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FOTO 2.3: ESTAÇÃO DE TREM NO BRÁS –

2. Distribuição Confecção pronta

2.2. A REORGANIZAÇÃO DAS ETAPAS DO CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO A PARTIR DA DÉCADA DE

A literatura sobre as atividades do ramo do vestuário destaca-se por materiais técnicos, relatórios setoriais e trabalhos na área de sociologia e de economia. Dentre esses trabalhos destacamos: Abreu (1984, 1986), Carvalho e Serra (1998), Araújo e Amorim (2001), Lupatini (2004), Leite (2004), Brito (2005), Jenkings e Amorim (2006), Kontic (2007), Freire da Silva (2008) e os relatórios do Núcleo de Economia Industrial e Tecnologia do Instituto de Economia da Unicamp.

Parte dos dados sobre esse ramo de atividade usados neste trabalho foi extraído: do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério do Trabalho, da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), da SRTESP (Superintendência Regional do Trabalho do Estado de São Paulo) e da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil).

No entanto, ressaltamos que a maior parte dos dados estatísticos dessas instituições refere- se ao funcionamento do circuito superior de produção de confecções, pois expressa o registro formal nas entidades estatais como Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) da Receita

Federal28 ou cadastro de empregados e desempregados do Ministério do Trabalho. Essas

informações indicam como o circuito superior nesta atividade tem enorme força de comandar o circuito inferior, por isso, também utilizamos essas informações para dimensionar o tamanho do circuito inferior, pois onde existe uma oficina fornecendo serviços de costura formal contratada por uma rede varejista ou atacadista de confecção, há também uma rede piramidal de muitas outras oficinas subcontratadas, com características do circuito inferior.

28 O circuito inferior não é sinônimo de atividade informal, pois o que caracteriza as atividades do circuito inferior

são o modo de organização, o uso intensivo de trabalho ao invés de capital intensivo e o grau de utilização da tecnologia. Em função de tais características a atividade pode não ter os devidos registros nos órgãos oficiais e efetuar os pagamentos de impostos. No entanto, existem atividades do circuito inferior plenamente formalizadas, bem como grandes empresas se utilizam de estratégias como sonegação de impostos, não registram seus funcionários, praticam a terceirização de forma ilegal. Há empresas do ramo do vestuário que se beneficiam da subcontratação de oficinas que usam o trabalho imigrante e precário, formando monopsônios. Assim, não poderíamos falar de informalidade e ilegalidade, uma vez que os grandes agentes se beneficiam da indocumentação e não pagamento de impostos ao subcontratarem oficinas.

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As informações sobre o circuito inferior foram extraídas em grande parte dos dados primários em trabalho de campo, entrevistas e relatórios da Superintendência Regional do Trabalho do Estado de São Paulo.

O ramo do vestuário compreende a produção de uma infinidade de artigos como de roupas femininas, masculinas, peças íntimas, roupas de cama, mesa e banho, roupas de materiais como o couro e de sintéticos. A setorização do mercado consumidor torna ainda mais complexa a compreensão desse ramo. Segundo a ABIT (dados de 2009), o Brasil produz cerca de 9,2 bilhões de peças de vestuário ao ano e ocupa a sexta posição entre os maiores produtores mundiais. Representa 6,5% da indústria de transformação, tendo se expandido 29% nos últimos dez anos. Caracteriza-se por empresas de pequeno e médio porte.

Algumas constatações são pertinentes sobre a dinâmica da produção de confecções no Brasil e a contextualização do mercado mundial desta atividade. Na década de 1990 o ramo do vestuário passa pelo processo de adoção de uma nova organização29, no sentido que a divisão técnica do trabalho foi reforçada, sendo que as fases que demandam mão de obra mais especializada e qualificada permaneceram com as grandes empresas. Já as oficinas abrigaram a fase da produção propriamente dita, sendo que alguns bairros de São Paulo tornaram-se especializados, sobretudo na fase da produção e comercialização. Esse processo ocorreu por meio do uso da subcontratação.

