• Nenhum resultado encontrado

Rm 13, 10 O AMOR É O PLENO CUMPRIMENTO DA LE

No documento As obras do amor.pdf (páginas 97-141)

“Prometer é honesto, mas o difícil é cumprir”, diz o provérbio; porém com que di- reito? Pois decerto é evidente que o honesto é o cumprir, e nisso o provérbio pode ter razão, que o cumprir é o honesto e ao mesmo tempo o difícil. Mas o que resta então do prometer? Afinal o provérbio não diz nada, conforme a explicação anterior, sobre o que é isso; talvez prometer valha menos do que nada; talvez o provérbio queira advertir para que nos abste- nhamos disto, como quem diz: não percas tempo com promessas, pois o cumprimento, que é o honesto, já é bastante difícil. E verdadeiramente, há muita distância entre o prometer e a honestidade, mesmo que a promessa não tenha nenhuma intenção desonesta. Não seria também grave dar ao “prometer” o nome de honestidade, grave num mundo que promete tanta coisa enganadoramente, numa geração que gosta demais de prometer e que honesta- mente gosta de deixar-se enganar com promessas; não deveria ser grave já para o provérbio, que haja um outro provérbio que também conhece o mundo e os homens e que sabe por ex- periência que “dinheiro emprestado, se devolvido - conforme o prometido, é dinheiro acha- do”? Antes se deveria partir para o extremo oposto e dizer: “prometer é uma desonestida- de”, na suposição de que seria característico da verdadeira credibilidade que não se façam promessas, que ela não perca seu tempo com promessas, não se lisonjeie a si mesma com promessas, não exija um duplo pagamento, primeiro por prometer e logo depois pelo cum- primento do que foi prometido. Porém antes temos que nos esforçar por concentrar a aten- ção única e exclusivamente sobre o cumprir, enquanto como introdução uma admoestação de alerta de quem tinha autoridade adverte contra o prometer.

Encontra-se na Sagrada Escritura (Mt 21, 28-31) uma parábola que só raramente é escolhida para a pregação religiosa, e que contudo serve tanto para instruir quanto para des- pertar. Demoremo-nos um pouquinho nela. Havia “um homem que tinha dois filhos”, - e nisto ele se parece com aquele pai do filho pródigo, que também tinha dois filhos; sim, a semelhança entre esses dois pais é ainda maior, pois um dos filhos deste pai de que fala a história era também um filho perdido, como haveremos de ouvir da narrativa. O pai “diri- giu-se ao primeiro e disse: ‘Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha’. Mas ele respondeu: ‘Não quero’; mas depois, arrependendo-se, foi. E o pai dirigiu-se ao segundo e disse a mesma coisa. Mas este respondeu: ‘Eu irei, Senhor’; mas não foi. Qual dos dois realizou a vontade do pai?” Nós também podemos perguntar de uma outra maneira: qual desses dois era o filho perdido? Não seria aquele que disse sim, o que era o obediente, que não dizia apenas sim, mas disse ‘Sim, Senhor’, como para mostrar sua incondicional e obediente submissão sob a vontade do pai? Não seria aquele que disse sim, aquele que no maior silên- cio se perdeu, de modo que isto não ficou tão notório como no caso do filho pródigo, que gastou seus bens com as prostitutas e acabou por cuidar dos porcos, mas que acabou tam- bém por ser reencontrado? Não seria aquele que disse sim, aquele que de maneira notável se assemelha ao irmão do filho pródigo, pois como a justiça deste é posta em dúvida pelo Evangelho, embora ele se considerasse o justo e o bom filho, assim também este irmão (te- mos aliás na língua dinamarquesa uma expressão própria que podemos usar para ele para efeitos de brevidade), o irmão-que-diz-sim99, talvez se considerasse a si mesmo como sendo o filho bom - pois não dizia apenas ‘sim’, mas dizia ‘sim, Senhor’, e prometer é honesto, conforme o nosso provérbio! O outro irmão, ao contrário, disse ‘não’. Um tal ‘não’, que contudo significa que fazemos exatamente aquilo para o que dissemos não, pode às vezes ter seu motivo numa situação que é estranha mas não inexplicável. Num tal ‘não’ fingido oculta-se às vezes a honestidade exilada deste mundo e estrangeira, quer isto ocorra porque o falante estava tão enojado de ouvir sempre de novo o sim que significa que não se faz o que se diz, que até se acostumou a dizer não onde outros dizem sim, para então por sua vez fazer aquilo que deixam de fazer os que disseram sim; ou quer isto ocorra porque o falante cultiva uma desconfiança preocupada em relação a si mesmo, e por isso evita prometer al-

