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A responsabilidade objetiva

2. IMPUTAÇÃO DE DANOS NA OMISSÃO ESTATAL

2.3 A responsabilidade objetiva

Enquanto parte significativa da doutrina vislumbra responsabilidade subjetiva na omissão do Estado, outra parcela dela, não menos numerosa, não admite essa dicotomia, afirmando que não há falar em responsabilidade subjetiva do Estado, em qualquer hipótese. Nesse sentido: Gustavo Tepedino,324 Sérgio

323 SEVERO, Sérgio. Tratado..., p. 327.

324 “Não é dado ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu, sobretudo em se tratando de

legislador constituinte – ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus. A Constituição Federal, ao introduzir a responsabilidade objetiva para os atos da administração pública, altera inteiramente a dogmática da responsabilidade neste campo, com base em outros princípios axiológicos e normativos (dentre os quais se destacam o da isonomia e da justiça distributiva), perdendo imediatamente a base de validade qualquer construção ou dispositivo subjetivista, que se torna, assim, revogado ou, mais tecnicamente, não recepcionado pelo sistema constitucional. [...]. De mais a mais, a dicção do artigo 43 (do Código Civil) acima transcrito, que suprime a referência, prevista no artigo 15 do Código anterior ao procedimento ‘de modo contrário do

Cavalieri Filho,325 Nelson Nery Jr.,326 Felipe Peixoto Braga Netto,327 Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho,328 Juarez Freitas,329 Emerson Gabardo e Daniel Wunder Hachem,330 Carlos Roberto Gonçalves,331 Deborah Pierri,332 Irene Patrícia

direito’, parece deixar clara a opção legislativa pela responsabilidade objetiva em toda e qualquer atividade estatal, e deveria servir para sepultar definitivamente a responsabilidade subjetiva nos atos praticados pela administração pública, sejam eles comissivos ou omissivos” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 212-213).

325 “Em nosso entender, o art. 37, § 6.º, da Constituição, não se refere apenas à atitude comissiva do

Estado; pelo contrário, a ação a que alude engloba tanto a conduta comissiva como a omissiva” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa..., p. 251).

326 “Com a devida vênia, entendemos que a CF, 37, § 6.º, consagra, sim, a responsabilidade objetiva

da administração pública, pela teoria do risco, quer se trate de conduta comissiva ou omissiva dos agentes ou servidores do poder público” (NERY JR., Nelson. Responsabilidade civil da administração pública. Revista de Direito Privado, São Paulo: RT, v. 1, n. 1, p. 34, jan.-mar. 2000).

327 “Na omissão estatal a responsabilidade independe do elemento culpa. Basta o nexo causal. Ainda

que o Estado prove que não houve, de modo algum, culpa pelo buraco (digamos que o buraco apareceu no dia anterior, impossibilitando qualquer previsão de obra), ainda assim persistirá a responsabilidade estatal, para cuja ocorrência basta o dano aliado ao nexo causal, sendo irrelevante, mesmo nos casos de omissão estatal, a culpa” (BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Responsabilidade civil, p. 250).

328 “Esta parece ter sido a real intenção do legislador constituinte de 1946, no que se seguiram os de

1967, 1969 e 1988, vale dizer, eliminar, de vez, a teoria subjetiva da responsabilidade do Estado, simplificando sobremaneira a lide a ser enfrentada pela vítima, a qual já não mais precisa demonstrar a ocorrência de culpa, ainda que anônima, na atuação omissiva ou comissiva do Estado. O elemento culpa só irá interessar na relação Administração versus agente, para efeito de eventual direito de regresso” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edson do Rego. Problemas da responsabilidade civil..., p. 54).

329 “Caem como folhas no outono as dúvidas quanto à responsabilidade objetiva no caso de guarda

de pessoas ou bens, hipótese em que o descumprimento do dever (inoperância) faz presumido o nexo causal, até prova em contrário. Portanto, os sinais de mudança de atitude interpretativa, apesar de nuançados, felizmente se acumulam. Claro que subsistem decisões, até em maioria, que acolhem a responsabilidade subjetiva do Estado por omissão. Com o devido respeito, no entanto, perante a o missão do Poder Público, o correto é reputar irrelevante a consideração sobre culpa ou dolo. A argumentação baseada em ‘culpa anônima’ oculta a superação indecisa de parâmetros subjetivistas. Em qualquer caso (a ação ou omissão), mister transcender a abordagem subjetivista acerca da prova da imperícia, da imprudência, da negligência ou da intencionalidade” (FREITAS, Juarez. Proporcionalidade e vedação de excesso e inoperância. In: – ––––– (Coord.). Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 184-185).

