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Fonte: Trabalho de Campo; Silvana Cristina da Silva, 22/05/2009.

Os dados analisados acima revelam a complexidade de agentes que constroem o uso cotidiano da metrópole por meio do circuito espacial de produção do vestuário, que tem a produção e comercialização fortemente concentrada nos antigos bairros da cidade como o Brás e Bom Retiro.

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As oficinas em geral subordinam-se ao comércio, seja em relação às grandes varejistas de atuação nacional ou mesmo com relação às lojas do Brás e Bom Retiro, que dominam a subetapa da concepção das peças. As normas (padrão de qualidade, quantidades, prazos, etc.) e os preços a serem praticados são ordenados por agentes do comércio, que muitas vezes dominam também a logística da distribuição. Os coreanos, neste sentido, são fortemente organizados. Segundo Galetti (1996), eles se reúnem todos os domingos para definir os preços de cada peça a ser pago às oficinas contratadas, aqueles que ousarem pagar mais, recebem pressão do grupo.

Podemos encontrar diversos tipos de oficinas de costura no Brás e Bom Retiro: oficinas fisicamente unidas ao comércio; oficinas fisicamente separadas do comércio, porém de mesmo proprietário; oficinas fisicamente separadas do comércio com proprietários diferentes e oficinas que produzem para comercialização na Feira da Madrugada. Diante dessa diversidade de situações, uma constatação fica evidente com relação ao circuito espacial do vestuário, cujas etapas produtivas encontram abrigo no Brás e Bom Retiro, é a centralidade desses bairros para esse circuito, centralidade essa que ultrapassa os limites da metrópole e chega ao território nacional.

II - Distribuição

O momento da distribuição é complexo, pois muitas vezes pode coincidir com o do comércio. Conforme esboçamos na Figura 2.1, o produto pronto, confeccionado, passa a seguir rotas diferenciadas em função do agente de comando de cada situação dentro do circuito espacial de produção.

A distribuição do produto pronto pode ser realizada, grosso modo, por cinco rotas (A, B, C, D e E): Rota A: ocorre quando o solicitante é uma empresa de alta costura. Ela pode enviar a mercadoria direto para sua loja ou para um centro de distribuição, que por sua vez encaminhará a mercadoria às lojas. Os transportadores podem ser empresas contratadas para este fim ou fazer parte da própria estrutura da marca. Isso ocorre também se a contratante é de uma grande marca, porém, neste caso segue-se a Rota B, que indica que o produto passa pelo centro de distribuição, segue diretamente à loja franqueada ou para lojas multimarcas.

A Rota C, diz respeito às grandes lojas varejistas, citamos como principais, a Renner, Marisas, C&A, a Riachuelo, a Zara e as Pernambucanas. Nessa situação a produção está totalmente subordinada ao varejo. O transporte entre as oficinas e a loja é essencial para essas

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empresas. Além de terem o domínio da subetapa da concepção (na etapa da produção), essas empresas subordinam as oficinas com regras rígidas de controle de qualidade, prazos de entrega e adequações à legislação. Além de contratarem empresas com know-how para a logística de distribuição dos produtos, elemento fundamental na atividade de vestuário na atualidade. Outra característica das grandes lojas de comércio de vestuário é a incorporação dos serviços de financeiros (ver Capítulo 03, item 3.4).

As situações D e E do circuito espacial de produção se assemelham porque a mercadoria dirige-se diretamente para as Lojas do Brás e Bom Retiro (ou são produzidas nestes próprios bairros) ou destinam-se à Feira da Madrugada. A proximidade entre a produção e o comércio condiciona o fluxo direto da oficina. O transporte é realizado por pequenos carros de propriedade dos donos das oficinas ou pelos lojistas ou mesmo por pequenos transportadores subcontratados25.

