• Nenhum resultado encontrado

1. Âmbito – O corpo que acolhe um cubo vazio

1.3. A repetição e a simetria volumétrica

Na produção das esculturas, utilizei o processo tradicional de modelagem e confecção de moldes em gesso, compostos por várias peças ou tacelos (Figura 14). Esses moldes foram preenchidos também com gesso, resultando em várias unidades, que foram lixadas, pintadas e polidas. Após a concepção dessas “unidades escultóricas”, a repetição aparece como possibilidade estética, em peças retiradas de um único molde, para composições que configuram vários elementos idênticos.

Figura 14: Tetra mammalia cubicus (processo de confecção do molde). 2012. Gesso.

Rodin recorreu à repetição para criar uma tríade de corpos idênticos (Figura 15). “As

três sombras funcionam como uma paródia da tradição de agrupar figuras tríplices, típica da

Figura 15: Rodin Auguste. As três sombras. 1886. Bronze, 97 x 91,3 x 54,3 cm. Museu Rodin, Paris. Como afirma Read (2003, p. 8):

Rodin percebeu que a ilusão de vida não poderia ser dada senão pelo movimento, e definiu como a transição de uma atitude a outra, o que não pode ser representado realisticamente em um objeto estático como uma escultura. A alternativa é, pois, sugerir posições sucessivas simultaneamente.

Múltiplas unidades escultóricas podem ser configuradas em várias narrativas, quando as posições das peças são rearticuladas, seja virtualmente, pelo observador, ou fisicamente em sua forma expositiva, quando alterada a sua configuração inicial. Esse aspecto, que também pode ser observado na obra As três sombras de Rodin, possibilita uma nova abordagem para a narrativa da composição escultórica, porque transcende a sequência lógica de início-meio-fim. Nesse sentido, trabalhei com dois grupos de figuras: Tetra mammalia cubicus (Figuras 16 e 17) e Formas ao cubo (Figuras 18 e 19), seguindo a ideia de explorar a possibilidade da múltipla observação, das várias perspectivas na escultura, de uma mesma escultura poder ser

vista de vários ângulos ao mesmo tempo, construindo várias composições e alternando suas posições, quando apresentadas em grupos.

A repetição da forma revelou-se uma questão importante, porque possibilita futuros desdobramentos, como a investigação do fator tempo na tridimensionalidade. A intenção foi de abordar o ângulo de visão de forma contínua, como se o observador pudesse contemplar, ao mesmo tempo, as várias posições do objeto e absorver o elemento tempo como parte constante da tridimensionalidade. Assim, a ideia é chegar a uma forma composicional que tenha infinitos perfis, evidenciada pelo impacto visual causado pela repetição.

Figura 16: Tetra mammalia cubicus. 2012. Gesso, políptico: 4 vezes de 24x17x16 cm.

Figura 18: Formas ao cubo. 2012. Gesso, tríptico: 3 vezes de 22x15x15 cm.

Procurei também explorar o embate e a inquietação existente no contraste gerado quando formas geométricas são inseridas em formas orgânicas, em uma representação quase destituída de valor mimético. Ao incorporar estilizações abstratas a uma estrutura que ainda contém fortes referências de uma figura reconhecível, os trabalhos passam a conter um aspecto surreal.

Ao falar em arte surrealista deve-se logo observar que se trata sempre de uma arte de figuração. O abstrato, especialmente o abstrato geométrico ou construtivista, não se encaixa na natureza do surrealismo, cujos extremos menos figurativos, Arp e Miró, estão longe de serem classificáveis como abstratos. Isso porque não se pode ser surrealista sem se empenhar de alguma maneira numa representação (MICHELI, 2004, p. 164).

As formas presentes nos trabalhos foram configuradas como arquetípicas. Nesse sentido, as figurações remetem às representações de formas-arquétipos, exploradas por Arp e principalmente por Brancusi. São formas orgânico-abstratas que, por si mesmas, ou pelo tema proposto, não fogem da representação mimética, mas se configuram como idealistas. Segundo Read (1981), a forma surgiu como funcional e, aos poucos, se transformou em forma estética.

Há duas possíveis hipóteses que poderiam levar-nos no sentido de uma explicação das origens da forma estética. A primeira poderia ser chamada de

naturalista, ou mimética, a segunda talvez de idealista. Segundo a primeira

hipótese, todos os desvios formais em relação à eficiência são devidos à imitação, consciente ou inconsciente, de formas encontradas na natureza; de acordo com a segunda hipótese, a forma tem significação própria, isto é, corresponde a uma necessidade psíquica interior, expressando um sentimento, que não é necessariamente indeterminado: pelo contrário, é com frequência um desejo de refinação, clarificação, precisão, ordem (READ, 1981, p. 73).

Brancusi trabalhava a semelhança de uma determinada forma com aparências humanas ou de animais, condensando as formas das figuras retratadas em arquétipos. A investigação da consistência da forma o conduziu à ovoide como a ideal. Seu trabalho de foi além da busca pela pureza da forma. Segundo Krauss (2007), a obra de Brancusi é essencialista, conduz à contemplação, uma vez que faz uma deflexão da geometria ideal; a contemplação estética em sua obra é um convite para que se reconheça o modo pelo qual a matéria se insere no espaço.

Em minha produção, a forma cúbica representada como vazio sintetiza a representação que foi perseguida como forma ideal, como a possível origem das coisas do mundo. A principal questão investigada foi a da existência do espaço vazio como elemento inquietador. Quando pensamos a forma cúbica como espaço negativo e como subtração de uma forma geométrica a

partir de uma forma orgânica, por sua relação composicional, nos deparamos com uma relação que remete ao surreal.

O cubo vazio seria inerente, e ao mesmo tempo repulsivo, ao próprio objeto tridimensional onde está inserido, e nisso reside um incômodo. “O uso da concavidade na escultura moderna parece permitir uma adequação de uma unidade a outra” (ARNHEIM, 2004, p. 233), “[...] escultores como Archipenko e Lipchitz, e mais tarde, especialmente Henry Moore introduziram limites e volumes côncavos para rivalizar com as convexidades tradicionais” (ARNHEIM, 2004, p. 232).

As formas orgânicas, que retiro do corpo humano, têm uma relação direta com a ação de Moore, que retira formas de uma caveira de elefante e as insere em esculturas que remetem a figuras humanas, preservando seus elementos antropomórficos vitais. Com isso, sua produção passa a ter não somente a figura humana como foco principal do trabalho, mas também formas híbridas, meio humanas meio orgânicas, que tentam resgatar o elo existente entre as formas da natureza.

Henry Moore, como os artistas do seu tipo em todas as épocas, acredita que para além das aparências das coisas há um tipo de essência espiritual, uma força ou um ser imanente, cuja manifestação nas formas vivas é só parcial. Estas formas reais são como que resultados grosseiros determinados por circunstâncias gratuitas do tempo e do lugar. O fim da evolução orgânica é funcional ou utilitário e, espiritualmente falando, um fim difícil de encontrar. Assim, compete à arte libertar a forma das suas excrescências acidentais, para revelar essas formas que o espírito pode criar sem objetivos pragmáticos (READ, 1952, p. 239).

Implicitamente, minhas esculturas representam o nascimento simbólico de um ser e questionam a origem da forma em si mesma. Determinam, no âmbito geral da pesquisa, o resultado do desencadeamento de um processo. E as outras etapas da produção dos trabalhos, mesmo possuindo aspectos formais e processuais distintos, estão inseridas em uma mesma rede de significações. Nesse caso, representam uma forma embrionária e arquetípica à espera de inserção de conteúdo.

Documentos relacionados