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146 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS

No documento Revista Completa (páginas 149-152)

relação à idade do trabalhador a

146 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS

O maior grupo, sem dúvida, foi o dos escritores. As manifestações de alguns revelaram o que esperavam da criança. Assim, uns ficaram espan- tados com a agressividade que obser- varam nas discussões, outros com a violência com que foram criticados escritores e livros. Uns procuravam afirmação de suas opiniões, enquanto outros diziam que não queriam "chu- tadas" de volta suas próprias idéias. Brincando, alguns disseram que nunca mais escreveriam para crianças ou para adultos, mas reparamos que jus-

tamente dentre estes, um ou outro gerou um plano para novo livro, de tipo diferente, na presença de tantas crianças que, com bastante sincerida- de e vivacidade, lutaram por algo nem sempre definido, mas que, enfim, pode ser resumido em: mais livros, novos livros, outros livros.

Em situação mais difícil viram-se os educadores; sentiram-se estimula- dos ou freqüentemente obrigados a agir, intervir. Frequência e forma das intervenções, recalques e manifes- tações dependeram de suas persona- lidades e concepções pedagógicas.

Sem dúvida alguma, as intervenções exerceram-se indiretamente pelas con-

ferências dos adultos e diretamente durante a discussão que muito nos mostrou quanto às atitudes do jovem para corn o adulto.

A última profissão representada e a mais singular foi a de psicólogo, simples observador, sem influência sôbre a criança, só procurado, par- ticularmente, por um ou outro jovem. para dar opinião sôbre um aconteci- mento ou para responder "ao que acha do meu caráter depois de ter me observado durante uma semana".

Desta vez, o psicólogo teve ao lado, em algumas sessões, um taquí- grafo, para que os debates pudessem ser anotados verbalmente e mais tarda analisados, para que se visse o papel e a significação das diferentes espé- cies de manifestações dos jovens.

De início o taquígrafo não conse- guia saber por que devia tomar nota de "tanta coisa confusa, repetida, dita com uma rapidez de mais de 150 palavras por minuto", mas acabou admirando a sinceridade e a persis- tência dos jovens na discussão. E quando, sentindo que não lhe era pos- sível apanhar tudo por causa de tu- multo, achou que o Congresso Infan- til-Juvenil bem podia competir com a Assembléia, naturalmente, do ponto de vista taquigràfico.

IV — Concepções e Tendências Políticas

Referências à democracia, a idéias democráticas, alusões ao fascismo, ao fechamento do PCB, à época de 1937 foram frequentes, apesar de repetidos protestos e indicações de que era proi- bido falar em política. Bastou um jovem manifestar sua desconfiança quanto ao resultado de um requeri- mento feito à Assembléia Nacional, pedindo medidas em matéria de revis- tas infantis, para que outro jovem o chamasse de "anti-patriota", "porque não estamos mais em 1937". A signi-

ficação de patriotismo foi seriamente, discutida no caso de Monteiro Lobato, chegando a ser decidido por votação — com maioria esmagadora — que Monteiro Lobato é patriota. "Mon- teiro Lobato é antes de tudo anti- patriota" — objetou um jovem con-

gressista. Apartes: " N ã o apoiado". "Creio — disse outro — que, numa democracia, um escritor tem o direito de expender i d é i a s . . . "Quero dizer

que patriota não é apenas aquele que elogia a grandeza da pátria (muito bem, palmas), mas que diz a verdade sôbre o país a fim de que os brasi- leiros possam corrigir-se".