go, para não prometer demais; ou quer ocorra isto porque o falante, em zelo sincero de fazer o bem, queria impedir a aparência hipócrita de uma promessa. Contudo, no Evangelho este ‘não’ não é tratado dessa maneira, sem que se tivesse esta intenção, trata-se ali realmente de uma desobediência do filho; mas ele se arrepende disto e então vai e faz a vontade do pai.

Mas o que então a parábola quer acentuar, senão o como é perigoso apressar-se a di- zer sim, mesmo quando é isto o que se quer dizer, no instante? O irmão-que-diz-sim não é apresentado como alguém que era um mentiroso quando disse o sim, mas como alguém que

se tornou um mentiroso porque não cumpriu sua promessa, e ainda mais exatamente como

aquele que justamente por seu zelo em prometer tornou-se um mentiroso, quer dizer, a promessa veio a ser justamente a cilada; se ele não tivesse prometido nada, é mais provável que teria agido. Pois quando dizemos sim, ou prometemos algo, nós nos enganamos tão fa- cilmente a nós mesmos e facilmente enganamos a outros, como se já tivéssemos feito o que prometemos, ou como se pela promessa já tivéssemos mesmo feito algo daquilo que prome- temos fazer, ou como se a própria promessa já fosse algo meritório. E se contudo acabamos não fazendo o que prometemos, então o caminho se tornou muito longo, antes que retorne- mos para a verdade e apenas alcancemos o início de tentar fazer pelo menos alguma coisa do que prometemos. Ai, o que tínhamos prometido fazer talvez já tenha sido bastante vasto, mas agora, graças à promessa não cumprida, afastamo-nos do início pela distância de uma ilusão de óptica. Agora não é mais como era antes, quando estávamos naquele momento em que não encontrávamos o caminho e em vez de começarmos o trabalho ficávamos girando ao redor da coisa com a ajuda da promessa. Todo aquele rodeio precisa ser refeito ao con- trário, antes que cheguemos de novo ao início. Em compensação, o caminho de volta depois de termos dito um não, o caminho que passa pelo arrependimento para assim fazer a repara- ção, é muito mais curto e fácil de encontrar. O ‘sim’ da promessa faz adormecer, mas o ‘não’ pronunciado em voz alta, e portanto ouvido pelo próprio falante, faz despertar, e o arrependimento pode não estar longe. Aquele que diz ‘Sim, eu irei, Senhor’ no mesmo ins- tante se sente satisfeito consigo mesmo; aquele que diz ‘não’ quase tem medo de si mesmo. Mas esta diferença é muito importante no primeiro instante, e muito decisiva no segundo momento; contudo, o primeiro instante é o juízo do instante, e o segundo momento é o juí-

