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4.1 O PROTOCOLO DE NAGOYA

4.1.4 Características do Sistema ABS no Protocolo de Nagoya

4.1.4.2 Repartição de Benefícios Derivados da Utilização

A repartição de benefícios "[...] é o mais estratégico objetivo da Convenção” (DROSS; WOLFF, 2005, p. 56), na medida em que fornece um incentivo direto para a conservação e uso sustentável, e proporciona benefícios para o desenvolvimento também. E é este objetivo estratégico que o Protocolo regula.

A repartição de benefícios é verificada nos seguintes artigos do Protocolo: Cumprimento dos termos mutuamente acordados (artigo 18), e Cláusulas Contratuais Modelo (artigo 19). Em seguida se aborda sobre a Repartição justa e equitativa dos benefícios dos recursos (artigo 5), em que se direcionam os benefícios para conservação e utilização sustentável (artigo 9), assim como os benefícios monetários e não monetários (anexo A do Protocolo).

Se o PIC é o documento para o acesso, o MAT é o documento para a repartição de benefícios.

Esse documento trata-se nada mais do que um contrato entre as partes, para a repartição justa e equitativa dos benefícios oriundos da utilização do recurso genético e/ou conhecimento tradicional associado. Todos os artigos citados acima, em especial o artigo 5, reiteram que a partilha de benefícios provenientes de recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais deve ser baseada em um MAT. Isto porque, na prática, as obrigações internacionais serão para partilha de benefícios pelo acesso de entidades privadas, como as instituições de pesquisa e empresas de biotecnologia.

Um MAT é um contrato de direito privado. Portanto, é uma forma eficaz e de fácil aplicação para realizar obrigações de repartição de benefícios. Um elemento-chave para o funcionamento do sistema ABS é com base na confiança mútua, e tal contrato está previsto para esclarecer os direitos específicos das partes individuais e obrigações, restrições no uso de materiais e/ou conhecimento tradicional em toda a cadeia de investigação e desenvolvimento, bem como partilha de informação e fiscalização. Será realizado entre as partes, sempre que forem observados benefícios.

O artigo 6 (3) (g) já estabeleceu que a legislação nacional decidirá sobre o requerimento e estabelecimento de um MAT, e os requisitos mínimos que o MAT deve conter: primeiro, ser apresentado em forma escrita; segundo, conter cláusula de solução de controvérsias; deve também ter cláusulas sobre a repartição de benefícios, inclusive em relação a direitos de propriedade intelectual; assim como cláusulas sobre a utilização subsequente por terceiros, caso haja; e, por último, cláusulas sobre mudanças de intenção, quando aplicável.

Em complementação aos requisitos de um MAT, o protocolo define, no artigo 18, o que é preciso para o seu cumprimento. O artigo determina que o Estado estimulará provedores e usuários a incluir nos MAT: (a) a jurisdição à qual submeterão quaisquer processos de solução de controvérsias; (b) a lei aplicável; e/ou (c) opções para solução alternativa de controvérsias, tais como mediação ou arbitragem.

De forma a se cumprir um MAT, também se prevê no artigo 18:

2. Cada Parte assegurará a possibilidade de recurso em seus sistemas jurídicos, em conformidade com os requisitos jurisdicionais aplicáveis, nos casos de controvérsias oriundas dos termos mutuamente acordados.

3. Cada Parte tomará medidas efetivas, conforme o caso, sobre:

(a) acesso à justiça; e

(b) utilização de mecanismos relativos ao reconhecimento mútuo e execução de sentenças estrangeiras e decisões arbitrais.

O artigo 19 vai um pouco além nas obrigações das partes. Se o MAT será feito pela legislação interna, e existe um mínimo de conteúdo para a sua aplicação eficaz, é importante que exista uma homogeneidade. Por isso, o tal artigo explica que “Cada Parte estimulará, conforme o caso, o desenvolvimento, atualização e uso de cláusulas contratuais, modelos setoriais e interssetoriais para termos mutuamente acordados”. Ainda é previsto que nas Conferências das Partes será feita uma avaliação periódica do uso de cláusulas contratuais.