O Brasil vem nos últimos anos passando por uma reorganização espacial da sua produção, com rebatimentos na distribuição e no comércio, porém, apesar desta reorganização, alguns lugares como a cidade de São Paulo vem reforçando o papel de centro organizador, produtor, distribuidor e também de comércio de vestuário.

A segunda constatação é referida à heterogeneidade do consumo, já que os diferentes extratos de renda da população acessam os produtos do circuito superior, superior marginal e inferior. No entanto, mesmo as classes de renda menos favorecidas, acabam consumindo no circuito superior, graças à expansão do crédito.

29 A ideia de organização está sendo usado no sentido de que a transição do modelo fordista para a acumulação flexível (HAVEY, 1999), gestada nos territórios centrais, chega aos países periféricos não como reestruturação da

produção ou do espaço, mas como racionalização. No caso da indústria do vestuário essa racionalização não ocorre preponderantemente pela inovação tecnológica, mas, sobretudo pela inovação organizacional (a separação entre a produção propriamente dita e o núcleo criador e gerencial por meio dos modelos de subcontratação são fundamentais nesse movimento), sendo condicionada pelos elementos territoriais onde ela se abriga e ao mesmo tempo, condiciona o território onde ela se implanta. Por isso o Brás e o Bom Retiro hoje estão em processo de revalorização, pois eles portam a racionalidade do circuito inferior que está sendo apropriada pelos circuitos das grandes empresas por meio dos novos processos organizacionais.

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A heterogeneidade também se verifica na própria organização da produção, pois questões como sazonalidade (estações do ano e datas comemorativas) e mudança de tendências da moda são inerentes à produção de vestuário, sobretudo na era da globalização, em que há um tempo mundial que dita a moda. Antes da década de 1990, o mercado de confecções no Brasil era orientado pelas duas estações do ano, verão e inverno, tendo um calendário semestral. No entanto, em anos recentes, com a unificação dos mercados e a interferência dos centros mundiais da moda no território brasileiro, cujo exemplo mais concreto se dá pela realização da São Paulo

Fashion Week (SPFW), esse calendário tornou-se trimestral, acompanhando as tendências da

Europa e dos Estados Unidos.

A terceira observação diz respeito à influência do mercado externo na dinâmica do circuito produtivo do vestuário, pois a entrada de produtos do Sudeste Asiático modifica as possibilidades de barateamento da produção. Com as facilidades alfandegárias, disponibilidade de transportes e de comunicação no mundo hoje, foi possível a segmentação da produção em etapas, permitindo a redução dos custos, pois se consentiu ao capital escolher o lugar mais lucrativo para cada etapa do circuito.

Mas, anteriormente à abertura do mercado nacional, Abreu (1986) verifica que houve um crescimento significativo nas décadas de 1960 e 1970 do setor de confecção no Brasil. Lembra que há uma extrema heterogeneidade na produção, sendo que as grandes empresas passam a comandar os setores onde a estandardização é possível.

Além disso, a autora indica que há dificuldades de inovação no setor, mesmo nas grandes empresas, a produção concentra-se na máquina de costura e operador e há uma tendência à feminização da mão de obra. Essa tendência hoje não se confirma como relação aos imigrantes, pois o uso de mão de obra boliviana é eminentemente masculino.

Na década de 1970, conforme Abreu (1986), a adesão da classe média e alta ao chamado

prêt-à-porter induziu ao crescimento do setor de confecções femininas e da alta qualidade. A

flexibilidade exigida pela alta costura só é possível em fábricas pequenas e médias. Além das oficinas de alta costura, a “indústria da moda” também passou pelo processo de massificação das tendências, ou seja, a grande massa da população passou a ser influenciada e estimulada ao consumo daquilo que as grandes marcas da alta costura produziam. O fenômeno do consumo, com a massificação da indústria da moda, tem como sustentáculo a propaganda e o marketing.

