• Nenhum resultado encontrado

Os relatos escritos sobre os maiores desejos dos estudantes foram avaliados estando, em sua maioria, relacionados aos seguintes fatores: a) Desigualdades Sociais, b) Injustiças Sociais, c) Valores e Sociedade, d) Qualidade de Vida, e) Independência Financeira e f) Estudo e trabalho. Assim em consenso com a turma, escolheu-se dentre estes temas, trabalhar com desigualdade social, valores e sociedade. Foi incluído na temática o tópico cultura e arte, pois além de enquadrar-se na temática apontada, corroborava a proposição da escola como tema integrador a ser trabalhado em todas as disciplinas do currículo.

Os estudantes, divididos em grupos por critério de afinidade realizaram pesquisas sobre as características sociais associadas à desigualdade e valores sociais, assim como a arte e a cultura como forma de manifestação e intervenção no seu espaço de vivência, visto que o lugar é uma categoria basilar da geografia, onde a vida ocorre e está impregnado de afetividade e significado. Assim, desafiá-los a compreender a complexidade das relações que envolvem seu contexto socioambiental os conduz para questão central: Qual o papel do indivíduo inserido neste contexto? Wenger (1999, p.37), citado por Pallof e Pratt (2004), aponta que as questões relacionadas à educação devem ser abordadas em primeiro lugar com base nas identidades e no pertencimento.

[...] o lugar aparece como um fragmento do espaço onde se pode apreender o mundo moderno. Uma vez que o mundial não abale o local. O lugar se produz na articulação contraditória entre o mundial que se anuncia e a especificidade histórica do particular. Deste modo o lugar se apresenta como o ponto de articulação entre a mundialidade em constituição e o local enquanto especificidade concreta, enquanto momento (CARLOS, 1997, p. 303).

O lugar como espaço de vivência e explicado pela relação de pertencimento, pode contribuir efetivamente para valorização do homem em sua essência. Apontando que o tradicional não é sinônimo de atraso, mas de identidade. Aposta na importância de elevar e resgatar a cultura (valores) de populações que perderam parte de sua cultura e de seus conhecimentos tradicionais para que estes não sejam seduzidos pelo padrão de consumo de outras civilizações. Moreira (2006) destaca que:

[...] o lugar é o sentido do pertencimento, a identidade biográfica do homem com os elementos do seu espaço vivido. No lugar, cada objeto ou coisa tem uma história que se confunde com a história dos seus habitantes, assim compreendidos justamente por não terem com a ambiência uma relação de estrangeiro. E reversivamente, cada momento da história de vida do homem está contada e datada na trajetória ocorrida de cada coisa e objeto, homem e objetos se identificando reciprocamente. (MOREIRA, 2006)

Assim, propor atividades que conduzam os sujeitos a valorizar o lugar onde vivem e sua cultura é de grande importância para a construção de cidadãos críticos e que possam contribuir para a sociedade onde vivem. No entanto, quebrar paradigmas no que tange as metodologias de ensino é um desafio, no qual o professor precisa muitas vezes se reinventar, assumindo novos papéis, não mais como transmissor do conhecimento, mas como mediador da construção de saberes. Por outro lado, o estudante também precisa se envolver de forma efetiva no aprendizado, visto que agora possui papel ativo nesse processo.

Como esperado, os estudantes relataram em sua maioria dificuldades em relação à pesquisa. Este fato é compreensível,

visto que até o momento poucas experiências desta natureza lhe foram proporcionadas no decorrer de sua formação. Assim, foi necessário conduzi-los à metodologia científica, para que pudessem delinear os procedimentos de busca em revistas e pesquisas de campo.

Observou-se que muitos dos relatos escritos de pesquisa eram copy/paste o que demonstra a inabilidade dos estudantes no que tange a autoria e formação do pensamento crítico. Desta forma, coube ao professor orientá-los sobre plágio e a ética na autoria de trabalhos. E possibilitar aos mesmos uma melhor compreensão das consequências deste tipo de delito.

Alencar (2010) aponta que a autoria não tem sido objeto das atividades com texto em sala de aula. No entanto, afirma o autor, desenvolver a capacidade do aluno em produzir seus próprios textos é uma atividade fundamental, pois permite a formação de um cidadão crítico e autônomo. Neste sentido observa-se o potencial das tecnologias para a produção não apenas de narrativas textuais, mas também narrativas sonoras.