330 “O artigo 37, § 6.º, da CF, que traduz o fundamento normativo da responsabilidade civil do

Estado, não faz qualquer distinção entre comportamentos omissivos e comissivos. [...]. O texto constitucional requer a comprovação de dolo e culpa tão somente no caso da ação regressiva em face do agente. Nos demais, a responsabilidade objetiva é medida que se impõe” (GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel Wunder. Responsabilidade civil..., p. 280-281).

331 “Pode-se, assim, afirmar que a jurisprudência, malgrado alguma divergência, tem entendido que a

atividade administrativa a que alude o art. 37, § 6°, da Constituição Federal abrange tanto a conduta comissiva como a omissiva. No último caso, desde que a omissão seja a causa direta e imediata do dano” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro..., v. 4, p. 142).

332 “A referência à responsabilidade subjetiva nas hipóteses de omissão estatal é improdutiva, pois

faz voltar ao tempo em que felizmente conclui-se o quão incômodas são as dificuldades na comprovação e na individualização do dolo ou da culpa. Na verdade, a falha é atribuível

Nohara,333 Marcelo Junqueira Calixto,334 Rômolo Rosso Júnior335 e Luis Manuel Fonseca Pires.336

Argumenta-se, em geral, que a Constituição Federal não fez qualquer ressalva no que tange à responsabilidade civil do Estado, qualificando-a simplesmente como objetiva, de modo que não caberia ao intérprete proceder a tal distinção. Afirma-se, ainda, que, embora a omissão não possa ser causa no sentido naturalístico, à medida que a omissão em si mesma não gera resultado material,

diretamente ao Estado decorrente do impróprio funcionamento de um serviço público, mas não a algum agente específico” (PIERRI, Deborah. As omissões dos agentes públicos. Faute du service e outros esclarecimentos sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello Guerra et al. (Coord.). Responsabilidade civil do Estado: desafios contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 184.

333 “[...] não podemos deixar de considerar que se a Constituição, já desde 1946, escolheu positivar

uma norma que dispõe que a responsabilidade será objetiva, e dela não se extrai, em nossa opinião, que tal ocorra apenas com a ação do Estado, mas também na omissão de seus deveres específicos. Não foi a vontade constituinte promover esse retorno à culpa do serviço. O constituinte quis deliberadamente ampliar as circunstâncias em que o Estado responderá com base na adoção da teoria do risco, que envolve a repartição dos encargos sociais” (NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo, p. 792).

334 “[...] posta a questão em termos estritamente jurídicos, acredita-se não ser realmente possível

afirmar a permanência da culpa – mesmo referida ao serviço e não ao agente específico –, como fundamento da responsabilidade do Poder Público. Em verdade, a leitura atenta do artigo 37, § 6.º, da Constituição da República – e também do art. 43 do Código Civil – impede, efetivamente, que se insista no argumento da ‘culpa do serviço’ (faute du service), a qual não parece encontrar aí o mais leve resquício, salvo, é claro, na referência expressa à culpa do agente, porém, para que se julgue procedente eventual ação regressiva do Poder Público em face deste” (CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa..., p. 238-240).

335 “Reconhece-se que a responsabilidade civil no século XXI estava irmanada muito mais com o

bem-estar da pessoa humana e cada vez mais distante da identificação – quase hedionda e tão retrógrada – de quem fez o que e, assim, da culpa – daí, pois, a ordem legal e moral de indenizar. Esta última leitura deve ser apagada. Falar-se em culpa estatal, a qual é evocada para permitir a caracterização da responsabilidade civil subjetiva, é caminhar na contramão d própria Carta Magna e da vigência do art. 37, § 6.º, da CF” (ROSSO JÚNIOR, Rômolo. Responsabilidade civil do Estado por danos causados por torcidas organizadas. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello Guerra et al. (Coord.). Responsabilidade civil do Estado: desafios contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 758).

