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Antes de adentrarmos à discussão a respeito dos modelos de Governança Corporativa, trataremos preliminarmente de um ponto que consideramos relevante, qual seja, a responsabilidade social. Trata-se de conceito fluido e bastante em voga, cuja menção é obrigatória quando discutimos as obrigações da sociedade e os interesses a serem atendidos pela mesma na exploração de suas atividades.

Poucas questões têm sido tão energicamente discutidas na atualidade como a responsabilidade social das sociedades empresárias. Vista como prática indissociável da chamada boa Governança Corporativa86, a responsabilidade social é a última moda entre os administradores de companhias abertas. É difícil encontrar uma sociedade que não possua alguma ação inserida em um programa de responsabilidade social. Muitas possuem setores corporativos inteiros dedicados a essas medidas.

Entretanto, a indefinição em relação ao que realmente seria a responsabilidade social de uma companhia é tão grande ou maior do que a disseminação, nos meios de comunicação e propagandas institucionais, da idéia de que não basta ganhar dinheiro, é preciso fazê-lo de forma socialmente responsável.

86 O termo Governança Corporativa tem significado impreciso, e geralmente é ligado à forma como uma

sociedade ou organização deva ser gerida, ou seja, quais as regras que devem pautar a atuação dos diversos agentes envolvidos com o seu funcionamento. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, organização criada para fomentar o estudo do tema, define a Governança Corporativa da seguinte maneira: “Governança Corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e

incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso ao capital e contribuindo para a sua longevidade”( disponível em

http://www.ibgc.org.br/Secao.aspx?CodSecao=17, acessado em 13 de janeiro de 2011). Assim, a

Governança Corporativa é um conjunto de parâmetros de atuação daqueles envolvidos no funcionamento de uma sociedade sem que haja, a priori, a valoração dessa atuação, ou seja, trata-se simplesmente das regras (legais, convencionais ou mesmo morais) que definirão a forma de atuação desses agentes, que podem, obviamente ser boas ou ruins. Daí porque se fala em boas práticas de Governança Corporativa, em oposição às más práticas, ou seja, as regras indesejáveis de atuação dos agentes envolvidos com o funcionamento de uma organização.

Tendo em vista as variadas formas de definição dessas regras que pautarão a atuação dos agentes, é possível definir alguns modelos de Governança Corporativa, que são nada mais que um conjunto de regras de atuação desses agentes orientadas por um princípio comum. Por exemplo, o modelo de governança orientado para a maximização do retorno dos acionistas, no qual as regras orientadoras da atuação dos agentes são definidas de modo a maximizar o ganho dos acionistas. Trataremos mais dos modelos de Governança Corporativa em momento posterior do presente trabalho.

Mas em que, realmente, consistiria a responsabilidade social? Pesquisando diversos sites de organizações dedicadas à responsabilidade social87, verificamos que se trata de conceito extremamente fluido. Ao tratar de responsabilidade social, podemos encontrar menções à pluralidade, consistente na obrigação da sociedade de prestar contas não só a seus acionistas, mas também aos “funcionários, à mídia, ao governo, ao setor não-governamental e ambiental e, por fim, às comunidades com que opera”88. Com frequência, a responsabilidade social é ligada à obrigação de respeito ao meio ambiente (a chamada sustentabilidade), à diversidade (respeito a minorias) e à redução de desigualdades sociais, passando pelo combate ao trabalho escravo e infantil, e o combate à corrupção e sonegação de impostos.

O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, associação criada para difundir a responsabilidade social, a define nos seguintes termos:

“Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais.89”

Já a Comunidade Européia, em documento oficial, lança a seguinte definição: “A responsabilidade social das empresas é, essencialmente, um conceito segundo o qual as empresas decidem, numa base voluntária, contribuir para uma sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo. Numa altura em que a União Europeia procura identificar os seus valores comuns através da adopção de uma Carta dos Direitos Fundamentais, são cada vez mais numerosas as empresas europeias que reconhecem de forma gradualmente mais explícita a responsabilidade social que lhes

87 Optamos por realizar a pesquisa em sites especializados por um motivo específico. Para a discussão que

iremos travar a seguir, será de grande utilidade termos uma noção do que os administradores das sociedades entendem por responsabilidade social. Assim, a captação do que seja a noção “comum” de responsabilidade social no meio empresarial é, a nosso ver, necessária.