A reunião de jovens num Congres- so não apenas traz em si idéias de- mocráticas, mas também o nosso tempo com seus acontecimentos, den- tro e fora do Brasil, é evidentemente político — e as crianças vivem e par- ticipam dele. Decisões tidas como violações foram facilmente tachadas de anti-democráticas e até mesmo fascistas. Assim, a sugestão de se proibir a publicação de certas registas infantis, como o "Gibi", foi reba- tida como sendo contrária à liber- dade de imprensa. Quando o presi- dente, seguindo os estatutos, quis ne- gligenciar uma modificação feita e aceita pelo plenário, declarou: "Esta- mos numa democracia. Mas existe uma autoridade constituída para. fa- zer obedecer as l e i s . . . se foi eleita aqui, é porque merecia esta eleição e portanto tem plena autonomia". E quando um jovem congressista quis propor que u.ma comissão julgasse as teses em vez de serem elas apresen- tadas na íntegra ao plenário, o que correspondia ao desejo da maioria, ar- gumentou: "Há uma assembléia. Não é o povo inteiro que resolve as leis. São os senhores deputados. As- sim, será muito mais simples, será muito mais claro". Assim como estas expressões foram consideradas ora democráticas, ora anti-democráticas, reinou também certa confusão sôbre

conceitos como patriotismo, pensa- mento brasileiro e idéia nacional. Em dado momento, um jovem propôs a reforma das fábulas antigas, do velho La Fontaine. Por exemplo, passar os acontecimentos para cenário bra- sileiro, com personagens nacionais, substituindo a raposa pelo jabotí. Foi quando um congressista perguntou, aliás em voz baixa, se se queria na- cionalizar também a moral das fá- bulas .

A "politização" dos jovens e seu interesse pelos acontecimentos polí- ticos e pelas 'formas de governo é enorme, como o provam não somente grande número de manifestações ano- tadas pelo taquigrafo, mas também observações de conversas nos corre- dores do Congresso e à mesa de al- moço e jantar. Muitos dos jovens pertencem ou são simpatizantes dos diversos grupos políticos existentes e sendo a idade deles considerada a da busca de uma concepção do mun- do" — uma orientação cívica, não partidária, muito poderia fazer para esclarecer dúvidas e criar as bases para compreensão de conceitos como patriotismo e democracia.

V — Revolução em Terrenos Literários

Um congressista chamou o leitor de "escravo do escritor" e pode-se explicar, daí, algumas das idéias de revolta contra formas de leitura exis- tentes. Assim, declarou que "as fá- bulas modernas devem jogar fora os velhos métodos". Outro se revoltou, dizendo que, "sob pretexto de impres- sionante se destrói todo elemento de maravilhoso e de fantasia nas histó- rias infantis". Mais um, defensor das histórias de crimes no " G i b i " ,

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exigiu apresentação de fatos, que de- monstrem que os crimes foram come- tidos por causa do " G i b i " . " N ã o há

esses fatos até agora"! "O Gibi" não é imoral, suas figuras não são defor- madas'-" — argumentou outro. " S ò - mente quando uma criança é predis- posta" — alegou mais um — "o Gibi revolucionará".

Algumas vezes 'foi difícil aos con- gressistas chegar a acordo devido a concepções filosóficas e linguísticas diferentes. Assim, diferenças sôbre a significação de assimilar e adaptar, de modernizar e atualizar, criaram bastante confusão. A retradução de Júlio Verne devido à linguagem an- tiquada deu origem a uma discussão sôbre linguagem.

As concepções da natureza da criança e consequentemente o que se

deve escrever para ela — foi assunto de apresentação de idéias contraditó- rias dos congressistas: " A s crianças têm que ser más para saberem de-

fender-se" — disse um, " À s crianças tem que ser ensinado o amor" repli- cou outro. E mais outra jovem de 15 anos se dedicou a pesquisar entre seus colegas de escola o que eles gos- tam e preferem no terreno da lite- r a t u r a . . .

. . . mas enfim, na leitura das atas do Congresso, não se destacam as idéias revolucionárias, reformadoras da literatura infantil, nem as simples afirmações das teses apresentadas; apresenta-se, entretanto a evolução; designam-se os rumos a tomar. — BETTI KATZENSTEIN — (O Estado de São Paulo, São P a u l o ) .

No documento Revista Completa (páginas 149-152)