• Nenhum resultado encontrado

2 PANORAMA DO SETOR AÉREO

6.1 Retomada do projeto de pesquisa

O projeto, original, de pesquisa teve como proposta compreender a atividade desempenhada pela categoria pilotos de linha aérea bem como as habilidades, capacitações, atitudes e perícias requeridas para o exercício dessa profissão. Um aspecto importante surgido a partir de uma revisão bibliográfica preliminar foi o de que as mudanças tecnológicas influenciavam nas novas exigências para essa profissão, pois o sistema de navegação computadorizado viria a substituir funções do piloto. Como delimitação do campo de pesquisa, o estudo ficou restrito à atividade desempenhada exclusivamente por pilotos de linha aérea, pois se entendeu que a introdução tecnológica no transporte regular era a mais acentuada a partir da intensificação do sistema de navegação digital e do sistema fly-by-wire (substituição dos comandos mecânicos e hidráulicos por fios elétricos acionados pelo computador).

A fim de apreender a profissão e os requisitos do profissional para o desempenho da atividade como piloto de linha aérea, objetivou-se analisar as habilidades, conhecimentos, atitudes, qualificação e capacitação que formam as competências específicas que lhe são exigidas e como as constantes inovações tecnológicas introduzidas nas aeronaves alteram tais competências. Desta forma,

questionou-se se os requisitos solicitados para a atividade piloto produzem mudanças em termos de atitudes, conhecimento, habilidades e capacitação sempre que houver mudanças/alterações, adequações ou introduções tecnológicas nos modelos de aeronaves.

O projeto conteve a seguinte hipótese central:

As contínuas alterações tecnológicas nas aeronaves são acompanhadas de mudanças nos conhecimentos, habilidades, capacitação e atitudes que configuram um modelo específico de competências requerido para a atividade de piloto de linha aérea.

Entretanto, no decorrer da pesquisa, a hipótese foi modificada para:

As contínuas alterações tecnológicas nas aeronaves e mudanças organizacionais que estão no bojo da reestruturação no setor da aeronáutica na atualidade, segundo o modelo de organização flexível, são acompanhadas de mudanças nos conhecimentos, habilidades, capacitação e atitudes que configuram um modelo específico de competências requerido para a atividade de piloto de linha aérea.

Quatro hipóteses foram levantadas no projeto do qual, entretanto no exame de qualificação a banca considerou válida apenas com as duas últimas, sendo que a quarta foi considerada apropriada para a discussão sobre o sistema perito.

1) Os pilotos são selecionados adotando quatro critérios. Primeiro critério, juventude (preferencialmente até 30 anos de idade). Segundo, capacitação técnica e experiência profissional – conforme normas da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). Terceiro, um conjunto de capacidades formado por habilidades específicas (coordenação motora; raciocínio espacial, abstrato e lógico, atenção difusa e facilidade de concentração; emocionalmente equilibrado; facilidade para se adaptar a situações novas; automotivado; comprometimento profissional ao ponto de colocar a empresa acima da família na sua ordem de prioridades; não deixar-se influenciar por pressão emocional e psicológica). Quarto, excelente saúde – o critério mais importante – e garantia de que após ser contratado será responsável pela integridade de sua própria saúde.

2) Os pilotos devem ter habilidades para trabalho em equipe, facilidade de comunicação e controle emocional; conhecimento das legislações que regulam o setor aéreo e; curso de piloto de linha aérea;

3) Os pilotos só percebem a necessidade de novos saberes após não serem mais úteis para a empresa, não possuindo estratégias para adequarem-se à profissão que requer constantemente novos saberes;

4) A automação torna o piloto dependente do sistema, pois a aeronave e o voo são ―programados‖ conforme manual do fabricante e padrão operacional adotado pela empresa. O voo é programado com dados inseridos no computador que irá configurar velocidade, nível e rota, por exemplo. Qualquer pane em qualquer um dos equipamentos que compõe o sistema de navegação pode comprometer e até inviabilizar o voo. A programação da aeronave só permite manobras previamente configuradas. Os pilotos não recebem treinamento para voos ―manuais‖, ou seja, não automatizados e não sabem como fazê-lo em caso de pane do sistema. Retirando a autonomia, também retira a possibilidade de iniciativa.

