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1. INTRODUÇÃO

2.2. Gestão de risco de crédito

2.2.1. Risco de crédito

A gestão de risco de crédito é uma das principais atividades das instituições financeiras, uma vez que otimiza os resultados operacionais e contribui para a sustentabilidade financeira. Para melhor compreensão da gestão do risco de crédito no setor bancário, torna-se necessário traçar uma breve explanação sobre alguns conceitos relacionados ao risco de crédito.

O termo crédito tem origem no vocábulo latino creditum, que significa “crença”, “confiança”. Neste sentido, o crédito deve ser entendido como a confiança de ambas as partes na relação creditícia e, mais especificamente, a confiança do credor de que o devedor efetuará um pagamento devido dentro do prazo e das condições estipuladas (BLATT, 1999).

No mesmo sentido, Schrickel (1997, p. 25) afirma que “o crédito é todo ato de vontade ou disposição de alguém destacar ou ceder, temporariamente, parte do seu patrimônio a um terceiro, com a expectativa de que esta parcela volte a sua posse integralmente, após decorrido tempo estipulado”. Tal definição pode ser complementada pelas palavras de Camargos et al. (2010, p. 336) que definem o crédito

[...] pela cessão temporária de recursos a terceiros, mediante remuneração (juros) cobrada ao devedor pelo seu uso, que pode ser concedido por vários tipos de empresas e para uma variada gama de finalidades, com destaque para o segmento bancário, que atua como agente intermediador das captações e aplicações de recursos na economia, sendo regulado por normas estabelecidas pelas autoridades monetárias.

Já a noção do termo risco está ligada à necessidade de conhecimento dos possíveis resultados de uma ação (que podem ser positivos ou negativos), assim como a probabilidade de ocorrência de cada resultado possível identificado (PINDYCK e RUBINFELD, 1999). Dessa forma, o risco é aspecto mensurável, estando ligado às variabilidades esperadas dos resultados. 26

26 Alguns autores sustentam a diferenciação entre os termos incerteza e risco. Segundo Pindyck e Rubinfeld (1999, p. 158): “A incerteza pode ser referida a situações nas quais muitos resultados são possíveis com

probabilidade de ocorrência desconhecidas. O risco, por sua vez, refere-se a situações às quais podemos

A partir dos conceitos de crédito e de risco, pode-se definir o risco de crédito como o risco relacionado à mudança da qualidade do crédito de uma contraparte que afeta a posição de uma instituição financeira, sendo a inadimplência o seu caso extremo.27 A inadimplência pode ser total, resultando na perda integral do valor devido, ou, o que é mais comum, parcial, gerando uma perda de parte do crédito, mas obtém-se um valor de recuperação (CROUHY, GALAI e MARK, 2004).

Da mesma forma, na definição de Sicsú (2010) o risco de crédito é a probabilidade de que determinada obrigação não seja honrada; ou seja, é a probabilidade de perda na operação financeira. Assim, no caso dos bancos, sempre que há uma transferência de recursos a terceiros por meio de empréstimos, existe a possibilidade de o cliente não cumprir o pagamento, resultando na falta de recebimento do valor devido, de forma total ou parcialmente.

A Resolução 3.721/200928 do Banco Central do Brasil, em seu artigo 2º, define risco de crédito como a possibilidade de ocorrência de perdas associadas ao não cumprimento pelo tomador ou contraparte de suas respectivas obrigações financeiras nos termos pactuados, à desvalorização de contrato de crédito decorrente da deterioração na classificação de risco do tomador, à redução de ganhos ou remunerações, às vantagens concedidas na renegociação e aos custos de recuperação.

Conforme Silva (2006), os riscos de crédito de um banco podem ser classificados em quatro grupos: (a) risco do cliente; (b) risco da operação; (c) risco de concentração; e (d) risco da administração do crédito.

a) Risco do cliente – relaciona-se às características do tomador de crédito, sendo inerente a ele. É um dos mais utilizados pelas instituições financeiras, por ter aplicabilidade mais simples e maior abrangência. As variáveis a ele relacionadas são também conhecidas como os

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O risco de crédito é inerente não apenas às instituições financeiras, mas, igualmente, atinge segmentos como o das seguradoras e o das próprias empresas não financeiras, uma vez que, reconhecida a realidade de que boa parte das negociações ocorre com o pagamento a prazo (ou seja, em momento posterior), possuem o risco de não receberem de seus clientes o pagamento pelos produtos e serviços adquiridos (CAOUETTE, ALTMAN e NARAYANAN, 1999).

28 A Resolução do BCB 3.721/2009 dispõe sobre a implementação de estrutura de gerenciamento do risco de

“Cs do Crédito” (BLATT, 1999; SILVA, 2006). Os tradicionais são: caráter, capacidade, capital, condições, conglomerado e colateral.

 Caráter – refere-se à real intenção do tomador de crédito de cumprir a obrigação de pagamento, ou seja, à honestidade do cliente (SILVA, 2006). Assim, “é imperativo que o devedor tenha o animus de devolver a coisa após decorrido o prazo convencionado pelas partes” (SCHRICKEL, 1997, p.48). A avaliação do caráter do tomador de crédito é extremamente difícil e, muitas vezes, subjetiva, podendo, objetivamente, ser baseada em informações de comportamentos passados da empresa em relação à própria entidade financeira e a outros agentes econômicos do mercado.