336 “Com efeito, acedemos ao entendimento de que a norma constitucional, ao prescrever a dispensa

do elemento subjetivo pelos danos causados a terceiros, não se refere à ação, mas sim à capacidade do ato ou do fato, da Administração Pública Direta e Indireta, do Estado em geral, e de quem faça as suas vezes, de ser a causa adequada do efeito danoso segundo a imputação normativa (na ação), ou simplesmente, a despeito da ausência da causa, existir a imputação normativa (na omissão). A norma constitucional não poderia nunca reger a causa no plano apofântico (leis naturais); disciplina apenas a imputação normativa. Seja a razão jurídica um comportamento comissivo (ação) ou um comportamento omissivo” (PIRES, Luis Manuel Fonseca. Responsabilidade civil do Estado por insuficiência da segurança pública. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello et al. (Coord.). Responsabilidade civil do Estado: desafios contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 719).

existindo somente em face de um dever de agir não cumprido pelo omitente, ela pode ser causa no sentido normativo, pois prevalece uma relação de imputação jurídica, não causal. Assim, não haveria sentido jurídico na distinção feita pela primeira corrente entre a ação como causa do dano e a omissão como condição para o dano, cuja causa seria produto da conduta de terceiro.337

No tocante ao argumento de que a responsabilidade objetiva na conduta omissiva tornaria o Estado segurador universal, responde-se afirmando que de qualquer maneira terá de ser provado o nexo causal entre a omissão e o dano, ou seja, não basta uma inação genérica e abstrata, mas um comportamento omissivo imediato, concreto e circunstanciado do Poder Público.338 Diz-se, ainda, que o Brasil não adotou a teoria do risco integral, e sim a teoria do risco administrativo, de modo que seria possível a alegação das excludentes de causalidade como meio de defesa da pessoa jurídica de direito público.339

337 Cf. MUKAI, Toshio. Responsabilidade solidária da Administração por danos ao meio ambiente.

Conferência pronunciada no II Simpósio Estadual de Direito Ambiental. Curitiba, 1987. Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro..., v. 4, p. 140.

338 Cf. PIRES, Luis Manoel Fonseca. Responsabilidade civil do Estado..., p. 731. Ainda: “Há de ser

analisada a afirmação, também feita por Celso Antônio, de que se nos danos decorrentes de conduta estatal omissiva o Estado for chamado a responder objetivamente este estará sendo erigido à condição de segurador universal. Não parece, porém, ser exatamente assim. Ocorre que em todos os casos em que o Estado é chamado a ressarcir prejuízos decorrentes de conduta omissiva, bem assim nas comissivas, poderá ele defender-se demonstrando a presença de quaisquer das circunstâncias excludentes da responsabilidade. Poderá, ainda, demonstrar que o dano não é especial nem amoral ou que não tinha o dever de agir. Este largo aspecto de defesas leva à conclusão de que mesmo que se aplique, em todos os casos, a teoria do risco administrativo, e, portanto, a responsabilidade objetiva o Estado não estará sendo erigido à condição de segurador universal. Ademais, se o Estado se omite no seu dever de agir, conforme os padrões médios de exigência da população, assim causando lesões ao patrimônio das pessoas, melhor seria mesmo que fosse erigido a tal condição. Não é este, contudo, o caso” (GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana da Silva Paola. A responsabilidade civil do Estado na conduta omissiva. Revista da Ajuris, Porto Alegre, ano XXXI, n. 94, p. 159, jun. 2004).

339 Cf. BRAGA NETTO, Felipe P. Responsabilidade civil, p. 250; MONTEIRO FILHO, Carlos Edson

do Rêgo. Problemas da responsabilidade civil do Estado, p. 55; TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil, p. 211.