III - Comércio

O comércio pode ser realizado pelas lojas de marcas conceituadas, pelas lojas próprias ou autorizadas, constituindo atores do circuito superior. Também forma parte do circuito superior o comércio efetuado pelas grandes varejistas (Marisa, C&A, Pernambucanas, Renner, Riachuelo, Zara, Lojas do Shopping Mega Pólo Modas, etc.). O circuito inferior do comércio de confecções compõe-se por pequenos e médios comerciantes, pelos expositores da Feira da Madrugada, pelas “sacoleiras” e lojistas que frequentam os bairros do Brás e Bom Retiro para efetuarem as suas compras e abastecerem os seus respectivos comércios localizados nas cidades do interior do Brasil, sobretudo do estado de São Paulo, dos estados do Sul e Sudeste.

25 Não foi possível dimensionar o volume e os valores da produção em cada uma das rotas (A, B, C, D e E) para

sabermos a importância de cada situação dentro do circuito espacial, pois não existem levantamentos sistemáticos dos órgãos públicos adaptados às especificidades do ramo do vestuário (o Instituto de Marketing Industrial - IMI realiza levantamentos estatísticos para o ramo do vestuário, cujas publicações são adquiridas por um valor médio de R$ 8.000,00). Além disso, duas observações a esse respeito são pertinentes: i) as estatísticas são, em maioria, geradas a partir da divisão das atividades econômicas em setores (primários, secundário e terciário), o que não permite calcularmos a importância (em valores) de cada agente, consequentemente de cada situação dentro de o circuito espacial de produção; ii) a heterogeneidade do ramo do vestuário dificulta a quantificação, sobretudo com a introdução sistemática da subcontratação e terceirização. Além disso, parte das atividades geradas não é captada pelas estatísticas porque não é formalizada.

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Carvalho e Serra (1998) afirmam que o comércio de confecções no Brasil são efetuadas pelo (i) comércio atacadista, (ii) pelas grandes redes de varejo (incluindo as lojas de departamento e as lojas especializadas), (iii) pelo pequeno comércio de varejo (inclui as pequenas redes e as lojas independentes) e (iv) pelas cooperativas e instituições governamentais, entre outras indústrias que compõem a complexa divisão social e territorial do trabalho e da distribuição deste tipo de produção. Dentre os canais de comercialização as grandes redes especializadas se destacam, juntamente com as pequenas redes (Gráfico 2.1), perfazendo 46% do volume comercializado.

GRÁFICO 2.1: VOLUME COMERCIALIZADO (%) EM DIFERENTES CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO DE CONFECÇÕES

Fonte: IEMI (Instituto de Estudos de Marketing Industrial), 2007 (In: ABIT, 2009. Disponível em <

http://www.abit.org.br/site/> Acesso em 21/01/2010. Reelaboração da autora.

Em apresentação sobre o setor têxtil e de confecções, a ABIT (2009), usando dados de IEMI (2007), aponta que apenas 1% dos produtos confeccionados destina-se ao mercado externo, indicando o poder de consumo do mercado nacional. As vendas no varejo chegaram a US$ 47 bilhões em um total de 117 mil pontos de venda, sendo 740 as principais redes de distribuição. A Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX) congrega as principais empresas varejistas do ramo do vestuário como as Pernambucanas, Riachuelo, Marisas, C&A, Renner, além das empresas que não atuam apenas no ramo de confecções como a Leader, o Grupo Pão de Açúcar e o Walmart. 25% 21% 16% 14% 6% 6% 4% 3% 1% 4%

Grandes lojas especializadas Pequenas redes especializadas Atacado Pequenas lojas especializadas Lojas de Departamento Hipermercados

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Sobre o comércio de vestuário, o Brás e o Bom Retiro são referências nacionais. O Brás está organizado em 55 ruas, com uma área de 3,5 km2, possui cerca de 5.000 estabelecimentos comerciais que atuam nas áreas de jeans, moda feminina, masculina e infantil, moda íntima, moda praia, enxoval e bolsas e carteiras. Cerca de 4.000 empresas são dedicadas também à confecção (oficinas e fabriquetas), além do comércio (atacadista e varejista). Residem atualmente

no Brás cerca de 28 mil pessoas com renda média de R$1.240,0026.

