• Nenhum resultado encontrado

4. Relação entre água e energia

4.3. Restrições hídricas para a geração térmica

As restrições hídricas relativas à operação de centrais termelétricas podem ser classificadas de acordo com Kablouti (2015) como: aumento da temperatura da água captada pelo sistema de resfriamento; diminuição da quantidade de água doce disponível para o sistema de resfriamento; e, risco de inundação pelo aumento do nível da água. Grande parte das restrições hídricas envolvendo aumento da temperatura da água e redução da quantidade de água afetam termelétricas que utilizam sistema de resfriamento aberto (SCANLON et al., 2013).

4.3.1. Aumento da temperatura da água

O aumento da temperatura da água de rios e oceanos (ou outras fontes hídricas naturais) reduz a eficiência térmica da termelétrica ao aumentar a pressão da saída da turbina. A Figura 4.2 apresenta as anomalias de temperatura3 do ar em terra.

Figura 4.2. Anomalias anuais da temperatura medida do ar em terra, em escala global, de 1910 a 2016.

Fonte: Adaptado de NOAA (2018)

A temperatura da água de rios e lagos possuem uma correlação com a temperatura do ar, devido à radiação solar e os processos de transferência de calor (LEE et al., [s.d.]). Dessa

forma, é possível inferir que como a temperatura do ar aumentou a temperatura de rios e lagos também aumentou. A Figura 4.3 apresenta as anomalias de temperatura nos oceanos em escala global. De modo geral, observa-se o aumento de ambas as temperaturas (na terra e no oceano). No entanto, para que seja obtida maior precisão é necessário que sejam feitas análises em escala regional.

Figura 4.3. Anomalias anuais da temperatura medida no oceano, em escala global, de 1910 a 2016.

Fonte: Adaptado de NOAA (2018)

Em sistemas abertos, um incremento da temperatura da água na entrada do condensador é refletido diretamente na temperatura da água na saída do condensador. Em alguns casos, o aumento pode ser grande o suficiente para atingir os limites estabelecidos pela legislação ambiental, reduzindo ou interrompendo a operação da termelétrica.

Para que o limite ambiental não seja ultrapassado, algumas termelétricas utilizam torres de resfriamento (tiragem natural ou tiragem mecânica) para resfriar a água do condensador antes de descartá-la. O sistema de resfriamento dessas termelétricas é classificado como sistema aberto com a ajuda de torres. A Browns Ferry Nuclear Plant possui seis torres de resfriamento mecânicas que operam, em média, 66 dias por ano. A operação ocorre durante o período de verão, para dissipar o calor da água de resfriamento antes do descarte no reservatório Wheeler (NRC, 2016).

Alguns exemplos de termelétricas que tiveram sua operação reduzida ou interrompida são apresentados a seguir:

 Alemanha (2003): a termelétrica Obrigheim Nuclear Power Plant teve sua operação interrompida e outros dois reatores tiveram uma redução de 80% da capacidade devido ao aumento da temperatura da água de captação do sistema de resfriamento (PUBLIC CITIZEN, 2007).

 Espanha (2006): o reator da termelétrica Santa Maria de Garoña teve sua operação interrompida devido ao aumento de temperatura do rio Ebro, sendo que na época essa termelétrica era responsável pela geração de 20% da eletricidade espanhola (PUBLIC CITIZEN, 2007).

 Estados Unidos (2006, 2007, 2011, 2012):

 Em 2006, um reator em Michigan teve sua operação interrompida, quando a temperatura da água do lago Michigan atingiu temperaturas acima do usual, após 8 h de tentativa de resfriamento da termelétrica (PUBLIC CITIZEN, 2007).  Em 2006, na Pensilvânia, foi necessária a redução para 1% da produção total

(equivalente à carga elétrica de 12.000 casas) da Limerick Generating Station, também devido à alta temperatura da água na captação (PUBLIC CITIZEN, 2007).

 Em 2006, em Illinois, a produção dos reatores 1 e 2 da Quad Cities foi reduzido em 19% devido as altas temperaturas do rio Mississippi (PUBLIC CITIZEN, 2007).

