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Respostas metabólicas durante a privação de sono

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.2 Respostas metabólicas durante a privação de sono

O estresse, também conhecido como síndrome da adaptação geral, começou a ser descrito por Hans Selye, em 1936, que o definiu como um agente de natureza física (ex: calor e frio), químico (ex: formalina, éter) e psicológico, capaz de aumentar a atividade metabólica e iniciar mecanismos de defesa não específicas para aumentar a resistência ao estressor. O estresse, ou síndrome da adaptação geral, foi dividido em 3 fases. (1) alarme (ativação dos sistemas de resposta ao estresse), (2) resistência (adaptação total ao estresse) e (3) exaustão (exposição prolongado ao estresse, com depleção das reservas energéticas) (Figura 4) (Szabo et al., 2012, Selye, 1950, Selye, 1998).

Em situação de estresse, o organismo estimula o sistema nervoso simpático (SNS) a produzir catecolaminas centralmente e perifericamente. As catecolaminas produzidas centralmente (pelos locus ceruleus) tem o objetivo de estimular a vigília, a atenção ao estressor e a atividade do eixo HPA. Por outro lado, as catecolaminas produzidas perifericamente (pela medula adrenal) tem o objetivo de estimular a mobilização de substratos energéticos, aumenta a frequência cardíaca, a pressão sanguínea, a glicemia e a contração dos músculos cardíacos e esqueléticos. Esse grupo de respostas compreendem a fase 1 de adaptação ao estresse, também conhecida como resposta de luta-ou-fuga (Levine S, 1991).

O eixo HPA inicia suas reações em cascata, no núcleo paraventricular do hipotálamo (PVN), onde é produzido e liberado o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) e arginina vasopressina (AVP). Esses produtos agem coordenadamente na glândula hipófise para produzir o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), que por sua vez, ao entrar na corrente sanguínea estimula a produção de glicocorticoides, a partir do colesterol, pela glândula adrenal. Uma vez no sangue, os glicocorticoides são capazes de aumentar a mobilização de substrato energético, a glicemia e potencializa alguns efeitos do SNS, como a vasoconstricção. O aumento de glicocorticoides na corrente sanguínea gera um feedback negativo para o PVN, a fim de reduzir a atividade do eixo, fenômeno conhecido como adaptação ao estresse, assim, as concentrações de glicocorticoides tendem a normalizar (Levine S, 1991).

Figura 4. Fases da síndrome da adaptação geral, proposto por Hans Selye, 1936.

Durante a PS, ambos os sistemas de resposta ao estresse, eixo HPA e SNS, são ativados e altas concentrações de catecolaminas e corticosterona são liberados

na circulação (Andersen et al., 2005). Um estudo em ratos demonstrou o aumento das concentrações de corticosterona durante 96 h de PS, com um pico em 24 h e valores intermediários (acima do grupo controle) em 48, 72 e 96 h, mostrando que a adaptação ao estresse da PS não é completa (Galvao Mde et al., 2009). As concentrações de catecolaminas permanecem altas até a normalização do sono (Andersen et al., 2005). Estudos em modelos animais tem demonstrado a importância da ativação do eixo HPA por diferentes estímulos durante a vigília, mostrando que diferentes tipos de estresse são capazes de modular a arquitetura e o tempo do sono subsequente. Assim, o estímulo de choque nas patas aumentou o estado de alerta e reduziu o tempo total de sono, enquanto que a exposição ao frio aumentou o sono de ondas lentas e o tempo total sono. O estresse da imobilização aumentou o número de episódios de sono paradoxal e a PS por 18 h aumentou o tempo dos episódios do sono paradoxal (Palma et al., 2000). Em ratos deprimidos (com hiperatividade do eixo HPA), ocorrem o aumento do sono REM, fragmentação do sono, alteração da distribuição e redução do tempo do sono de ondas lentas (Wichniak et al., 2012). O bloqueio farmacológico da produção de glicocorticoides durante a PS reduz a qualidade do rebote, com redução do tempo do sono REM e do sono de ondas lentas (Machado et al., 2013). Esses dados demonstram que a atividade do eixo HPA pode modular o padrão de sono, sendo que o tempo de vigília, a qualidade e a quantidade do estresse experimentado durante a vigília são decisivos para determinar a arquitetura do sono.

A hiperatividade do eixo HPA observada durante a PS, é capaz de modular a liberação de hormônios anabólicos. O aumento das concentrações do CRH no PVN do hipotálamo está intimamente associada ao aumento da secreção de somatostatina, que culmina na inibição da liberação do hormônio liberador de GH (GHRH), de modo que a PS é capaz de reduzir drasticamente os picos de GH e as concentrações de IGF-1 circulantes, sendo normalizados rapidamente com a normalização do sono (Spiegel et al., 2000, Everson and Crowley, 2004).

O eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HHG), que tem a testosterona como produto final, também é regulado negativamente pelo eixo HPA. Embora os mecanismos não sejam totalmente elucidados, em uma condição de estresse, o aumento das concentrações de glicocorticoides está associado a apoptose nas células de Leydig, devido a maior produção de ERO’s (Gao et al., 2002, Chen et al., 2012, Gao et al., 2003). Ainda, de forma competitiva entre os glicocorticoides e a testosterona, ambos os hormônios são capazes de se ligar no mesmo sítio de ligação

do receptor de glicocorticoide (RG) no musculoesquelético (Mayer and Rosen, 1975, Mayer and Rosen, 1977). Dessa forma, o aumento das concentrações de glicocorticoides durante a PS pode reduzir tanto a produção de testosterona, como sua ação anabólica.

Atualmente, há um grande corpo de evidências mostrando que a PS gera um desequilíbrio hormonal, favorecendo o aumento da secreção de hormônios catabólicos e a supressão de hormônios anabólicos (Everson and Crowley, 2004, Andersen et al., 2005, Monico-Neto et al., 2015a, Giampa et al., 2016, Koban and Swinson, 2005, Dattilo et al., 2012). Esse desbalanço hormonal ocorre em resposta à ativação dos sistemas de resposta ao estresse (eixo HPA e SNS), que são acionados para que ocorra a adaptação do organismo frente as demandas metabólicas exigidas durante a PS. Como consequência, uma série de alterações metabólicas podem ser listadas, como o aumento da taxa metabólica (Koban and Swinson, 2005, Monico- Neto et al., 2015b), da pressão sanguínea e frequência cardíaca (Giampa et al., 2016), supressão dos hormônios tireoidianos (Everson and Reed, 1995), do sistema imune (Moldofsky et al., 1989), hiperglicemia (Knutson and Van Cauter, 2008), resistência à insulina (de Souza et al., 2017), entre outros. Dessa forma, a PS representa um ambiente catabólico ao organismo, o que é reforçado pela perda de massa corporal em roedores quando são submetidos à essa condição (Monico-Neto et al., 2015a). Em humanos, embora as alterações sejam semelhantes, mas em menor magnitude comparado aos roedores, o débito de sono aumenta a massa corporal a longo prazo, provavelmente induzido pelas mudanças dos hábitos alimentares e redução do nível de atividade física, devido ao estado de fadiga como resultado da PS (Knutson and Van Cauter, 2008).

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