A oralidade pode ser um instrumento de grande valia no processo de aprendizado, a medida que proporciona ao estudante criar, ser, manifestar-se. Buranello afirma que:

O homem tem a necessidade peculiar de se comunicar, vivendo, portanto, em permanente interação com a realidade que o cerca e com os outros seres humanos, dividindo com eles sua visão de mundo, suas experiências e seus sentimentos. Uma das formas mais eficazes de interação é a linguagem, pela qual o emissor pode transmitir suas ideias e emoções. Desta forma, temos o ambiente escolar como lugar de sistematização da linguagem visando torná-la mais clara e significativa (BURANELLO, 2003).

Após debates em sala de aula nos grupos de pesquisa, os estudantes buscaram responder a perguntas como:

•De que forma a música e a dança interferem na construção de valores sociais?

•Como a realidade é retratada através das artes?

•Que ações culturais e artísticas são manifestadas de forma a transformar ou inibir a desigualdade social?

sociais e a degradação ambiental?

Com base na coleta de dados advindas destas discussões, cada grupo montou um áudio de aproximadamente 1-3 minutos. Estes áudios foram inicialmente produzidos via tablet. Observou-se que a grande maioria dos estudantes apresentou dificuldades para se expressar em frente à turma, muitos sentiram a necessidade de usar seu texto escrito.

Esta dificuldade está provavelmente relacionada a forma como os mesmos foram “condicionados” no decorrer de seu aprendizado, sendo muitas vezes impedidos de manifestar-se ou de posicionar-se em relação aos conteúdos abordados. Isto fica claramente evidenciado na fala de um dos estudantes, que conduz o autor a repensar sua prática pedagógica:

Quem tu pensas que é pra me pedir pra pensar? Em todo meu tempo de escola a única coisa que ouvi foi cala-boca, fica quieto, senta e copia. Agora tu me pede pra pensar e falar? (Estudante A)

A expressão da oralidade ou dialogicidade foi, portanto, um grande desafio. O medo, a insegurança são barreiras que precisam ser transpostas. A expressão do sujeito seja ela oral ou escrita é de grande valia na formação de um cidadão autônomo e crítico. Ressalta-se ainda que as turmas de primeiro ano apresentaram maior resistência à realização da atividade, sendo que apenas um pequeno grupo realizou buscas em revistas, livros e na comunidade.

Leal e Góis (2012, p.61) fundamentados em Silva e Koch (1996) defendem a complexidade da produção oral, e apontam que a oralidade e a textualidade são atividades interativas e complementares, que carregam implicitamente nossas práticas sociais e culturais. As autoras destacam a necessidade de proposição de atividades que capacitem o estudante para utilização da modalidade oral, tendo em vista a relevância da oralidade no exercício da cidadania.

Em virtude da escassez de atividades anteriores do uso da oralidade como forma de expressão e, visando a construção de cidadãos confiantes de suas potencialidades, foi permitido aos estudantes gravar o áudio em outros ambientes da escola, como

por exemplo, o pátio, biblioteca, etc. A partir desta abertura de possibilidades, os estudantes construíram suas narrativas que foram posteriormente divulgadas na sala de aula.

Após as apresentações em sala, os estudantes realizaram uma autoavaliação do trabalho e ações nas atividades propostas. Muitos relataram ter dificuldade de se expressar oralmente, pois, tem receio de serem inferiorizados pelos colegas ou ainda por falta de conhecimento no assunto. No entanto revelaram que a atividade foi interessante. Assim, foi-lhes proposto que, em virtude de ser um ano eleitoral para escolha de presidentes, os mesmos a partir das suas percepções sobre a desigualdade e os problemas sociais, elaborassem uma “campanha eleitoral” onde os candidatos aproporiam ações para minimização destes problemas.

Os estudantes foram divididos entre: a) candidatos presidenciáveis (divulgaria a proposta para amenizar ou solucionar o problema) b) assessores (que auxiliaram os candidatos à elaboração das propostas, mas não participariam das coletivas de imprensa) e c) imprensa radiofônica (entrevistadores que deveriam gravar as propostas e fazer questionamentos aos candidatos). A partir deste momento, deu-se maior liberdade aos estudantes para que realizassem as gravações em seus próprios dispositivos móveis ou ainda no da professora.

