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Considerações Finais

Anexo 1 Extensão da Revisão Teórica

1. Resiliência na velhice

A resiliência pode ser descrita como uma caraterística individual que, provavelmente, se desenvolve ao longo do tempo (Stephens, Breheny & Mansvelt, 2014). Enquanto constructo psicológico, começou por ser estudada em relação à infância e adolescência. Posteriormente, a resiliência foi analisada e discutida em relação à velhice, onde parece assumir algumas especificidades.

A ideia de resiliência na velhice abrange, por um lado, a reintegração de uma adversidade e, por outro lado, o desenvolvimento, conservação e ativação de capacidades adicionais de resistência face às perdas, desafios e adversidades que são mais frequentes nesta etapa do ciclo vital do que noutras fases mais jovens (Afonso, 2012). As pessoas idosas experienciam, frequentemente, mudanças associadas à idade, tais como quedas, declínios na saúde e no funcionamento, dores crónicas, diminuição de mobilidade, morte do cônjuge, diminuição da segurança, reforma ou ageism8 (Martin, Distelberg, Palmer & Jeste, 2015). Apesar de a idade cronológica não indicar diretamente quais as mudanças e perdas existe uma crescente probabilidade de ocorrerem incapacidades físicas e cognitivas com o envelhecimento

(Araújo, Ribeiro, Oliveira & Pinto, 2007), o que gera um esforço crescente de flexibilidade e resistência ao qual a maioria das pessoas idosas consegue responder. Assim, o desenvolvimento psicológico modifica-se através do tempo e pode variar de cultura para cultura (Masten, 2001), sendo que as variáveis que o acompanham são processos subjacentes à resiliência (Jimenez- Ambriz, 2011a).

A resiliência encontra-se estreitamente relacionada com o facto de a pessoa, apesar das perdas associadas à velhice, conseguir envelhecer de forma ativa e com êxito. As pessoas idosas resilientes são, assim, as que conseguem manter a sua saúde física, cognitiva e social, através de adaptações para manter a sua qualidade de vida e bem-estar, ao longo do ciclo vital (Jimenez-Ambriz, 2011b). As pessoas idosas tendem, por exemplo, a usar estratégias de coping, que reduzem o impacto negativo das perdas da velhice e, consequentemente, este torna-se o fator para que o indivíduo possa ser mais resiliente (Afonso, 2012).

Um envelhecimento com êxito traduz, assim, mecanismos de resiliência, sendo alcançado através da interação de vários fatores, tais como relações pessoais próximas com familiares e amigos e a participação em atividades sociais e produtivas (Rowe & Kahn, 1998), e atividades de caráter cultural e religioso. O envelhecimento saudável e ativo pressupõe uma associação à ideia de que o indivíduo preserva o seu potencial de desenvolvimento durante o seu curso de vida, através de novas aprendizagens, onde se prevê, também, um equilíbrio entre limitações e potencialidades (Baltes, 1987). Fernandez-Ballesteros (2008) resume os critérios para um envelhecimento ativo a: condições de saúde, bom funcionamento físico e cognitivo, afeto positivo e participação social. A perspetiva do desenvolvimento ao longo da vida - Life- Span - (Baltes, 1991) ao explicar o envelhecimento bem-sucedido, sugere que: (1) o curso do desenvolvimento é individual e variável; (2) existem diferenças relevantes entre envelhecimento, normal, ótimo e patológico; (3) durante o processo de envelhecimento, o potencial de desenvolvimento é salvaguardado; (4) os prejuízos desta etapa podem ser minimizados, através da ativação das capacidades de reserva e resistência; (5) as perdas cognitivas podem ser compensadas por ganhos e (6) com o avançar da idade, os mecanismos de autorregulação da personalidade mantêm-se intatos. Assim, os mecanismos que permitem à pessoa idosa ser resiliente situam-se ao longo do ciclo vital, numa dinâmica de regulação, otimização e compensação de perdas que permitem o envelhecimento com êxito.

Entre os vários fatores que contribuem para a resiliência na velhice, destaca-se a religião, que constitui, frequentemente, o principal fator de apoio social (Koenig, 2009). Através das instituições religiosas, os idosos socializam, inserem-se em grupos e participam em atividades sociais que acontecem com regularidade no contexto das comunidades religiosas. A espiritualidade e as crenças religiosas foram identificadas como recursos protetores e de compensação, sobretudo, em casos de perda e trauma (Granqvist & Hagekull, 2000). A pesquisa de Fry e Debats (2010) revelou que indivíduos com elevado índice de espiritualidade, quando comparados com indivíduos com baixos níveis de espiritualidade, superam melhor situações de morte/luto, mostrando-se este recurso como um contributo significativo para o bem-estar psicológico. A prática religiosa continuada (maior religiosidade) é um fator relevante na

promoção de qualidade de vida da população idosa (Koenig, 2009) e para o desenvolvimento de estados positivos de saúde mental que, consequentemente, contribuem para o sucesso cognitivo, emocional e envelhecimento ativo no geral (Martin et al., 2015).