Quanto à repartição de benefícios em si, o artigo 5 ressalta:

[...] os benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, bem como as aplicações e comercialização subsequentes, serão repartidos de maneira justa e equitativa com a Parte provedora desses recursos, que seja o país de origem desses recursos ou uma Parte que tenha adquirido os recursos genéticos em conformidade com a Convenção. Essa repartição ocorrerá mediante termos mutuamente acordados (Parágrafo 1).

Este parágrafo estabelece uma obrigação interestatal de partilha dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos, a partir das aplicações subsequentes e comercialização, reforçando a obrigação legal existente no artigo 15 da CDB, do uso comercial ou outra utilização dos recursos genéticos, diferentes fases da cadeia de pesquisa e desenvolvimento após o acesso.

O artigo 5 inclui três obrigações inter-relacionadas para as partes: uma obrigação interestatal para compartilhar benefícios (parágrafo 1); a obrigação de compartilhar os benefícios com as comunidades indígenas e tradicionais, em que os benefícios derivam dos recursos mantidos por essas comunidades (parágrafo 2); e a obrigação de compartilhar os benefícios resultantes da utilização do conhecimento tradicional com as comunidades indígenas e locais, titulares de tal conhecimento (parágrafo 5). Todas estas obrigações devem ser cumpridas pela promulgação de medidas legislativas, administrativas e/ou políticas nacionais.

Para Buck, Morgera e Tsioumani (2014, p. 113), as obrigações do artigo 5, parágrafos 2 e 5, representam grandes desenvolvimentos no Direito Internacional Ambiental. Representam os direitos humanos, a consideração ambiental das comunidades indígenas e tradicionais enquanto situação interna entre um Estado e seu povo, que são obrigações ambientais sociais.

Os benefícios a que se refere o artigo 5 podem ser monetários ou não monetários (parágrafo 4). Para tanto, o anexo do Protocolo (igual ao anexo das orientações de Bonn) oferece uma lista não exaustiva de benefícios monetários e não monetários. Como exemplo de benefício monetário, pode-se citar taxas de acesso ou taxa por amostra coletada ou de outro modo adquirida, ou ainda pagamento de royalties. Já como benefícios não monetários, pode-se pensar em compartilhamento dos resultados de pesquisa e desenvolvimento, ou contribuição em programas de pesquisa e desenvolvimento científicos.

Um desafio quanto ao artigo 5 é que a repartição de benefícios deve ser estipulada no momento do acesso, quando um PIC ou MAT for estabelecido. Mas, frequentemente, é após o acesso e durante a utilização do recurso genético que o valor real ou potencial se torna evidente. O que significa que o momento do acesso é muito cedo para determinar a repartição justa e equitativa.

Por conta disso, o artigo 15 da CDB interpreta-se pela prescrição de que um PIC ou MAT inicial deve ser revisado após mudança da compreensão do valor do recurso, da intenção do usuário (não comercial para comercial) ou do tipo de utilização acordado. O que pode produzir dois MAT: um no momento do acesso e um revisado quanto à repartição de benefícios por novas informações e usos novos do mesmo recurso, uma renegociação posterior (BUCK; MORGERA; TSIOUMANI, 2014, p. 115).

O artigo 9 do Protocolo destaca que os benefícios derivados dos recursos genéticos e/ou conhecimentos tradicionais que serão repartidos devem ser dirigidos para a conservação da diversidade biológica e para utilização sustentável de seus componentes, no sentido de que o beneficio, advindo da utilização, contribua para a sua proteção e manutenção.

Em resumo, a partilha justa e equitativa de benefícios deve ser entendida no sentido de, dentro de um contexto de consumo racional e sustentável dos recursos da biodiversidade, o Estado deve receber as devidas retribuições econômicas, diretas ou reflexas, pela utilização daqueles recursos naturais, inclusive em relação a sua patenteação, bem como tenham respeitadas a sua soberania e autodeterminação em relação

aos mesmos e o direito de acesso à capacitação e informações científicas (DERANI, 2005, p. 105).