Nas aulas seguintes, foi aberto espaço para que os mesmos discutissem suas propostas e construíssem suas “plataformas de governo”. No início eles começavam nervosos e erravam, mas perceberam, em sua maioria, que o erro faz parte do processo, repetiram as apresentações quantas vezes sentirem necessidade.

Após a elaboração das propostas, as entrevistas na coletiva de imprensa foram gravadas com dispositivos móveis, sendo posteriormente apresentadas para a turma. Em virtude de alguns estudantes não ficarem a vontade para falar em público, alguns optaram por postar suas propostas em seu perfil do Facebook. Observou-se que diferentemente da primeira proposta de uso da oralidade, os estudantes agora, se engajaram na atividade. O aprender tornou-se divertido. Muitos adquiriram confiança em falar, o que pode estar atrelado ao uso dos smartphones. Além

disso, os estudantes desenvolveram noções de cidadania e de política de forma prática, tão necessárias para a vivência escolar e social.

Pode-se verificar que no decorrer do confronto de opiniões e na interação dos sujeitos em atividades colaborativas, os mesmos repensaram suas posições frente às temáticas ampliando-as e fortalecendo seus argumentos de crítica e defesa, indo além das respostas tradicionais às demandas do professor, no automatismo sem reflexão (FAGUNDES et al., 1999; PRIMO 2006). Magdalena e Costa (2003) ressaltam que a intensificação das interações entre os estudantes cria possibilidades para que a problematização deixe de ser papel exclusivo do professor. A autora ainda ressalta que a aprendizagem é mais concreta quando, ao trabalharem conjuntamente em certo problema, os aprendizes deparam-se com conflitos ou dificuldades e se envolvem em argumentações, contra argumentações e negociações para construírem uma solução conjunta.

É na efetiva participação dos estudantes no processo educacional que a escola assume o papel de formação inquestionável para a cidadania e a democracia. Pois, como discute Freire (2001) o saber só existe na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros, pois formar é muito mais do que treinar o estudante em certas destrezas, ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção. Envolver os estudantes em prática argumentativas é de extrema relevância na promoção do aprendizado visto que a competência comunicativa favorece o uso da língua nas mais diversas instâncias da produção de saberes (FREIRE , 2001).

CONCLUSÕES

As ações ou práticas desenvolvidas com os estudantes possibilitaram romper com algumas estruturas e conceitos que há muito se vêm construindo. A mudança de paradigmas é uma tarefa difícil, porém fundamental para a educação, possibilitando

ao estudante observar e sentir o mundo que os rodeia, na busca de seu aperfeiçoamento e crescimento, desvelando sua função na sociedade.

Estas mudanças reverberam em transformações de variadas magnitudes, proporcionando uma maior interação dos indivíduos, mediadas a partir do diálogo, da participação, da construção coletiva. Estas práticas desafiam o estudante e o professor a ver o mundo a sua volta, impulsionando-os a ir além da superficialidade na captação da realidade.

A questão em destaque vislumbra uma ação educativa que possibilita ainda aos sujeitos (educador e educando) desenvolverem sua autonomia a partir da co-autoria na construção do processo educativo. O uso dos dispositivos móveis despertou o interesse dos estudantes pelas atividades propostas, assim como muitos destes participaram pela primeira vez através da oralidade em sala de aula. Nesse sentido, pode-se afirmar que o uso destas tecnologias no ambiente escolar, desde que planejado, problematizado e monitorado pelo professor constituem-se em uma importante ferramenta para o aprendizado.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, H. M. A produção textual em sala de aula: marcas

do discurso docente e suas implicações na autoria de textos de alunos . 2010. 138 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Letras)

- Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Pau dos Ferros, 2010.

ANTONIO, J.C.. TICs, telefones celulares e a escolassaura. Professor

Digital, SBO, 30 jan. 2012. Disponível em:. Acesso em: 10 mai. 2012.

BRASIL. Ministério da Educação e da Cultura, Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Básica. Parâmetros Curriculares

Nacionais. Brasília : MEC/SEF, 1997.126p.

BURANELLO, E.C.. Os Obstáculos da produção textual funcional. In:

Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003 (470-478)

Disponível em: <http://www.celsul.org.br/Encontros/05/pdf/064. pdf> Acesso em: 10 de junho de 2015.