zo da eternidade. Justamente por isso o mundo é tão inclinado a fazer promessas, pois o mundano é o instantâneo, e uma promessa causa instantaneamente boa impressão; justa- mente por isso a eternidade desconfia das promessas, assim como ela desconfia de tudo o que é instantâneo. Suponhamos que nenhum dos dois irmãos tivesse ido e realizado a von- tade do pai, mesmo assim aquele que disse o ‘não’ estaria constantemente mais próximo de fazer a vontade do pai, na medida em que estaria mais próximo de se tornar atento para o fato de que não fazia a vontade do pai. Um ‘não’ nada esconde, mas um ‘sim’ muito facil- mente vem a tornar-se uma ilusão de óptica, uma auto-ilusão, que de todas as dificuldades talvez seja a mais difícil de superar. Oh, é verdade demais que “o caminho da perdição está pavimentado de boas intenções”, e uma coisa é certa, que a coisa mais perigosa que há para um homem é andar para trás com a ajuda de bons propósitos, e idem com promessas. É bem difícil descobrir que isto é uma regressão. Quando um homem vira as costas para o outro e sai, aí é fácil de ver que ele vai embora, mas se uma pessoa inventa de voltar o rosto para a outra pessoa da qual se afasta, ou inventa de afastar-se andando de costas, enquanto com o rosto e o olhar e as saudações a cumprimenta, assegurando sempre de novo que já vem, ou até mesmo dizendo sem parar ‘estou aqui’, não obstante se afaste cada vez mais, de marcha- a-ré, bem entendido: neste caso não é tão fácil tornar-se atento. E assim também acontece com aquele que é rico de bons propósitos e rápido em prometer, afasta-se mais e mais do bem, de marcha-a-ré. Com auxílio de propósitos e promessas ele mantém a direção para o bem, está voltado para o bem, e com a direção para o bem ele contudo se afasta recuando mais e mais a partir daí. Com cada renovado propósito, a cada nova promessa, parece que está dando passos para a frente, e contudo, não apenas não fica parado, mas realmente dá um passo para trás. Um propósito tomado em vão, uma promessa não cumprida, deixam atrás de si desânimo, depressão, que talvez logo de novo se inflamem num propósito ainda mais impetuoso, que só deixa atrás de si mais debilidade. Assim como o bêbado necessita cada vez de uma bebida mais forte - para ficar embriagado, assim também aquele que caiu em promessas e propósitos precisa de um incitamento cada vez maior - para voltar atrás. Nós não elogiamos o filho que disse não, no entanto nos esforçamos por aprender do Evan- gelho quão perigoso é dizer “Sim, eu o farei, Senhor’. Uma promessa é, em relação com o agir, como o monstrinho que substitui a criança, temos que prestar muita atenção. Justa-

mente no instante em que a criança acabou de nascer, quando então a alegria da mãe é a maior, porque seu padecimento terminou, quando então precisamente pela alegria talvez ela esteja menos atenta, assim o crê a superstição, chegam as forças inimigas e trocam a criança por um monstrinho. E no grande, mas por isso também mais perigoso instante do começo, quando então devemos começar, aí vêm as forças inimigas e colocam o monstrinho da promessa, impedindo assim de fazermos o verdadeiro início, - ai, quantos não terão sido enganados desta maneira, sim, como que enfeitiçados!

Vê, é por isso que é tão importante para um homem, em todas as suas relações, com referência a quaisquer tarefas, concentrar imediatamente a atenção indivisa sobre o essenci- al e o decisivo. E o mesmo vale também para o amor, de modo que não lhe seja permitido em nenhum momento aparecer como algo de diferente do que é, e que essa aparência não se estabeleça enfim firmemente e se torne uma cilada, e que o amor não se demore um bom tempo divertindo-se consigo mesmo em ilusão lisonjeira, mas sim que imediatamente se dirija para a tarefa, e seja compelido a compreender que qualquer instante de demora é um instante desperdiçado, e mais do que meramente desperdício de tempo, que qualquer outra expressão dele é atraso e regressão. Isto se exprime justamente na palavra de nosso texto:

O amor é o pleno cumprimento da lei,

e esta palavra queremos agora tornar objeto de nossa consideração.

