um ideal sociocultural de qualidade de vida, funcionalidade física e mental plenas, baixo risco de doenças e incapacidade, bem como motivação de viver (Baltes, 1987). Uma vez que o funcionamento mental providencia importante informação acerca da forma como os indivíduos aprendem a lidar com as diferentes circunstâncias de vida, Faller, Melo, Versa e Marcon (2010) referem que as práticas religiosas fornecem suporte emocional, principalmente para o idoso, que com o avançar da idade, conta com a repercussão da sua religiosidade, nas relações sociais, na saúde física e mental.

As crenças e práticas que caraterizam a vida espiritual flutuam ao longo do ciclo de vida, consoante as circunstâncias de vida e o desenvolvimento do indivíduo (Miller & Kelley, 2005). As teorias psicodinâmicas, assim como as do desenvolvimento pós formal, veem a espiritualidade entrelaçada com o processo maturacional e com as experiências associadas à meia-idade (Wink & Dillon, 2008). Assim, apesar de a idade adulta não ser definida de forma estanque, Barros (2000) organiza esta etapa em três grupos: o adulto jovem (dos 25 aos 45 anos), o adulto médio (dos 45 aos 65 anos) e o adulto sénior (a partir dos 65 anos). A chamada “meia-idade” deverá ser vista no contexto do ciclo de vida com caraterísticas únicas que devem ser integradas em dimensões biológicas e socioculturais complexas (Wink & Dillon, 2002). No meio da vida, segundo Fagulha (2005), os adultos são confrontados com experiências que exigem reestruturações relacionais e que apelam para uma tomada de consciência, por exemplo, em relação à morte (e.g., perda dos progenitores), sinais de envelhecimento e adaptação à emancipação dos filhos. Autores como Erikson e Jung consideram que a espiritualidade está ligada ao processo maturacional e às experiências associadas à idade adulta (Barros, 2000). Wink e Dillon (2002) referem que os padrões de participação religiosa se estabelecem no início da idade adulta e tendem a permanecer estáveis. Estes autores defendem

esta ser considerada um fenómeno característico desta etapa do ciclo de vida, uma vez que o seu desenvolvimento requer autonomia pessoal e consciência do relativismo contextual que, normalmente, se desenvolve nesta altura. Para os indivíduos adultos são vários os fatores que influenciam a perceção de sentido na vida: os fatores internos, que estão ligados ao desenvolvimento do indivíduo (personalidade, estratégias de coping, religiosidade, espiritualidade e sentimento de pertença), e os fatores externos, que pertencem ao meio e corroboram o significado que as pessoas dão à vida (oportunidades sociais, trabalho, lazer e segurança) (Sommerhalder, 2010). Assim, é possível apontar alguns fatores explicativos da religiosidade/espiritualidade adulta: 1) procura de significado para a vida – relacionado com a origem e desenvolvimento religioso, como resposta a interrogações existenciais; e) desejo de auto transcendência – o indivíduo acredita que, apenas, a fé pode dar a plena transcendência; 3) globalidade – a religião possui um caráter totalizante, exprime-se na sua complexidade sob um princípio organizador capaz de dar significado a tudo, procurando integrar e interpretar aspetos menos claros do passado; 4) autonomia motivacional – uma religiosidade adulta é fonte motivacional do comportamento; 5) dinamicidade – a religião adulta funciona como tarefa aberta, como tendência heurística, flexível e não estereotipada; e 6) consequencialidade – a verdadeira religião exige condutas coerentes (Barros, 2000).

De acordo com a perspetiva life-span, o desenvolvimento e a manutenção de padrões efetivos de envelhecimento dependem de fatores de natureza genético-biológica, e, também, da influência de fatores socioculturais (Baltes, 1987), onde se insere a dimensão religiosa- espiritual (Ribeiro de Lima & Coelho, 2011). Segundo Koenig (2009), através da religião, os idosos socializam, inserem-se em grupos, participam em atividades sociais regulares, sendo que, para muitos, a sua comunidade de fé torna-se a rede principal de apoio social. As pessoas idosas relatam a importância da religiosidade na vivência das dificuldades que atravessam no processo de envelhecimento. A espiritualidade é uma fonte importante de suporte emocional, contribuindo decisivamente para o bem-estar na velhice, sobretudo, pela rede de suporte social e pelas estratégias para lidar com o stress (Monteiro, 2004).