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http://www.responsabilidadesocial.com/institucional/institucional_view.php?id=1, acessado em 9 de março de 2010

89http://www1.ethos.org.br/EthosWeb/pt/29/o_que_e_rse/o_que_e_rse.aspx, acessado em 09 de março de

cabe, considerando-a como parte da sua identidade. Esta responsabilidade manifesta- se em relação aos trabalhadores e, mais genericamente, em relação a todas as partes interessadas afectadas pela empresa e que, por seu turno, podem influenciar os seus resultados.”90

Partindo das definições para exemplos práticos de responsabilidade social, nos deparamos com o seguinte:

“Nesse sentido, as empresas que são responsáveis socialmente devem integrar- se à comunidade procurando contribuir, seja oferecendo ou patrocinando serviços. Eles podem ser como a manutenção de um praça, a adoção de um equipamento público para cuidar, oferecimento do espaço da empresa para realização de atividades educacionais, de lazer ou culturais. Pode ser manifestado ainda por meio da doação de verba para projetos sociais promovidos por terceiros.

Outra linha de atuação de uma empresa com Responsabilidade Social é exercendo suas atividades sem poluir o meio-ambiente, sem sonegar impostos e sem enganar o consumidor. Marcus Ioanoni lembra que as formas concretas de exercício da responsabilidade social são várias, mas o cerne da idéia está na ética pública, no respeito ao consumidor e ao ambiente e na ruptura com a prática empresarial puramente egoísta e de interesse próprio.”91

Mas qual seria a definição científica de responsabilidade social? Na tese de doutoramento intitulada “Responsabilidade Social: Efeitos da atuação social na dinâmica empresarial”, Fernanda Gabriela Borger trata do instituto de forma muito próxima dos conceitos já transcritos:

“Essa discussão reconhece que as empresas têm um papel social e político a desempenhar e os propósitos dos negócios vão além da maximização dos lucros e do cumprimento da legislação; enfatiza-se que é o mínimo esperado da conduta das

90Livro Verde da Comunidade Européia, 2001, p. 4, disponível em http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/com/2001/com2001_0366pt01.pdf, acessado em 09/03/2010

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empresas. Uma vez que a liberdade do mercado é fundamental para promover o bem- estar social, e o governo deve limitar a sua intervenção para alguns setores e proteger a concorrência, a atuação das empresas deve ser mais responsável, as questões sociais não podem ser consideradas como problemas exclusivos dos governos e a omissão das empresas não é uma postura condizente com a liberdade econômica e a desregulamentação e liberalização da economia implicam em maior responsabilidade das corporações.

Drucker (1999) é enfático no papel de liderança dos executivos na comunidade, ultrapassando os limites das organizações: ‘Leaders must learn to be leaders beoynd the walls”. Considerando que a ideologia dominante nos anos 60 – de que o governo- Estado podia e devia cuidar dos problemas da comunidade- foi superada –pelas evidências de que os governos não podem tomar conta dos problemas da comunidade, e tampouco os negócios e o mercado livre podem tomar conta dos problemas da comunidade, mas, em parceria com a sociedade civil, representada pelo terceiro setor, compreendido pelas organizações comunitárias não lucrativas, as empresas devem se responsabilizar pelas soluções dos problemas da comunidade fornecendo os recursos materiais e o trabalho voluntário de seus colaboradores”92

Ao tratar da função social da sociedade, prevista no art. 116 da Lei de Sociedades Anônimas – e também no art. 154 da mesma lei-, Marco Vinício Chein Feres, em dissertação de mestrado intitulada Função Social da Empresa e Internacionalização93, às fl. 36/45, menciona basicamente os mesmos aspectos já citados ao abordamos a responsabilidade social: satisfação das necessidades sociais; respeito à justiça social e dignidade da pessoa humana; promoção da qualidade de vida de seus trabalhadores, “possibilitando-lhes progredir socialmente e economicamente”; respeito ao consumidor com o oferecimento de produtos e serviços seguros e de qualidade; respeito aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência; respeito ao meio ambiente; inserção do trabalhador no resultado da produção – participação nos lucros- e

92 BORGER, Fernanda Gabriela. Responsabilidade Social: Efeitos da atuação social na dinâmica

empresarial, tese de doutoramento defendida perante o Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, 2001, p. 23.