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As classes populares, até mesmo as mais carentes, tornam-se consumidoras dos conceitos produzidos nos circuitos produtivos superiores da moda. Desse processo de inculcar o consumo na população pobre, amplia-se o circuito inferior, que está longe da qualidade e dos preços elevados do circuito superior, porém, está em acordo com a necessidade de sobrevivência de quem precisa de trabalho proveniente dessas atividades e de quem precisa vestir-se com artigos populares, porém desejam acompanhar a moda.

Durante a década de 1990, o setor de confecções, bem como o têxtil, sofreu forte crise causada pela conjuntura de abertura ao mercado externo, promovida pelo Governo de Fernando Collor de Mello (1990-92). Segundo Araújo e Amorim (2001), o atraso tecnológico das empresas nacionais, fez com que a abertura para os produtos importados desse setor provocasse crise, demissões, falências e o uso da estratégia das subcontratações e do trabalho domiciliar. Essas últimas responsáveis pela precarização do trabalho na atividade do vestuário.

Harvey (1999), contextualizando a passagem do regime de acumulação fordista para o de

acumulação flexível nos países centrais na década de 1970, sublinha a transformação da estrutura

do trabalho como paralelo das mudanças na organização industrial. A subcontratação é uma das transformações significativas, em que trouxe a possibilidade da formação de pequenos negócios, o retorno de sistemas antigos de trabalho doméstico, artesanal, familiar e paternalista como estruturas do sistema produtivo30.

Essas mudanças, que foram difundidas pelos países do centro do modo de produção capitalista como forma de superação das contradições do próprio sistema, tiveram desdobramentos nos países periféricos. O fordismo nos países periféricos já foi uma forma de o capital resolver suas crises a partir do deslocamento geográfico de suas atividades produtivas. No entanto, a chegada do regime de acumulação flexível significou, de fato, para os países recém industrializados a radicalização da exploração da mão de obra pelas empresas. Isto de forma sutil e nem sempre visível.

O movimento de resistência, porém, é mais difícil de ser exercido do que o foi nos moldes da era fordista, pois hoje “[...] a luta contra a exploração capitalista na fábrica é bem diferente da luta contra um pai ou tio que organiza o trabalho familiar num esquema de exploração altamente disciplinado e competitivo que atende às encomendas do capital multinacional” (HARVEY, 1999, p. 146)

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Segundo Araújo e Amorim (2001), a terceirização se difunde e ganha novos contornos em meio às inovações gerenciais e tecnológicas. A subcontratação de oficinas de costura e o uso do trabalho domiciliar se intensificam na medida em que se tornam a principal estratégia utilizada pelas confecções, independentemente do seu tamanho e posição no mercado, com o objetivo de reduzir custos e aumentar sua capacidade produtiva.

A conjuntura de reorganização da produção, cujo principal efeito foi o aprofundamento do sistema de subcontratação, veio ao encontro das próprias características da atividade de confecção, pois uma das maiores dificuldades dessa indústria é a inovação tecnológica no processo produtivo para eliminação de mão de obra. Segundo Abreu (1986), a natureza dos artigos produzidos, caracterizada pela sazonalidade e pela constante mutação, o tamanho e localização das empresas, os recursos financeiros e o nível de gerência administrativa são características e obstáculos dessa atividade produtiva.

A mesma obsolescência programada dos produtos da moda, que contribui para a expansão desse mercado, também dificulta a padronização e as inovações tecnológicas na costura, por isso, a indústria de confecções continua pautada no binômio máquina de costura e costureiro. Essas características, juntamente com a alta divisibilidade da produção de uma peça de roupa, conduzem à exigência de elevada quantidade de mão de obra.

Decorre dessas características a necessidade de reorganização do circuito produtivo, sendo que os agentes de maior poder do circuito passam a gerir a produção e a não mais produzir diretamente, “retirando-se” das fases cujos custos com a força de trabalho são elevados.

