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Repercussões no contexto do cotidiano docente

A presente categoria emergiu das reiteradas respostas dos sujeitos da pesquisa abordando o clima escolar gerado pela avaliação externa. Os impactos ocasionados pela necessidade de cumprir as metas estabelecidas pelo índice criado pela SEE/SP, o IDESP, que tem no SARESP sua principal determinante, e a mais difícil de ser realizada, geram nos agentes escolares, professores e direção, uma cobrança muito grande para a sua consecução.

Vejamos, inicialmente, algumas respostas relativas ao cumprimento das metas estipuladas pela SEE/SP para as escolas:

“Nossa meta era muito alta”. (S14C).

“Trabalhamos muito para atingir a meta”. (S04A).

“O nosso índice a ser atingido, é muito alto, por isso o motivo de certa dificuldade [no cumprimento das metas]”. (S15C).

“[A escola] atingiu em parte a meta e recebemos bônus depois de grandes sacrifícios dos professores”. (S11B).

A utilização de metas a serem cumpridas pelas escolas é um recurso tipicamente utilizado no meio empresarial e que a SEE/SP utiliza-se com o objetivo de conferir uma padronização à sua rede onde, segundo o discurso oficial, haveria um padrão de qualidade único em todas as escolas.

Os diferentes e reiterados tipos de críticas aos chamados “ineficientes sistemas burocráticos de governo” deram abertura e legitimidade à penetração crescente de uma nova lógica de administração derivada do setor privado. Essa nova lógica lentamente vai introduzindo formas, muitas vezes bastante sutis, de privatização, mas seu elemento-chave é a análise do desempenho de pessoas e de instituições. (SANTOS, 2004, 1151).

O cumprimento das metas tem se transformado em um trabalho extremamente penoso para o professor da rede pública estadual paulista. Como o modelo proposto de avaliação por parte do Estado promove a divulgação, por meio das Diretorias Regionais de Ensino (DIREN), e também na mídia, das escolas que atingiram as metas, sobretudo as que se sobressaíram no SARESP, mais que a obtenção de um ganho salarial, os professores almejam que suas escolas alcancem as metas para que esta figure entre as escolas melhores avaliadas, na sua cidade ou região.

No que se refere ao trabalho docente, as conseqüências são desalentadoras. Há por parte dos órgãos oficiais mecanismos de cobrança e pressão por certos resultados da avaliação que são materializados e publicizados, que atualmente tem sido caracterizada como formas de controle que opera tanto no âmbito individual, quanto no organizacional. (RICHTER & VALENTE, 2010, p. 14).

A pressão que os professores vem sofrendo com o advento da realização do SARESP como requisito para alcançar as metas do IDESP e, consequentemente, a bonificação salarial, foram apontadas em respostas como:

“Hoje [em dia] falamos nesse SARESP o ano inteiro, metas e metas, todo mundo é muito cobrado”. (S06A).

“Nós professores, nos sentimos mais pressionados”. (S15C).

“[A política de avaliação do Estado] trouxe mudanças e cobranças de todos”. (S05A).

Palavras como “pressão” e “cobrança” foram recorrentes, ao longo dos questionários respondidos pelos sujeitos da pesquisa. A pressão refere-se à necessidade da consecução das metas, mas e a cobrança?

“A pressão começa de cima”. (S06A).

“A escola mediante as cobranças da SE, tem cobrado mais dos professores”. (S10).

“Somos muito cobradas pelos dirigentes, coordenadores, pais”. (S13C).

Pelas respostas dos professores, fica evidente o clima de cobrança pelos resultados a que são submetidos pela SEE/SP e até mesmo pelos pais de alunos, certamente em razão da publicização dos resultados das escolas, que faz com que os pais cobrem dos professores uma melhoria para que a escola do filho não fique entre as piores avaliadas na cidade.

Os professores sentem-se cobrados e pressionados a atingir objetivos, previamente fixados pelo Estado, descontextualizados da realidade da sua escola, sob pena de ter a escola taxada como ruim e ser punido com o não recebimento do bônus.

“O professor trabalha numa profissão desgastante”. (S15C). “O professor trabalha sob pressão para atingir objetivos”. (S05A).

“Na maioria das vezes o professor surge como o “bandido” da história”. (S01A)

“Trabalhamos sob pressão, infelizes, com medo”. (S06A).

Podemos perceber ainda como reflexo da pressão a que os professores são submetidos, que eles imputam ao aluno a responsabilidade do não cumprimento das metas em razão do mau desempenho no SARESP.

Em escolas que não receberam o bônus em 2010, foram comuns respostas como:

“A indisciplina dos alunos [prejudicou a escola a atingir a meta do IDESP]”. (S09B).

“[Atribuo ao fato da escola não ter atingido a meta, a] falta de atenção e interesse dos alunos em aprender a matéria”. (S07B).

Contrastando com a realidade das escolas das professoras acima citadas, uma professora cuja escola atingiu as metas em 2010 atribuiu o êxito ao bom rendimento dos alunos.

“Alunos mais interessados e participativos, poucos alunos com problemas cognitivos [contribuíram para o cumprimento da meta]”. (S02A).

O cumprimento das metas das escolas está diretamente relacionado ao bom desempenho do aluno no exame do SARESP. Assim sendo, além de recorrer à utilização de estratégias curriculares, já discutidas na categoria anterior, as escolas têm a necessidade de enfrentar o problema da indisciplina e do desinteresse dos alunos, que deixam de ser analisados como problemas de natureza didática e pedagógica, para tornarem-se obstáculos na consecução dos objetivos de atingir as metas da SEE/SP.

Ao atribuir tamanha importância ao desempenho dos alunos, a ponto de suas notas no SARESP sentenciar a qualidade da sua escola e uma bonificação salarial aos seus professores, a pressão sobre os professores por extrair dos alunos o maior rendimento possível tem descaracterizado a profissão docente no que se refere ao seu cotidiano em sala de aula, na medida em que o conhecimento dos alunos passa a representar um acréscimo salarial.

Se o conhecimento em todos os seus aspectos é dividido e acomodado, tal como acontece com o capital económico, pode ser acumulado. A nota de um bom aluno é a posse e acumulação de grandes quantidades de conhecimentos ao serviço de interesses técnicos”. (APPLE, 1997, p. 57).

Toda essa descaracterização cria um mal-estar entre os docentes (MAUÉS, 2006), que contribui para um clima de apatia, com a perda da crítica por parte dos docentes.

Esse “mal estar” em função, dentre outras coisas, da perda de identidade, da mudança na natureza do trabalho, das perdas salariais, tem ocasionado também a desistência, significando esta não necessariamente o abandono da profissão, mas na maioria dos casos um abandono do ser professor, o que implica uma apatia no desempenho das funções e uma enorme sensação de fracasso. (MAUÉS, 2006, p. 162).

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