A plasticidade desenvolvimental é uma das caraterísticas subjacentes a esta perspetiva, que se refere ao potencial de mudança de um indivíduo e à sua flexibilidade para lidar com novas situações (Baltes, 1987) e integra fatores relativos à espiritualidade (Lerner, Dowling & Anderson, 2010). O grau de plasticidade é inerente à capacidade de reserva11 de cada pessoa,

a qual é constituída por recursos internos e externos que mudam de acordo com o tempo e o meio envolvente (Baltes, Lindenberger & Staudinger, 2006). Apesar de, segundo Neri (2006), a velhice ser caracterizada pelo declínio de plasticidade e das funções biológicas, é igualmente uma fase de readaptação constante, que Baltes et al. (2006) descrevem como uma otimização seletiva com compensação. Nesta compensação, a espiritualidade pode ser reconhecida como um recurso para o bem-estar na velhice (Sommerhalder & Goldstein, 2006). Desta forma, a participação em ambientes estimulantes (e.g., locais de culto), e a presença de oportunidades

de desenvolvimento, coadunadas com os fatores espirituais-religiosos, segundo Scoralick- Lempke e Barbosa (2012), têm-se mostrado fundamentais para um melhor desenvolvimento ao longo do ciclo vital. Langer (2008) refere que durante a velhice, os indivíduos estão sujeitos, frequentemente, a agressões físicas, emocionais, sociais e espirituais. Baltes e Baltes (1990) ressaltam que, mesmo quando estes sinais de fragilidade são pronunciados, os idosos são capazes de fazer as modificações, ajustes e compensações necessárias aos seus objetivos e aspirações, recorrendo, com frequência, às suas crenças religiosas (Scoralick-Lempke & Barbosa, 2012). O modelo SOC (Seleção, Otimização e Compensação), proposto por Baltes e Carstensen (1996), procura explicar o modo como decorre a orquestração da vida, sendo, por isso, visto como um modelo de adaptação, sobretudo, a partir da meia-idade e durante a velhice. Baltes e Staudinger (2000) referem que os adultos mais velhos tendem a investir mais tempo em tarefas de compensação do que em tarefas de otimização. Contudo, fatores como a regulação emocional e espiritual ou a sabedoria são importantes para uma mudança contínua e positiva (Baltes & Staudinger, 2000; Kunzmann, 2004). As conclusões do estudo de Gall, Malette e Guirguis-Younger (2011) mostraram que a espiritualidade para os idosos contribui para o processo de otimização seletiva do modelo proposto por Baltes e Baltes (1990). Em suma, o modelo SOC defende que os ganhos e as perdas evolutivas do envelhecimento são resultantes da interação entre recursos individuais e do ambiente, onde se insere o meio religioso, procurando este modelo realizar uma descrição do ciclo vital e descobrir como os indivíduos se adaptam às mudanças biológicas, psicológicas, sociais e espirituais (Neri, 2006).

Alguns estudos sugerem a existência de efeitos geracionais, indicando que os adolescentes e jovens adultos são considerados menos religiosos em relação aos adultos mais velhos (Hood, Spilka, Hunsberger & Gorsuch, 1996). Assim, dentro desta temática, levanta-se uma questão: de que forma é que a idade se relaciona com a religiosidade dos indivíduos?

São propostos, por Argyle e Beit-Hallahami (1975), três modelos que procuram descrever as mudanças comportamentais e as convicções religiosas ao longo do desenvolvimento: 1) o modelo tradicional, onde é apresentado um decréscimo da atividade religiosa entre os 18 e os 30 anos, seguindo-se um contínuo aumento, após esta faixa etária; 2) o modelo da estabilidade, onde se considera não haver alterações relativas à idade; e 3) o modelo sem compromisso que considera haver um declínio contínuo da atividade religiosa à medida que a idade avança. Todavia, autores como Bender (1968) e Cameron (1969) defendem a evidência de que, com o avançar dos anos, aumentam a importância do rezar, da perceção da importância da religião e do interesse na religião e frequência de locais de culto – o que corrobora o defendido pelo modelo tradicional.