Para o estudo proposto adotou-se uma abordagem qualitativa, a fim de entender questões relativas à transformação do trabalho sob influência de mudanças tecnológicas. A investigação qualitativa, para Gialdinio, não tem um enfoque monolítico, mas um variado mosaico de perspectivas de investigação, ―su desarrollo prosigue em diferentes áreas, cada uma de las cuales está caracterizada por su propia orientación metodológica y por sus específicos presupuestos teóricos y conceptuales acerca de la realidade (GIALDINO, 2006, p.24). As técnicas adotadas neste estudo foram entrevista, análise documental e triangulação dos dados. Para as Ciências Sociais, segundo Richardson (2008), existe uma variedade de elementos que possuem valor documental e não somente documentos escritos e estatísticas, tais como ―objetos, elementos iconográficos, documentos fotográficos, cinematográficos, fonográficos, videocassetes etc.‖ Richardson (2008, p.228). Como documentos escritos Macdonald y Tripton consideram ―documentos oficiales de las administraciones públicas: informes y estatísticas oficiales em geral (...) la prensa escrita

(periódicos e revistas) (...) ‗los papeles privados‘ (cartas, diários, memórias, material biográfico o autobiográfico em geral)‖ (MACDONALD y TRIPTON, 1993

apud RICHARDSON, 2008, p.228). Gialdino acrescenta aos diferentes tipos de

dados para a pesquisa qualitativa ‗la cultura material y los artefactos tecnológicos y el discurso oral‖ (GIALDINO, 2006, p.29).

A maioria das entrevistas foi direcionada aos pilotos que circulavam pelo saguão do Aeroporto Salgado Filho na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. A pesquisadora aproximou-se deles e perguntou-lhes se estavam dispostos a conceder uma entrevista, munida de carta de apresentação. Conforme informado pelos pilotos todas as empresas aéreas proíbem seus trabalhadores de darem entrevistas, sendo este um motivo para alguns deles se negarem a participar da pesquisa.

Apesar da proibição, alguns pilotos mostraram-se interessados em participar, entretanto alegavam indisponibilidade de tempo, pois chegavam ao aeroporto somente no horário do embarque. No primeiro contato passei a entregar uma carta de apresentação que possibilitou o agendamento de entrevistas.

Conforme conversa informal, antes ou após as entrevistas, três episódios parecem ter diminuído a resistência de pilotos em participarem da pesquisa: a demissão de 800 trabalhadores da WEBJET, em novembro de 2012, após esta ser adquirida pela GOL (entre os demitidos 134 eram pilotos) e duas propostas de mudança na legislação que estão tramitando no Congresso Nacional. A primeira delas, o Projeto de Lei do Senado Nº 434, DE 2011 do senador Blairo Maggi, propõe alterar a Lei nº 7.183 de, 5 de abril de 1984, objetivando elevar a jornada de trabalho dos pilotos e as horas mensais. A segunda propõe alterar o Código Brasileiro de Aviação Civil, para permitir que pilotos estrangeiros trabalhem no Brasil.

No caso de processar-se a primeira alteração na legislação, aumentaria, para o piloto de linha aérea, a jornada de 11 para 14 horas, a carga semanal ficaria mantida em 60 horas e a mensal elevaria de 176 para 190 horas. O número de folgas aumentaria de 8 para 12, porém mantida em apenas 24 horas cada uma delas (SENADO, 2011).

O acordo ―céus abertos‖, política do governo federal para liberalizar o mercado da aviação civil e permitir a entrada de empresas internacionais, é outra preocupação da maioria dos pilotos entrevistados. Com as propostas de mudança alguns pilotos sentiram necessidade de falar da sua profissão, dos problemas que enfrentam e, principalmente da incerteza em relação à estabilidade do mercado de trabalho.

Efetuaram-se oito entrevistas presenciais com pilotos e quatro por email. Para resguardar a identidade dos pilotos entrevistados optou-se por utilizar um sistema alfanumérico: a letra P seguida do número que corresponde à ordem de entrevistas, assim P1 significa o primeiro piloto entrevistado, P2 o segundo e assim sucessivamente.

Entrevistou-se o coordenador, o diretor e um instrutor do curso de Ciências Aeronáuticas da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). Além disso, consultas foram realizadas por email, às Gerências temáticas da Agência Nacional de Aviação Civil.

As informações coletadas nas entrevistas foram ―trianguladas‖ com documentos. Os seguintes documentos foram consultados: Regulamentos, Normas e Manuais da Aviação Civil com relação às exigências para pilotos e para as empresas de transporte aéreo – publicizadas pela ANAC. Os regulamentos selecionados foram o RBHA 61 que trata dos Requisitos para a Concessão de Licença de Pilotos e de Instrutores, O RBAC 61 que trata de Licenças, Habilitação e Certificado para Pilotos, o Código Brasileiro do Ar o Código Brasileiro de Aeronáutica. Também foram consultados sites de empresas aéreas e sua seção ―trabalhe conosco‖. A seção ―trabalhe conosco‖, das empresas consultadas, direcionavam para empresas terceirizadas responsáveis pelo recrutamento e seleção de profissionais; sites dos cursos de Ciências Aeronáuticas; site do Sindicato dos Aeronautas e Sindicato dos Pilotos Civis; revistas sobre aviação (Aeromagazine e Avião Revue); e notícias jornalísticas sobre a aviação civil em jornais online.