 Em 2007, no Alabama, a termelétrica Browns Ferry Nuclear Plant precisou reduzir a operação dos reatores 1 e 3 em 75% devido ao aumento da temperatura da água do rio Tennessee (PUBLIC CITIZEN, 2007).

 Em 2011, a mesma termelétrica teve que reduzir a operação em pelo menos duas vezes no ano (KRAEMER, 2011), pois, ao atingir 32 °C, a água não pode aumentar sua temperatura (SOHN, 2011).

 Em 2012, em Connecticut, a Millstone Nuclear Power Plant teve sua operação interrompida devido ao aumento de temperatura da água do estuário Long Island Sound. Essa foi a primeira vez que termonuclear que utiliza água do mar no sistema de resfriamento teve sua operação interrompida devido ao aumento de temperatura da água. Desde 1975, quando a central entrou em operação, a temperatura da água aumentou 1,6 °C (SPIEGEL, 2014).

 França (2003): em consequência de uma onda de calor, 17 reatores franceses tiveram que reduzir ou parar a operação devido ao aumento de temperatura da água dos rios, sendo necessária a importação de energia dos países vizinhos (KANTER, 2007).

4.3.2. Diminuição da quantidade de água doce

A diminuição da disponibilidade de água doce para o sistema de resfriamento ocorre devido à diminuição da vazão do corpo hídrico onde a água é captada. A diminuição pode ocorrer devido a fatores climáticos, como ocorrência de eventos de seca e diminuição de precipitação, como apresenta a Figura 4.4. De modo geral, entre 1951 e 2010 houve aumento da precipitação nas latitudes mais altas, sendo os dados de alta confiabilidade; no entanto, para os dados onde houve redução da precipitação e nas baixas altitudes, a confiabilidade dos dados é baixa (WORKING GROUP I 2013).

Figura 4.4. Mudanças na precipitação entre 1901 e 2010 & 1951 e 2010. Fonte: Adaptado de WORKING GROUP I (2013)

Os últimos 50 anos apresentados na Figura 4.4 indicam que no Brasil houve regiões onde houve o aumento de precipitação (regiões Sul e Sudeste) e poucas regiões onde houve redução na precipitação (região Centro-Oeste e Norte). O aumento da precipitação não indica, necessariamente, que a região esteja com um excedente de água superficial. Em regiões cujo solo encontra-se exposto, o volume precipitado não é armazenado no subsolo, de modo que esse escoa para os corpos hídricos locais.

Somente a precipitação não é capaz de definir as mudanças no volume de água superficial disponível. A diminuição também pode ocorrer devido ao aumento da disputa de água pelos usuários da bacia hidrográfica, devido ao aumento populacional e instalação de

novos empreendimentos que utilizam água. Dessa forma, essa informação pode ser complementada através da utilização do índice Palmer. Esse índice é definido como “o intervalo de tempo, geralmente da ordem de meses ou até anos, durante o qual o abastecimento hídrico de uma região cai consideravelmente em relação ao ‘climatologicamente’ esperado ou apropriado” (BLAIN; BRUNINI, 2005). A Figura 4.5 apresenta as áreas em 2016 que apresentaram eventos de seca determinados pelo índice Palmer.

Figura 4.5. Áreas com eventos de seca em 2016 em comparação a condições médias da região entre 1901 e 2016.

Fonte: Adaptado de BLUDEN (2017)

Da Figura 4.5, observa-se que, de modo geral, houve um aumento dos eventos de seca no mundo. Destacam-se os aumentos das regiões Nordeste, Sudeste e Norte no Brasil, além das regiões norte e sul do continente sul-americano. De modo geral, o aumento dos eventos de seca resulta no aumento da disputa pela água pelos diversos setores presentes na região. Esses eventos possuem alto impacto na região em decorrência da alta utilização de geração hidráulica.