2. Religiosidade e Espiritualidade

A religião é conceptualizada de forma diferenciada em cada contexto sociocultural e histórico, dependendo da perspetiva teórica que a sustenta. A religião é um sistema organizado de mitos, ritos, crenças e símbolos que produzem um modelo de relação do ser humano com o transcendente (Rodrigues, 2007), diferentemente da espiritualidade, que teria relação com uma busca pessoal de sentido (Koenig, Larson & Larson, 2001). Embora haja proximidade conceitual entre religiosidade e espiritualidade, esta última, segundo Pinto e Pais Ribeiro (2007), constrói-se nos contextos socioculturais e históricos, estruturando e atribuindo significado a valores, comportamentos e experiências do ser humano, sendo que, por vezes, se materializa na prática de um credo religioso específico. A espiritualidade, etimologicamente, refere-se ao domínio do espírito, à dimensão imaterial, normalmente descrita como algo invisível e intangível ao indivíduo (Hufford, 2005 citado por Stroppa & Almeida, 2008). Assim, esta pode ser entendida como uma força capaz de auxiliar o indivíduo a superar as dificuldades, detendo também um sentido de conexão com algo superior a si, podendo ou não incluir participação religiosa formal (Gutz & Camargo, 2013; Batista, 2007). Por sua vez, a religiosidade inclui comportamentos, atitudes, valores e crenças, sentimentos e experiências e refere-se ao grau de aceitação ou ligação que cada indivíduo tem face à instituição religiosa, nomeadamente no que diz respeito à frequência da igreja, participação nas atividades religiosas e à forma como se põe em prática as crenças e os rituais (Rodrigues, 2007). A religiosidade, sendo derivada e vinculada ao contexto religioso, é definida como a vivência ou apropriação dos elementos determinados de um conjunto de crenças (Franco, 2013).

As visões mais tradicionais da Psicologia consideravam a religião como um mecanismo de defesa passivo, uma negação idealizada, ou como uma forma de coping evitante, com vista a lidar com os problemas da vida (Pargament & Ano, 2004). Freud (1961, citado por Lewis, 1994) sugeria ainda um paralelo entre as práticas religiosas e as ações obsessivas, acrescentando que tanto as práticas neuróticas como as religiosas serviam de medidas defensivas e de autoproteção envolvidas na repressão dos impulsos instintivos. Durante o século XX, seguindo a tese da secularização, pensava-se que a religião teria os dias contados, considerando-a como uma reminiscência que o Homem guardava de um período primitivo do seu desenvolvimento. Freud explicava, ainda, que a religião era vista como uma expressão social da ilusão, mostrando-se o mundo como um molde dos próprios desejos do Homem (princípio do prazer).

convencional. Porém, a conceção de espiritualidade contemporânea ocidental distingue a mesma da religião. Beck (1986) e Booth (1984), por seu lado, sugerem que a espiritualidade intensifica e aprofunda a experiência interna, possuindo a pessoa espiritual valores positivos e criativos, bem como traços de consciência, uma perspetiva holística, integração, gratidão, esperança, aceitação e coragem. A espiritualidade, segundo Volcan, Sousa, Mari e Hirta (2003), está vinculada a uma procura pessoal de sentido, com ênfase no aperfeiçoamento do potencial humano. Nesta linha de pensamento, Elkins, Hedstrom, Hughes, Leaf e Saunders (1988) propuseram um modelo constituído por nove componentes, tocando estes, entre outros, os conceitos de transcendência, missão de vida, consciência da sacralidade, sacralização da vida, altruísmo, idealismo e consciência do trágico. Mais tarde, Ingersoll (1994) propôs um modelo de espiritualidade composto por sete dimensões: 1) significado; 2) conceção de divindade; 3) relação; 4) mistério; 5) jogo; 6) experiência; e uma dimensão 7) integrativa.

