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CAPÍTULO 3 – O ÔNUS DA PROVA NOS PROCESSOS RELATIVOS A

3.4. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO

3.4.1. REQUISITOS

O artigo 6º do CDC determina quais são os requisitos para inversão do ônus da prova. São eles a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança da alegação.

a) Hipossuficiência

A hipossuficiência significa impotência do consumidor para apurar e demonstrar a causa do dano249. Ao contrário da vulnerabilidade prevista no artigo 4º do CDC, presunção legal aplicável todos consumidores, a hipossuficiência é característica limitada a alguns, marca pessoal inerente às características do consumidor250.

Enquanto a vulnerabilidade informa todo o sistema de proteção ao consumidor, com base em sua inserção no mercado para aquisição de bens cujas particularidades não estão sob seu domínio, a hipossuficiência deve ser avaliada individualmente, pois decorrente das características pessoais de cada consumidor.

A determinação do que seja a hipossuficiência do consumidor se dá in

concreto, devendo o juiz identificar nesse conceito juridicamente

indeterminado, em acordo com as regras de experiência, a ausência de condições de defesa processual, por razões econômicas, técnicas, ou mesmo em face de sua posição jurídica na relação sub judice (é o consumidor que não teve acesso à cópia do contrato, por exemplo) 251. O desconhecimento das propriedades técnicas do produto ou serviço, funcionamento, motivos geradores do dano, características do vício, meios de distribuição, dentre outros, são os critérios informadores da hipossuficiência252.

O réu em um processo em que se discute uma relação de consumo é um fornecedor de produtos ou serviços, logo capacitado tecnicamente para prestar todo tipo de esclarecimento acerca do produto ou serviço que gerou a lide.

249 THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. Cit., p. 181. 250 ALVIM, Arruda. Ob. Cit., p. 45.

251 MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 623. 252 NUNES, Rizatto. .Ob. Cit. p. 854.

Essa capacitação técnica qualifica o fornecedor como a melhor hipótese de esclarecimento técnico acerca da controvérsia. O juiz, destinatário da prova, também não é versado tecnicamente na matéria posta em juízo, logo nada mais coerente de que o esclarecimento técnico sobre a matéria residir em quem se apresenta como mais capacitado.

Entretanto, a hipossuficiência também poderá ser financeiro- econômica, traduzida na impossibilidade de arcar com os custos de produção da prova necessária para obtenção da decisão favorável. O consumidor detentor de posses e esclarecido dificilmente poderá ser classificado com hipossuficiente.

Partindo de um exemplo sobre um acidente de veículo, ocasionado por um defeito na roda, José Geraldo Brito Filomeno253 apresenta essa distinção de maneira clara:

Isso nos impele a inferir, pela lógica de interpretação, que se o rico proprietário do automóvel de luxo tiver condições econômicas de arcar com os exames periciais, até porque possíveis de serem produzidos, faltar-lhe-á não o requisito de vulnerabilidade

técnica/verossimilhança, mas o da hipossuficiência econômica.

Já com relação ao modesto proprietário de um veículo popular, conforme sua situação, e ainda que possível a produção de prova técnica, poderá ser beneficiário da justiça gratuita e, consequentemente, da inversão do ônus da prova, porque

hipossuficiente, nos exatos termos do parágrafo único do art. 2§ da Lei 1.060/1950. (grifos originais).

Portanto, essa incapacidade do consumidor, denominada como hipossuficiência poderá ser técnica na medida em que não dispõe de elementos para produzir a prova necessária para o esclarecimento dos fatos, como também poderá ser financeira, pela impossibilidade de arcar com os custos dessa mesma prova.

b) Verossimilhança

A verossimilhança das alegações consiste em uma forte aparência de veracidade. Ainda que ausentes as provas, dado o caso concreto, aplicam-se

na hipótese as máximas de experiência do juiz, nos termos do art. 335 do CPC, o que se traduz em um juízo de verossimilhança, próximo da verdade.

A verossimilhança é juízo de probabilidade extraída de material probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião de ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor. Diz o CDC que esse juízo de verossimilhança haverá de ser feito “segundo as regras ordinárias da experiência” (art. 6º, VIII). Deve o raciocínio, portanto, partir de dados concretos que, como indícios, autorizam ser muito provável a veracidade da versão do consumidor254.

Trata-se de um conceito operacional, resultado do trabalho de interpretação do homem médio, com base na conclusão do que normalmente se espera dos fatos apresentados; uma verdade aproximada, possível255.

No mesmo sentido, a verossimilhança, que se vai apresentar como espécie de juízo de probabilidade, segundo as informações das partes no processo, ou seja, em acordo com o que se verifica do disposto no processo, se aquelas informações estariam ou não em acordo com um juízo de razoabilidade ou de probabilidade do que efetivamente tenha ocorrido256.

Os requisitos de hipossuficiência e da verossimilhança da alegação não são cumulativos, como a própria redação do artigo aponta.