Ademais, objeta-se que a nova ordem constitucional alberga o princípio da solidariedade social (artigo 3.º, I, CF), que se reflete na responsabilidade civil pela ideia de igual distribuição dos encargos sociais. Dentro desse alicerce institucional, seria inadequada a referência à culpa, que, como visto no primeiro capítulo, origina- se da necessidade de fixar um parâmetro ético do sujeito, sendo um índice do uso correto da liberdade individual. Assim, como resquício primeiro de um sistema individualista, de moralização de condutas, a culpa não serviria para um sistema baseado na solidariedade e na distribuição equitativa dos encargos sociais.340 A culpa não se encaixaria, destarte, em um sistema de direito público de responsabilidade, sendo própria do sistema privado, em que, aliás, ela também estaria em declínio.341

Por fim, a distinção entre ato e atividade, também referida no primeiro capítulo (item 1.3.2), também serve como argumento dessa corrente. Afinal, se o Estado realiza atividade, o regime de sua responsabilidade deve ser objetivo, pois a culpa é ligada ao ato, à volição, à subjetividade, elementos incompatíveis com o regime constitucional de responsabilização das pessoas jurídicas de direito público.

O sistema argentino de responsabilidade estatal tem algumas nuances que podem ajudar sobremaneira na compreensão do sistema brasileiro de responsabilidade. A responsabilidade pública, naquele país, não tem matriz

340 Cf. GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel Wunder. Responsabilidade civil do Estado…, p. 279-

280.

341 Cf. ROSSO JÚNIOR, Rômolo. Responsabilidade civil do Estado..., p. 757 e ss.; GABARDO,

constitucional, estando regulamentada dentro do Código Civil. O artigo 1.112342 é aquele que prescreve a responsabilidade do Estado. De acordo com a doutrina argentina, trata-se de uma norma de direito público inserida dentro de um código civil, norma essa que consagra uma responsabilidade objetiva, à medida que prescinde de critérios subjetivos, pois, embora as figuras tradicionais da culpa (negligência, imprudência, imperícia) possam até estar presentes nos atos e omissões dos funcionários, o ordenamento não exige sua verificação quando o serviço não é prestado de maneira regular, ou quando deixa de ser prestado.343 A intenção do legislador, destarte, ao positivar esse artigo 1.112, foi estabelecer uma responsabilidade direta do Estado, independentemente de culpa do funcionário, desde que o último tenha descumprido de maneira irregular as obrigações legais que lhe são impostas. A ilicitude e a culpabilidade, destarte, trilham caminhos diversos, pois, ainda que o funcionário tenha violado obrigação legal sem culpa, o Estado será chamado a indenizar.344 A primeira tem verificação objetiva, a partir do cotejo entre o ato praticado e a norma, ao passo que a segunda relaciona-se com o agente, consistindo em um juízo de reprovação sobre a conduta.

No que tange especificamente à responsabilidade do Estado por omissão, o artigo 1.112 deve ser interpretado sistematicamente com o artigo 1.074, ao qual se

342 “Artigo 1.112. Los hechos y las omisiones de los funcionarios públicos en el ejercicio de sus

funciones, por no cumplir sino de una manera irregular las obligaciones legales que les están impuestas, son comprendidos en las disposiciones de este título”. O título mencionado pelo artigo é “De las obligaciones que nacen de los hechos ilícitos que no son delitos”, isto é, “Das obrigações que nascem dos fatos ilícitos que não são delitos”. Referido título imputa obrigação de indenizar a toda pessoa que comete um fato gerador de dano culposamente (artigo 1.109).

343 SALOMONI, Jorge Luis. La responsabilidad del Estado por omisión, p. 117 e ss.

344 “Desde nuestra óptica, la cuestión sólo tiene que ver con la ilicitud de la conducta (en donde la

culpa no cuenta), en cuento el daño es consecuencia de no cumplir sino de modo anormal obligaciones legales; dicho de otro modo, interesa la antijuridicidad em cuanto tal, como violación de obligaciones legales en el ejercicio de la actividad funcional, propia, habitualmente reglada, del funcionario” (LATRUBESSE, Gustavo Carranza. Responsabilidad del Estado..., p. 47).

fez referência no item 1.1.4.1 desta dissertação. Os requisitos para essa espécie de responsabilidade são os seguintes: existência de um dever normativamente imposto de atuar; descumprimento da atividade devida pela autoridade administrativa; que a atividade omitida fosse materialmente possível.