No caso da definição de religiosidade, esta inclui crenças, práticas organizacionais (como as atividades institucionais da igreja) e compromisso com o sistema teológico/teorético da religião da qual faz parte (Rodrigues, 2007). Neste contexto, do ponto de vista psicológico, é pertinente realçar que diferenças no estilo cognitivo, na personalidade ou no tipo de motivação influenciam a forma como a religião é vivida. De acordo com Dong e Eun-kyoung (2006), há várias dimensões da religiosidade que podem ser analisadas, mas as mais amplamente investigadas são: a religiosidade subjetiva (visão que o sujeito tem da sua própria religiosidade, ou seja, o quão religioso se considera), a denominação religiosa (religião praticada pelo indivíduo) e práticas religiosas quotidianas (número de vezes que uma pessoa vai à igreja e/ou frequenta atividades ou serviços religiosos). Assim, ao passo que a religião estaria vinculada às instâncias de organização institucional, a espiritualidade tem em conta as dimensões afetivas, pessoais e experienciais (Pargament, 1997). Em suma, a religião pode ser considerada como o sistema que fornece o conteúdo simbólico, moral e ritual das crenças; a religiosidade é caraterizada pela forma como o indivíduo se apropria desse sistema, atualizando-o, a partir das suas vivências; e, por fim, a espiritualidade é conceptualizada como um sistema próprio e independente de potências como a criatividade, liberdade e autenticidade (Franco, 2013).

A atitude religiosa, além de incluir crenças e práticas religiosas, envolve também sentimentos positivos e negativos associados a essas crenças (Hill & Hood, 1999). O indivíduo, através da religiosidade, pode atribuir significados aos fatos, compreendendo-os como parte de algo mais amplo, mediante a crença de que nada ocorre ao acaso e de que acontecimentos da vida são determinados por uma força/entidade superior. Tais fatos, segundo os mesmos autores, associados às crenças pessoais, podem levar a um enriquecimento individual, como sabedoria, equilíbrio, maturidade e resiliência.A religiosidade, segundo Fetzer (2003, 1999), envolve sistemas de culto e de doutrina e é compartilhada dentro de um grupo e pode ter,

conforme referem Allport e Ross (1967), duas orientações: intrínseca e extrínseca9 e, para

Baker (2003) pode, igualmente, seguir duas vertentes: organizada e não organizada10.

2.1.

Religiosidade e Espiritualidade: uma perspetiva psicológica

Num dos artigos de Stroppa e Almeida (2008) é referenciado que, nos séculos XIX e XX, época em que alguns dos intelectuais eram influenciados por uma visão antirreligiosa, a religiosidade era considerada como um estado intelectual e social primitivo. Esta perspetiva não foi fundamentada por investigações, contribuindo as opiniões e teorias pessoais para a disseminação da ideia de que a religiosidade/espiritualidade teriam um impacto negativo sobre a saúde mental. Também Charcot e Maudsley, médicos da época, criticaram e consideraram várias experiências e práticas religiosas como sendo patológicas. Freud, por sua vez, influenciou médicos e psicólogos, sugerindo que a religiosidade teria uma influência irracional e neurótica sobre o psiquismo humano, acrescentando que esta era o resultado da desvalorização da vida e da distorção da visão do mundo real (Stroppa & Almeida, 2008). Ellis, fundador da Terapia Relacional Emotiva, sugeriu que a religiosidade equivalia a um distúrbio emocional. Assim, embora dominasse uma visão negativa da religiosidade, também existiram outros autores que não partilhavam da mesma opinião. Jung, por exemplo, considerava a religião como aspeto a considerar na vida do sujeito, bem como um fenómeno histórico e sociológico.

Ao longo do tempo, intelectuais e investigadores do século XX, pressupuseram o desaparecimento ou diminuição da religiosidade. Contrariamente ao esperado, nas últimas décadas, observou-se a manutenção de elevadas percentagens de pessoas que se consideram religiosas, levando a um aumento do interesse por parte dos investigadores, na área da Psicologia, sobre esta temática (Stroppa & Almeida, 2008).

9 Intrínseca - a pessoa internaliza as suas crenças de tal modo que a religião (força major) faz parte integrante da sua vida diária; Extrínseca - a pessoa utiliza a religião como forma de atingir os seus próprios fins (encontrar segurança, status social, consolo e interação social). O compromisso com os valores religiosos é mais superficial.

10 Organizada (práticas religiosas públicas na igreja ou sinagoga) e não organizada (práticas religiosas privadas: oração pessoal, meditação, leitura de textos religiosos e da Bíblia, audição de música religiosa

3. Religiosidade/espiritualidade ao longo do Ciclo Vital: da