Fowler (1991), tendo por base os estádios de desenvolvimento cognitivo de Piaget e moral de Kolberg, sugeriu que a fé religiosa individual obedece a um processo evolutivo, correspondente a uma sequência de seis estádios: 1) fé primitiva (0 – 2 anos) – definida por desenvolver a confiança entre a criança e o seu cuidador; 2) fé intuitiva e projetiva (primeira infância) – caracterizada pelas imagens criadas para representar o bem e o mal, despertadas pelos padrões morais; 3) fé mítica/literal (idade escolar) – primeiras expressões de fé, através

de linguagem simbólica e metafórica; 4) fé convencional (da adolescência à primeira idade adulta) – caracterizada pela conformidade entre a autoridade religiosa e o desenvolvimento da identidade pessoal; 5) fé individual e refletiva (da juventude à idade adulta) – definida pela autoconsciência e compromisso com o sistema religioso; 6) fé conjuntiva (idade adulta) – caracterizada pelo reconhecimento e compreensão do paradoxo entre a transcendência e a realidade; e 7) fé universalizada (da idade adulta à velhice) – perspetiva transcendente, caracterizada por sentimentos de unidade e compaixão (Oser, Scarlett e Bucher, 2006; Fowler, 1991).

A identidade religiosa e espiritual, no final da vida, e a fé religiosa são de extrema importância. Assim, segundo Bradley, Fried, Kasl e Idler (2000) levantam-se duas questões: a) até que ponto a fé e a espiritualidade são importantes no período precedente à morte?; e b) será que as crenças e práticas religiosas permanecem estáveis ao longo desta última etapa da vida?.

Vários estudos sobre o envelhecimento dão ênfase à importância da religião para conseguir recursos para enfrentar os desafios que a idade impõe - isolamento social, enfraquecimento cognitivo e incapacidade física (e.g., Bevins & Cole, 2000). Estes recursos, encontrados na religião, segundo Koenig (1999) e Pargament (1997), atuam de forma a diminuir a depressão, a ansiedade, suicídio - situações comuns em populações idosas, pois é na velhice que surgem momentos que representam maior desafio (Pargament, 1997). Outros estudos (e.g., Vecchia, Ruiz, Bocchi & Corrente, 2005; Panzini, Rocha, Bandeira & Fleck, 2007) que se debruçaram sobre a relação entre religião e qualidade de vida em idosos revelam que os efeitos da religiosidade no bem-estar são maiores neste grupo etário do que nos mais novos (Ferreira, 2005). Ainda que, segundo Barros (2000), os idosos desinvistam, progressivamente, nos contatos com o mundo, podem, no entanto, e do ponto de vista religioso, investir na entrega a funções e atividades na igreja. A frequência destas atividades correlaciona-se com um maior bem-estar, mais felicidade, utilidade e adaptação, diminuição do medo da morte e, por conseguinte, uma elevada resiliência (e.g., Mackenzie, Rajagopal, Meilbohm & Lavizzo-Mourey, 2000). De referir que a diminuição da frequência/participação, se deve, frequentemente, a problemas de autonomia (doença ou incapacidade física) para a pessoa se deslocar a locais de culto onde ocorrem os rituais religiosos e não a uma diminuição do interesse constatando-se, inclusivamente, que a atividade não organizacional religiosa – igreja eletrónica ou mediatizada – tende a aumentar nos idosos (Ferreira, 2005). Constata-se ainda que os idosos com uma vivência verdadeira de fé e que acreditem na vida depois da morte veem na religião um sustentável apoio no último período da sua vida e na forma de enfrentar as doenças nesta fase terminal (Koenig, 1999).

De acordo com o European Social Survey (ESS1, s.d., citado por Rodrigues, 2010), 83% da amostra portuguesa considera-se católica, 3% de outras religiões e 14% afirma não ter religião. A assistência à missa semanal corresponde a 30% da amostra, prevalecendo a assistência ocasional, 48%. Segundo European Value Survey de 1999, a prática de oração diária é destacada por 33% de população, superada pelo somatório de oração semanal e ocasional,

51% (26, 25, respetivamente), e 17% nunca reza (Arroyo-Menéndez, 2007). Em comparação com outros países católicos, apenas a Irlanda e a Polónia apresentam maiores taxas quer de participação semanal na missa, quer de oração diária (Arroyo-Menéndez, 2007). Em Portugal, a religiosidade é marcada, claramente, por uma elevada confiança na Igreja enquanto instituição, uma crença num Deus bastante humanizado, no sentido que a Bíblia lhe dá, um Deus cujo Homem foi criado à imagem e semelhança, pese ainda o facto de os portugueses relacionarem a fé com aspetos mais mundanos e menos transcendentes (Arroyo-Menéndez, 2007).

4. Religiosidade e espiritualidade como estratégia de coping e