A doutrina entende que, na hipótese de responsabilidade estatal por omissão derivada diretamente da lei (que ela designa por omisiones simples ou omisión puras – cf. Capítulo 1, item 1.1.4.1), aplica-se esse artigo 1.074 em conjunto com o artigo 1.112, de modo que a responsabilidade é objetiva. Como ensina Gustavo Carranza Latrubesse,345 “donde si existe el previo deber legal de actuar, la omisión hará nacer la responsabilidad civil con prescindencia de los aspectos subjetivos del agente”. Entende o autor que o fator de atribuição objetivo está vinculado à garantia de legalidade com a qual devem atuar a Administração e seus funcionários. Não é outra a opinião de Augustín Gordillo,346 que entende que pode “Haber responsabilidad del Estado en virtud de una omisión en el ejercicio de la función administrativa, en tanto dicha omisión pueda considerarse un ejercicio irregular de la función. Ya no se menciona que deba haber dolo, culpa o negligencia de la persona jurídica que locometió”. Também para Miguel Marienhoff347 a responsabilidade é objetiva “puesto que toma esencialmente en cuenta el incumplimento del expresado deber, con prescindencia de la culpa”.

345 LATRUBESSE, Gustavo Carranza. Responsabilidad del Estado..., p. 46.

346 La defensa del usuario y del administrado. Tratado de derecho administrativo. 6. ed. Buenos

Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2003. t. 2, p. 15-16. Apud SALOMONI, Jorge Luis. La responsabilidad del Estado por omisión, p. 122.

347 Responsabilidad extracontatual del Estado por las consecuencias de su actitud omisiva en el

ámbito del derecho público. Revista Jurídica el Derecho, t. 169, p. 1097. Apud SALOMONI, Jorge Luis. Ibidem, p. 122.

Importante frisar que os autores argentinos entendem que esse artigo 1.074 aplica-se somente em relação às omissões puras, ou seja, em que há o específico dever de agir. Nas omissões impróprias ou atos de comissão por omissão, isto é, em que não há o dever de agir e a omissão é somente um meio para obter o resultado desejado, aplica-se o artigo 1.073.

O sistema argentino é ligeiramente diferente do brasileiro, pois foca a atividade “irregular” do funcionário, ou seja, atividade em descumprimento a determinado preceito legal.348 Essa preocupação com a ilicitude, com a antijuridicidade, não é refletida de maneira expressa em nosso ordenamento, que prevê a responsabilidade objetiva do Estado sem qualquer menção à conduta regular ou irregular do funcionário público. Como visto acima, a doutrina argentina tem grande preocupação em desvincular essa noção de ato irregular à noção de culpa, que não seria necessária para ensejar a responsabilidade civil do Estado.

Essas lições são muito importantes para o objeto deste trabalho à medida que se percebe que na Argentina a construção hermenêutica derivada da interpretação conjunta dos artigos 1.112 e 1.074 permite responsabilização por omissão pura ou simples quando houver descumprimento do dever de agir, independentemente de avaliação de culpa. Posiciona-se, assim, a questão da responsabilidade civil na

348 Jorge Luis Salomoni, baseado em autores nos quais Vélez Sarfield inspirou-se para elaborar o

código civil argentino, diz que se deve interpretar atividade “irregular” como atividade geradora de prejuízos, não como uma dicotomia entre atos lícitos e ilícitos. Assim, até uma conduta regular do funcionário, desde que geradora de prejuízos, poderia fundamentar responsabilidade civil do Estado. A prevalecer tal interpretação, pode-se dizer que o sistema brasileiro de responsabilidade civil do Estado é igual ao argentino (La responsabilidad del Estado por omisión, p. 118 e ss.).

omissão na seara da ilicitude (violação de dever), não na seara da culpa (negligência ou imprudência).

A construção de Marçal Justen Filho, acima exposta, guarda semelhanças com essa construção da dogmática argentina, à medida que exige a ilicitude para a caracterização da responsabilidade do Estado – da mesma maneira que o direito argentino prevê a responsabilidade estatal quando o agente público atuou sino de una manera irregular.

Expostos os argumentos da corrente que trata a responsabilidade do Estado por omissão como uma responsabilidade objetiva, é interessante conhecer uma posição intermediária entre as duas correntes, que cuida da distinção entre omissão genérica e omissão específica, que pode ser apontada como um tertium genus entre as duas correntes já expostas.

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