Em primeiro lugar, servindo-se das regras de experiência, deve o juiz verificar se a afirmação é verossímil, ou seja, se dentro de um critério de plausibilidade, a afirmação se mostra cabível, com aparência de verdade.

Não havendo verossimilhança, deve o juiz analisar a existência de hipossuficiência, quer em decorrência da dificuldade de provar à luz da falta de informações e de conhecimentos específicos acerca da produção, quer em razão da dificuldade econômica da prova257. Bastará a presença de um deles para que o juiz, em decisão fundamentada, inverta o ônus da prova, conforme jurisprudência abaixo transcrita:

254 THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. Cit., p. 181. 255 MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit., p. 43. 256 MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 623.

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6º DO CDC. REQUISITOS. HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR OU VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA N.

7/STJ. LAUDO TÉCNICO INSUFICIENTE. REVISÃO.

INADMISSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA.

1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7 do STJ.

2. A inversão do ônus da prova depende da aferição, pelo julgador, acerca da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do consumidor, a teor do art. 6º, VIII, do CDC.

3. É vedada, em sede de recurso especial, a análise da presença dos requisitos autorizadores da inversão do ônus da prova, porquanto tal providência esbarra no óbice da Súmula n. 7/STJ.

4. O Tribunal de origem examinou as peculiaridades fáticas do caso para concluir pela insuficiência do laudo técnico apresentado. Alterar esse entendimento demandaria o reexame das provas produzidas nos autos, o que é vedado em recurso especial.

5. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ AgRg no AREsp nº 312555/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 05/05/2014).

A simples conclusão de que tal expediente visa a beneficiar o consumidor pode ser interpretada como tratamento desigual entre as partes no processo, o que poderia prejudicar ou até colocar o fornecedor numa situação em que fosse obrigado a produzir uma prova impossível.

O consumidor está obrigado a fazer prova dos fatos constitutivos de seu direito, ainda que dentro das regras do CDC. A mera alegação da ocorrência de determinados fatos não é suficiente para o acolhimento de seu pedido, conforme se observa do julgado transcrito abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. SHOPPING CENTER. PISO ESCORREGADIO. QUEDA DA PRÓPRIA ALTURA. CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE PROVAS. INDENIZAÇÃO DESCABIDA.

1. O shopping center tem o dever de zelar pela segurança dos consumidores. Trata-se de um dever lateral, instrumental ou anexo, de conduta, imposto pelo princípio da boa-fé objetiva. No caso, com mais razão tal princípio deve ser observado, uma vez que se trata de relação abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor, consoante previsão do art. 3º, §2º, CDC.

2. O demandado se responsabiliza de maneira objetiva pelos fatos decorrentes do serviço prestado, tanto por defeitos da prestação como por falha nas informações devidas, a teor do disposto no art. 14 do CDC.

3. Todavia, inobstante o dever da requerida de zelar pela incolumidade física dos frequentadores de seu estabelecimento, respondendo objetivamente pelos danos por eles sofridos, há que restar evidenciado um nexo de causalidade entre o dano sofrido e alguma conduta, comissiva ou omissiva, da requerida ou de seus prepostos.

4. A queda de uma pessoa pode derivar de muitas causas, tais como tropeção, desequilíbrio, pisada em falso, etc., nem todas imputáveis a algum fato imputável à ré, como a existência de piso molhado, desníveis ou buracos no pavimento, sem a devida advertência.

5. No caso concreto, por não haver demonstração mínima acerca das circunstâncias do incidente, não há como imputar os danos físicos sofridos pela autora ao demandado. (Apelação Civil, 0235655- 88.2013.8.21.7000, Nona Câmara Cível, TJRS, Rel. Eugenio Facchini Neto, j. 10/07/2013).

No acórdão acima mencionado, a consumidora não apresentou nenhum elemento que pudesse ser considerado na prova de suas alegações ou ao menos na presunção de sua ocorrência.

Antes de se aplicar indistintamente a inversão do ônus prevista no artigo 6º, VIII, mostra-se imprescindível avaliar processualmente o objeto da tutela.

A previsão da inversão do ônus da prova precisa ser interpretada em conjunto com a previsão dos artigos 12, § 3º e 14, 3, do Código de Defesa do Consumidor também.

A importância dessa contraposição deriva da natureza objetiva da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor. Uma vez que o consumidor demonstre que houve o dano e que este dano adveio de um produto do fornecedor, estará, em princípio, presente a responsabilidade deste, sem a necessidade de se perquirir sobre culpa ou dolo.

Exatamente pelo caráter objetivo da responsabilidade, os artigos descritos tratam de causas excludentes de responsabilidade.

Nesses casos, o consumidor não tem que provar que o dano decorreu de ato ou omissão do fornecedor; basta provar o dano e sua relação com o produto do fornecedor.

Obrigar o consumidor a explicar o motivo do defeito para que tenha seu direito tutelado representa a vedação ao exercício desse direito. A facilitação da defesa visa justamente tutelar esse consumidor que teve sua expectativa com a aquisição do produto frustrada, sem que saiba os motivos.

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