Considerando as principais etapas do processo produtivo do vestuário – idealização, preparação (modelagem e corte), montagem e acabamentos – a fase da montagem é a que concentra grande parte da subcontratação. As subcontratadas podem ser empresas capitalistas, pequenas oficinas de costuras ou mesmo trabalhadores domésticos. As oficinas que se utilizam de mão de obra imigrante boliviana, em geral, realizam os pagamentos aos empregados por peça, não havendo regularidade na remuneração em virtude desta se dar em função das encomendas, que por sua vez são também irregulares durante o ano. Comumente são os coreanos que contratam as oficinas de bolivianos para a execução da costura nas áreas de especialização no circuito do vestuário da metrópole. Não obstante, há também os intermediários que conectam as oficinas às grandes empresas varejistas de atuação nacional e internacional.

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A expansão da indústria de vestuário se verificou de maneira extremamente desigual em seus diversos setores, não houve um processo evolutivo gradual em que a produção artesanal foi sendo substituída por formas transitórias e finalmente capitalistas. “Ao contrário, a indústria de confecções é talvez um dos exemplos mais marcantes de como o capitalismo pode envolver relações de produção ambíguas e múltiplas que existem em paralelo e inter-relacionadas com o novo foco dinâmico” (ABREU, 1986, p. 292). A utilização de “mão-de- obra externa” na forma de subcontratação não é um fenômeno novo, o que é novo é o formato alternativo e complementar dessas atividades. Elas não são residuais como alguns estudos apontavam. A introdução de novas tecnologias permitiu a recriação das condições para a subcontratação e a pequena produção.

Por isso a teoria dos dois circuitos é funcional à análise dessa atividade, pois fica claro que a modernização, mesmo não sendo apenas tecnológica, mas, sobretudo organizacional, causou dinâmicas distintas como o aprofundamento das diferenças entre o circuito superior e inferior. As grandes redes passaram a incorporar a forma de organização das pequenas oficinas. Embora o circuito inferior persista na metrópole, singularmente localizado nos bairros especializados, esse passou a ser introduzido no sistema de produção da atividade de vestuário das grandes e médias empresas. Esse processo incluiu as novas formas de gerenciamento da produção pelas empresas, que puderam articular a concepção, a produção, a circulação, o comércio e o consumo por meio de escritórios de gerenciamento e sofisticados mecanismos de logística e equipamentos de transmissão de informações, que permite maior controle das subcontratadas e movimentação da produção sob a égide do Just in Time. Juntamente com as

inovações gerenciais, a classe-que-vive-do-trabalho31 (ANTUNES, 2009) hoje modifica-se e

torna-se mais complexa. Há a redução do trabalho fabril estável e a ascensão de um novo proletariado fabril e dos serviços, cuja característica principal é a precarização (ANTUNES, 2009, ANTUNES e ALVES, 2004). No ramo do vestuário, os trabalhadores das atividades sofisticadas de propaganda, marketing, logística tornam-se elementos chaves para as empresas. Igualmente, o costureiro ainda continua sendo fundamental porque é ele que produz o bem diretamente (a mercadoria). No entanto, na análise do circuito espacial de produção verifica-se a

31 Para Antunes (2009) a classe-que-vive-do-trabalho compõe-se pela totalidade dos assalariados que vivem da

venda de sua força de trabalho. Estão incorporados nessa classe os trabalhadores produtivos, que contribuem diretamente na geração de valor, trabalhadores dos serviços e aqueles considerados improdutivos porque não geram valor.

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existência de um comando (circuito superior) no circuito da valorização. A metrópole é o lugar a coexistência e da reunião de trabalhadores de ambos os polos, dada sua complexa divisão social e territorial do trabalho.

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2.3. DINÂMICA DO CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO DO VESTUÁRIO NO TERRITÓRIO