Outra região de destaque da Figura 4.5 são os Estados Unidos, onde houve aumento dos eventos de seca na costa oeste, sendo o contrário da costa leste. Os Estados Unidos possuem alta utilização de geração térmica em sua matriz de energia elétrica, de modo que a ocorrência desses eventos impacta no atendimento da demanda de eletricidade. Assim, para reduzir a dependência da utilização de água doce no sistema de resfriamento, algumas centrais optaram pela substituição da água doce. Nesse caso, a reposição é feita com águas residuais após o tratamento, conforme for determinado pela legislação local sobre o descarte de efluente.

A Figura 4.6 apresenta a Panda-Brandywine Power Plant, uma central com ciclo combinado, de 990 MW de potência, localizada em Washington, DC. A tubulação pintada de roxo é de água residuais, que é utilizada para alimentação da torre de resfriamento mecânica.

Figura 4.6. Panda-Brandywine Power Plant, Washington, DC. Fonte: VEIL (2007)

A EPA sugere que para o uso de águas residuais, independente da finalidade, seja realizado: no mínimo, tratamento secundário, desinfecção, coagulação e filtragem (se necessários). Além disso, deve ser realizado um tratamento com objetivo de evitar formação de incrustação, bioincrustação e corrosão (VEIL, 2007).

Alguns exemplos de centrais que tiveram sua operação reduzida ou interrompida devido à escassez hídrica são apresentados a seguir:

 Índia (2016):

 Quatro das cinco unidades de Tiroda, cada uma com 660 MW, foram fechadas devido à escassez de água na região de Maharashtra, onde a termelétrica está localizada (LIVE MINT, 2016).

 A Ballari Thermal Power Station, segunda maior termelétrica da região, teve sua operação interrompida durante um mês devido à escassez de água (KAGGERE, 2017).

 Raichur Thermal Power Station, com 1720 MW, teve que reduzir sua operação devido ao baixo nível de água rio Krishina (SCHNEIDER, 2016).

 A termelétrica a carvão Farakka, que utiliza água do rio Ganges, teve sua operação suspensa por, pelo menos, dois meses, devido à falta d’água (MALLET, 2016).

 Estados Unidos (2009): em Dakota do Norte, a termelétrica a carvão Leland Olds Station teve sua operação interrompida devido à baixa vazão do rio Missouri (GEHRING, 2009).

 Polônia (2015): uma onda de calor afetou a operação das termelétricas a carvão, sendo necessária redução e interrupção de algumas plantas devido à falta de água. Como consequência, mais de 1600 consumidores industriais foram afetados com restrições de fornecimento de eletricidade (PATEL, 2016).

 Romênia (2003): o reator de 775 MW da termelétrica Cernavoda Nuclear Power Plant teve sua operação interrompida devido à baixa vazão do rio Danúbio. Na época a central era responsável em atender 10% da demanda de eletricidade do país (REUTERS, 2003).

4.3.3. Risco de inundação

Em decorrência das mudanças climáticas, o aumento do nível oceano expõe as termelétricas localizadas em áreas litorâneas ao risco de inundações. A Figura 4.7 apresenta o nível dos oceanos em escala global no ano de 2016 em comparação à média entre 1993 e 2016. Observa-se da Figura 4.7 que, de modo geral, o nível dos oceanos teve maior aumento das maiores latitudes. Destacam-se os aumentos ocorridos nas costas da América do Norte e da América Central, onde o teve-se um aumento expressivo.

As previsões climatológicas indicam que o oceano deve elevar seu nível de 30 a 120 cm, em escala global até 2100 (WASH et al., 2014). O website Climate Central possui uma ferramenta para prever o número de usinas afetadas considerando diferentes níveis de elevação (de 30 cm a 300 cm), baseado em dados do NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), USGS (United States Geological Survey) e FEMA (Federal Emergency Management Agency).

Figura 4.7. Diferença no nível global do oceano em 2016 em comparação a valores médios, entre 1993-2016.

Fonte: Adaptado de BLUDEN (2017)

Como exemplo, para uma elevação do nível do oceano de 120 cm, cerca de 300 instalações (incluindo instalações de gás natural, termelétricas e instalações de óleo e gás) nos Estados Unidos podem vir a ser inundadas, como apresenta a Figura 4.8.

Figura 4.8. Instalações nos Estados Unidos com risco de inundação para uma elevação do oceano de 120 cm