93 FERES, Marcos Vinício Chein.. Função Social da Empresa e Internacionalização, Dissertação de

na gestão da sociedade; exploração de atividade econômica “de acordo com as necessidades sociais”, dentre outros.

O que percebemos é que o conceito de responsabilidade social das sociedades empresárias– cuja manifestação no Direito Societário se dá na chamada função social da empresa, corolário do princípio constitucional da função social da propriedade- é extremamente fluido94, e pode abarcar desde o cumprimento de determinações legais – como normais ambientais- até a adoção de procedimentos meramente facultativos, como a concessão aos empregados de participação nos lucros da sociedade e em sua gestão, passando por medidas absolutamente subjetivas, como atuação alinhada às “necessidades sociais”.

Por outro lado, verificamos que não há um conceito exclusivamente jurídico de responsabilidade ou função social da sociedade. Os autores que tratam do tema adotam conceitos semelhantes àqueles normalmente defendidos nas publicações e sites “não jurídicos” dedicados ao tema. Em verdade, trata-se de conceito aberto, cuja delimitação depende da atuação do intérprete, o que pode gerar enormes dificuldades na sua aplicação prática, como será abordado à frente. A principal delas reside na liberdade quase absoluta dada aos gestores da sociedade. Tendo em vista a indefinição no conceito de função social, virtualmente qualquer ação poderia ser validamente justificada sob sua bandeira – ainda que o maior ou único beneficiado seja o próprio administrador.

94 Recentemente, foi editada pela organização ISO – International Organization for Standardization, uma

norma específica sobre responsabilidade social, a chamada ISO 26000. Trata-se de documento que reúne orientações a respeito de práticas empresariais socialmente responsáveis, e que reflete a enorme amplitude e indefinição conceitual do que exatamente seria a responsabilidade social. Segundo reportagem do Jornal Folha de São Paulo, publicada em 14 de dezembro de 2010, seria socialmente responsável a organização que: ”Contribua para o desenvolvimento sustentável, inclusive a saúde e o

bem-estar da sociedade; leve em consideração as expectativas das partes interessadas, esteja em conformidade com a legislação aplicável e seja consistente com as normas internacionais de comportamento e esteja integrada em toda a organização e seja praticada em suas relações”. Percebe-se,

portanto, a subjetividade do conceito, que abarca desde o atendimento a interesses dos mais subjetivos, como o “o bem-estar da sociedade” até o cumprimento da legislação, que não é exclusividade das “socialmente responsáveis”, mas sim de todas as pessoas físicas e jurídicas. Por outro lado, a reportagem informa que, diferentemente das demais normas editadas pela organização mencionada, a ISO 26000 não é “certificável”, ou seja, a ISO não atesta o cumprimento pelas empresas dessa norma, o que, para nós, consiste em evidência irrefutável da extrema subjetividade do conceito de responsabilidade social, que, na prática, não pode ter seu cumprimento atestado.

Finalmente, verificamos que a noção corrente de responsabilidade ou função social pode ser entendida como manifestação da teoria que defende a gestão da sociedade no interesse dos stakeholders. Todos os exemplos de responsabilidade social citados, de uma forma ou de outra, representam o atendimento aos interesses de um stakeholder em particular. Na verdade, a questão por trás da discussão acerca da responsabilidade ou função social da sociedade é a seguinte: quais os interesses que devem nortear a atuação de uma sociedade? O interesse exclusivo dos acionistas ou, mais amplamente, o interesses desses e dos stakeholders? Passaremos a abordar essa questão.

CAPÍTULO IV – EXPLORAÇÃO COLETIVA DA ATIVIDADE ECONÔMICA