Portanto se alguém perguntar ‘o que é amor’, Paulo responderá que ‘ele é o pleno cumprimento da lei’, e no mesmo instante com esta resposta fica impedida qualquer questão adicional. Pois a lei, ai, já é uma questão bem vasta, mas cumprir a lei, - sim, tu mesmo o percebes que quando se trata de atingir isso, não há tempo a perder. Muitas vezes decerto no mundo perguntou-se por curiosidade ‘o que é o amor’, e então houve muitas vezes um ocioso que se meteu a responder ao curioso, e essas duas coisas, curiosidade e ociosidade, gostam tanto uma da outra que quase são incapazes de se cansar uma da outra ou do per- guntar e responder. Mas Paulo não se deixa levar por aquele que pergunta, e muito menos pela prolixidade, pelo contrário, ele já o agarra com sua resposta, ele amarra aquele que

pergunta à obediência sob a lei, junto com a resposta ele já fornece a direção e dá o impulso para agir de acordo com ela. Este não é o caso apenas desta resposta de Paulo, mas ocorre com todas as respostas de Paulo e com todas as respostas de Cristo: esta maneira de respon- der, de cortar as digressões remotas para instantaneamente apresentar a tarefa tão próxima quanto possível daquele que pergunta o que teria de fazer, esta maneira de responder é pre- cisamente característica do Cristianismo100. Aquele sábio singelo da Antigüidade, que a serviço do conhecimento julgava sobre o paganismo, compreendia a arte do perguntar, e com a pergunta conseguia apanhar na ignorância qualquer um que respondia; mas o Cristia- nismo101, que não se dirige a um conhecimento, mas a um agir, tem a propriedade caracte- rística de responder e com a resposta amarrar qualquer um à tarefa. Por isso era tão perigo- so, para os fariseus e os amantes das sutilezas e os sofistas102 e os cismadores, questionar o Cristo; pois certamente eles sempre recebiam a resposta, mas ao mesmo tempo, junto com a resposta, num certo sentido, ficavam sabendo demais, recebiam uma resposta que os apa- nhava, que não se envolvia engenhosamente com a prolixidade da questão, porém com au- toridade divina apanhava aquele que perguntara e o obrigava a agir de acordo com o que aprendia, enquanto o questionador talvez apenas desejasse permanecer na vasta distância da curiosidade ou do espírito novidadeiro ou das definições conceptuais, afastado de si mesmo e da - prática da verdade. Quantos não perguntaram ‘o que é a verdade’, no fundo esperando que teriam muitas delongas antes que a verdade lhes chegasse bem próximo e no mesmo instante houvesse de determinar o que, neste preciso momento, eles tinham o dever de fa- zer. Quando então o fariseu ‘para se justificar’ perguntou ‘mas quem é o meu próximo’, certamente ele pensava que talvez se chegasse a uma vastíssima investigação, que esta en- tão lhes tomasse talvez um tempo enorme, e que talvez acabasse numa confissão de que se- ria impossível definir bem exatamente o conceito de ‘próximo’ - por isso mesmo é que ele o tinha perguntado: para arranjar uma saída, para gastar tempo, para se justificar. Mas Deus agarra o sábio em sua insensatez, e Cristo agarrava o questionador pela resposta, que trazia consigo a tarefa. E assim acontece com cada uma das respostas de Cristo. Não é com vastos discursos que ele adverte contra as questões inúteis que só produzem discórdia e escapató-