Milton et. al. (Org.) O novo mapa do mundo: fim de século e globalização. São Paulo: Hucitec, 1997

CONSANI, M. Como usar o rádio na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2007.

CORRÊA, M. L. G. Letramento e heterogeneidade da escrita no ensino de português. In: SIGNORINI, I. (org.) Investigando as relações

oral/escrito e as teorias do letramento. Campinas, SP: Mercado

de Letras, 2001

DIAS, D.S.F.; DEUS, M.M.M. de; IRELAND, T.D. A contribuição do uso de dispositivos móveis para um currículo voltado a uma educação transformadora na EJA Espaço Currículo, v.6, n.2, p.280-291, 2013. GONÇALVES, E. M.; AZEVEDO, A. B. de.. O Rádio na escola como instrumento de cidadania: uma análise do discurso da criança envolvida no processo. Revista Acadêmica do Grupo Comunicacional de

São Bernardo, Ano 1 – n. 2 2004. Disponível em: www.metodista.br/

unesco/GCSB/index.htm. Acesso em: 12 de maior de 2015.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

_________. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2006. LEAL, T.F.; GOIS, S.. A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente como foco de reflexão. Belo Horizonte, Editora Autêntica, 2012.

KENSKI, V. M. Novas Tecnologias, o redimensionamento do espaço e do tempo e os impactos no trabalho docente. Informática Educativa, v.12, n.1, p.35-52, 1999.

__________. Tecnologia e as Alterações no Espaço e Tempo

de Ensinar e Aprender. São Paulo: Papirus, 2003

MAGDALENA, B.C.; COSTA, I.E.T. Internet em sala de aula: com

a palavra, os professores. Porto Alegre: Artmed, 2003. Disponível

em: http://www.ufrgs.br/limc. Acesso em: 30 set.2011

MOREIRA, R.. Para onde vai o pensamento geográfico?: por uma epistemologia crítica. São Paulo: Contexto, 2006.

MÜLLER, F.M.; DE BASTOS, F.P. Matriz Dialógico-Problematizadora coFerramenta Organizadora do Trabalho Escolar no AMEM. In: Congresso Nacional de Ambientes Hipermídia para

PALLOFF, R. M.; PRATT, K.. O Estudante Virtual. Porto Alegre: Artmed, 2004.

PEDREIRA, S. Inclusão digital e modo offline: novas tendências para o uso de celulares e tablets na educação. Serão Extra, 12 fev. 2012. Disponível em: Acesso em: 12 mai. 2012.

PRIMO, A. Avaliação em processos de educação problematizadora online. In: SILVA, M.; SANTOS, E. (Org.). Avaliação da

aprendizagem em educação online. São Paulo: Loyola, 2006, p.

38-49.

de QUEVEDO SGARBI, Nara Maria Fiel. Os eventos da oralidade no ensino da língua portuguesa. Revista Trama, v. 4, n. 7, p. 167-175, 2008.

SIGNORINI, I.. Investigando a relação oral/escrito e as teorias

do letramento. Campinas-SP: Mercado das Letras, 2001.

KOCH, I. V. ; SILVA, M. C. P. S.. Atividades de Composição do Texto Falado: a Elocução Formal. In: CASTILHO, A. T. ; BASÍLIO, M. (orgs.)

Gramática do 1985 Português Falado. Volume IV: Estudos

Descritivos. Campinas: Editora da Unicamp, 1996, p. 379-410

TEMER, A. C. R. P.; PENHA, F.R; UMBELINO-FILHO, J.E.M.; SIMÃO, N.C. O fazer comunicativo no processo de mediação pedagógica da EaD. In: XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região

Centro-Oeste – Cuiabá – MT – junho de 2011.

TRUCANO, M.. Learning British English – for the cost of a cup of Bangladesh tea. Edutech, set. 2010. Disponível em: Acesso em: 11 mai. 2012

VICENTIN, M.C.G. A vida em rebelião: jovens em conflito com a lei. Sao Paulo: Hucitec, 2005 p.17-60.

VIVIAN, C.D.; PAULY, E.L.. O uso do celular como recurso pedagógico na construção de um documentário intitulado: fala sério!. Colabor@-A

CINEMA,