 Capacidade – envolve as competências (conhecimento, habilidade e atitude) dos profissionais responsáveis pela condução da empresa, gestores ou sócios, estes principalmente no caso de micro e pequenas empresas. Assim, formação profissional, idade e as experiências empreendedoras são características que podem ser direcionadoras na avaliação da capacidade gerencial (BLATT, 1999; SILVA, 2006).

 Capital – está relacionado à situação financeira, econômica e patrimonial do tomador do recurso, sendo obtida, em geral, diretamente dos demonstrativos financeiros e contábeis do cliente. Assim, traduz a capacidade de pagamento do mutuário, sendo, do ponto de vista financeiro, um dos Cs de maior relevância (BLATT, 1999).

 Condições – referem-se aos fatores externos à organização, em princípio, não controláveis pela empresa. Dessa maneira, os aspectos ambientais, setoriais e macroeconômicos representam as condições gerais econômicas e políticas de um país ou região. Ressalta-se a importância de reconhecer que as condições podem se alterar consideravelmente com o passar do tempo29 (SILVA, 2006).

 Conglomerado – alude à expansão da apreciação dos fatores de riscos de uma empresa específica a outras empresas diretamente relacionadas, como as coligadas e controladas. O

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Apesar de não controláveis, defende-se que as empresas devem ajustar suas operações às previsões de variação dos fatores externos, uma vez que, assim como o risco, há possibilidade de se utilizar de probabilidades de cenários para a adequada gestão empresarial.

risco deste conjunto de empresas é identificado a partir de uma visão global e interligada das empresas de determinado grupo econômico (BLATT, 1999; SILVA, 2006).

 Colateral – está ligado às questões das garantias solicitadas ou oferecidas pelo cliente para compensar o risco de não cumprimento que ele representa, em razão dos outros aspectos de crédito discutidos (SILVA, 2006). Assim, deve-se sempre atentar ao fato de que a garantia não constitui a obrigação principal de pagamento em dinheiro do empréstimo, tendo aspecto apenas acessório e jamais substituindo outros critérios, como o caráter (BLATT, 1999).30

b) Risco da operação – refere-se às características da própria operação de crédito, como o produto, o montante, o prazo, a forma de pagamento e as garantias (SILVA, 2006). Estes atributos, em geral, são demonstrados nos contratos de operação de crédito, que podem ocorrer por meio de diferentes instrumentos jurídico-financeiros como os títulos de crédito ou os contratos por instrumento público.

c) Risco de concentração – abrange a ideia de diversificação da carteira de operações de crédito, evitando exposições, por exemplo, ao mesmo setor econômico ou a setores com alta correlação positiva. Desta maneira, o risco de concentração representa o risco de toda a carteira, diferindo-se do risco individual de cada operação (SILVA, 2006). No mesmo sentido, Santos e Famá (2006) identificam que fatores sistemáticos, como os relacionados com o aumento das taxas de juros, o aumento do desemprego, a recessão econômica ou setorial, influenciam a perda de renda de tomadores de crédito sendo determinantes da inadimplência em empréstimos bancários.

d) Risco da administração de crédito – relaciona-se à própria forma como o crédito é concedido e, principalmente, ao modo de seu acompanhamento, podendo as perdas serem decorrentes de ineficiência ou incapacidade da própria instituição financeira em gerir suas atividades de crédito. O controle e a detecção tempestiva de créditos em dificuldades podem evitar maiores perdas às operações já realizadas (SILVA, 2006).

30 Afinal, o processo de expropriação de uma garantia é feito de forma judicial, tem custos significativos e, em

muitos países, como o Brasil, é demorado em razão da ineficiência do sistema judiciário. Neste sentido, como afirma Silva (2006), deve-se reconhecer importância de alguns aspectos da garantia, como o seu valor, sua liquidez, sua depreciabilidade, seu controle ou posse e a praticidade de sua constituição.

Por fim, salienta-se que as instituições financeiras, na diversidade de suas atividades, estão expostas a distintos riscos, sendo o risco de crédito apenas um deles. Dessa forma, sustenta-se serem necessários o reconhecimento e a gestão adequada a cada “tipo” de risco envolvido nas atividades bancárias31. De acordo com Yazbek (2007, p. 27), os riscos financeiros relacionados às atividades das instituições financeiras classificam-se da seguinte forma:

(i) risco de mercado (market risk): é o risco de oscilações nos níveis de preços e nas taxas praticados ou nas volatilidades de tais preços ou taxas, seja em valores absolutos, seja em relação a algum índice;

(ii) risco de crédito (credit risk): é o risco do descumprimento de uma obrigação pela contraparte devedora;

(iii) risco de liquidez (liquidity risk): costuma ser definido de mais de uma forma, sendo porém, no mais das vezes, aquele risco decorrente da dificuldade de negociação de um ativo aos preços de mercado em caso de necessidade – ou seja, aqueles ativos foram, por algum motivos, „ilíquidos‟. (...);

(iv) risco operacional (operational risk): é aquele que decorre de falha humana ou tecnológica ou de problemas que possam, de alguma maneira, atrasar ou impedir o cumprimento da obrigação;

(v) risco legal (legal risk): é aquele que decorre da inadequação do arcabouço legal ou regulamentar ou de falhas na formalização dos negócios, de modo a permitir o questionamento de obrigações, seu descumprimento ou mesma sua revogação; e (vi) risco sistêmico (systemic risk): é um risco de natureza distinta, dizendo respeito à integridade do sistema financeiro em caso de qualquer falha – isso porque, ante a interligação das diversas unidades que ali operam, um problema isolado pode gerar problemas que se alastrariam, afetando terceiros.32