O Bom Retiro é mais dedicado ao comércio atacadista do vestuário (há estabelecimentos que vendem no varejo e no atacado com preços diferenciados e aos sábados a maioria as lojas abre para compras a varejo). É considerado um pouco menos popular que o Brás. Possui

aproximadamente 2.000 lojas27 (CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS, 2010), sendo que

70% dessas são de coreanos, que atualmente contratam costureiros bolivianos ou oficinas bolivianas para costurarem suas peças. Em geral, os consumidores que compram em atacado no Bom Retiro são lojistas que revendem essas peças em butiques, lojas de shoppings e pequenos comércios em cidades de quase todo o Brasil. O comércio do Brás também apresenta esse perfil, porém com características mais populares, sobretudo pela presença da Feira da Madrugada no bairro.

Uma breve visita às ruas do Brás, Feira da Madrugada e Bom Retiro revelam a potencialidade da especialização produtiva e comercial dessas áreas da cidade, demonstrando que as análises realizadas pelo e para o circuito superior expressam uma visão limitada da cidade quando classificam esses bairros como deteriorados e que necessitam ser “revitalizados”.

Destacamos que esta etapa do circuito é gerado renda para uma população que extrapola os limites da metrópole paulista. A rede de “sacoleiras” e lojistas do interior é ampla e novos agentes são ativados quando a analisamos. O surgimento de empresas ou agentes especializadas em realizar excursões para a Feira e para os bairros do Brás e Bom Retiro expressam mais um exemplo da amplitude do circuito espacial de produção de confecções e seu respectivo círculo de cooperação.

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Dados obtidos em entrevista com Inês Ferreira (Secretária executiva da ALOBRÁS, Associação dos Lojistas do Brás) – 21/06/2010 e de informações contidas no Guia Oficial do Brás. Estes dados não puderam ser confrontados com os microdados do IBGE (Censo de 2010) porque ainda não foram disponibilizados.

71 IV - Consumo

Dependendo do ator que comanda as situações do circuito produtivo (A, B, C, D ou E), teremos como resultado consumos diferenciados. No entanto, ressaltamos que não se trata de consumos “puros”. Podem existir pessoas da classe média que eventualmente adquiram seus itens de vestuário nas lojas de grandes marcas ou em lojas populares do Brás e Bom Retiro. A origem do vestuário da população é híbrida, havendo predominância em alguma fonte, como as lojas varejistas especializadas ou as “lojinhas” do Brás e Bom Retiro para determinados extratos da população.

A extensão da rede de consumidores do Brás e Bom Retiro evidencia como o circuito inferior estrutura demandas de emprego e geração de renda fora da metrópole de São Paulo. Os lojistas do interior do Brasil levam as mercadorias para seus respectivos comércios e organizam suas vidas com base na revenda de roupas provenientes de São Paulo.

Outro componente do consumo da área de comércio de roupas na cidade de São Paulo são as famílias. Essas compram nas lojas do Brás, Bom Retiro e Feira da Madrugada suas necessidades de vestuário. Há muitas famílias da periferia de São Paulo que vão a esses bairros comprar roupas porque são opções baratas e talvez a única forma desse público suprir tal necessidade. A densa rede de transporte no Brás torna viável a viagem para consumo de roupas para estratos de população de baixa renda.

A população consumidora de confecções do Brás tem um perfil próprio. Essa população que vem da periferia da Grande São Paulo, na maior parcela é constituída por migrantes e seus descendentes. Pela manhã encontramos “sacoleiras”, costureiras ou simplesmente grandes famílias que vão ao Brás realizar suas compras, sempre à procura de uma mercadoria que tenha “bom preço”, relata Gomes (2002)

Gomes (2002) aponta que uma das características do Brás é a concentração de pessoas em função da convergência de várias linhas férreas e de metrô. Funcionando junto à estação de metrô Brás (Foto 2.3), há a Estação de trens Roosevelt, chamada antigamente de “Estação Norte”, um entroncamento de linhas de trens que atendem a região do ABC, Ribeirão Pires, Guarulhos, Poá, Mogi das Cruzes, Itaquecetuba, Osasco, Jandira entre outras.

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