100 for det Christelige 101 det Christelige 102 Ordkløver

rias, ai, discursos prolixos contra isto não são melhores aí do que aquilo que se combate; não, do modo como ele ensinava, assim também ele respondia, com autoridade divina, pois a autoridade consiste precisamente no impor a tarefa. O questionador hipócrita recebia a resposta que merecia, mas não a que desejava, não recebia uma resposta que pudesse ali- mentar a curiosidade, e de modo algum uma resposta que ele pudesse sair difundindo, pois a resposta inclui a notável propriedade de, ao ser contada adiante, aprisionar o indivíduo para quem ela é relatada, apanhá-lo para a tarefa. Mesmo se alguém quisesse temerariamen- te tentar relatar esta ou aquela resposta de Cristo como uma anedota, não adianta, isso não pode ser feito, a resposta aprisiona ao obrigar aquele, a quem ela é narrada, a cumprir a tare- fa. Uma resposta engenhosa dirige-se à engenhosidade humana, a rigor é indiferente quem foi que a proferiu e para quem ela foi dita. Toda resposta de Cristo tem a propriedade exa- tamente oposta, que no entanto é algo duplo: é infinitamente importante que tenha sido Cristo quem a deu, e quando ela é relatada ao indivíduo, é justamente para ele que ela é re- latada, toda a ênfase da eternidade situa-se no fato de ser para ele, mesmo se nesta maneira ela é contada para todos os indivíduos. A engenhosidade é voltada para si mesma e neste sentido é cega, ela ignora se alguém a vê, e não se aproxima demais de ninguém ao olhar para ele; a autoridade divina, ao contrário, é por assim dizer toda olhos, primeiro ela força aquele a quem ela se dirige a ver com quem é que ele fala, e fixa então seu olhar trespassa- dor sobre ele e diz com este olhar: é para ti que isso é dito. Por isso os homens gostam tanto de se ocupar com as coisas engenhosas e profundas, pois com elas se pode jogar cabra-cega, porém da autoridade eles têm medo.

E talvez por isso os homens não gostam tanto de se ocupar com a resposta de Paulo, que, como foi dito, é cativante. Pois logo que a pergunta pelo que seja o amor é respondida de outra maneira, também sobra tempo, espaço, um instante livre, então é feita uma conces- são à curiosidade e à ociosidade e ao egoísmo. Mas se o amor é o pleno cumprimento da lei, então aí não há tempo nem para uma promessa - pois o prometer aqui é utilizado como uma expressão para este último, que quer dar ao amor uma direção equivocada afastando-o do agir, para longe do começar imediatamente com a tarefa; a promessa situa-se afinal logo no começo e se assemelha enganadoramente com ele, sem ser o começo. Por isso, mesmo que

esta promessa de amor não fosse tão facilmente um entusiasmo do instante que no momen- to seguinte é desilusão, uma excitação instantânea que só deixa debilidade, um salto para a frente que leva para trás, uma antecipação que de novo retarda e leva de volta, uma introdu- ção que não conduz à coisa mesma, ainda que ela não fosse assim, a promessa é apesar de tudo uma demora, um demorar-se, sonhador ou gozador ou admirador ou imprudente ou presunçoso, no amor, como se este precisasse primeiro concentrar-se, ou como se ele hesi- tasse, ou se espantasse sobre si mesmo ou sobre o que ele deve ser capaz de fazer, a pro- messa é uma demora no amor e por isso piada, uma piada que pode tornar-se perigosa, pois na seriedade o amor é o pleno cumprimento da lei. Mas o amor cristão, que abandona tudo, não tem justamente, por esse motivo, nada a desperdiçar, nenhum instante e nenhuma pro- messa. Contudo ele não é uma atividade febril, e menos ainda uma ocupação mundana, e mundanidade e agitação febril são aí conceitos inseparáveis. Pois o que significa estar atare- fado? Em geral se pensa que o modo como um homem está ocupado é o que decide se ele deve ser chamado de atarefado. Mas isso não é assim. Só no interior de uma determinação mais próxima é que o modo fica sendo o decisivo, ou seja, quando o objeto foi determinado primeiro. Aquele que só se ocupa com o eterno, ininterruptamente, em qualquer instante, se isso fosse possível, não é um atarefado. Aquele que portanto realmente se ocupa com o eterno, jamais é atarefado. Ser atarefado significa, repartido e disperso (o que segue do ob- jeto da ocupação) ocupar-se com tudo o que é múltiplo, no qual justamente é impossível para o homem estar integralmente, integralmente no conjunto ou integralmente em alguma parte avulsa, o que só consegue o doido. Estar atarefado significa, repartido e disperso, ocupar-se com aquilo que deixa um homem repartido e disperso. Mas o amor cristão, que é o pleno cumprimento da lei, está presente justamente, íntegro e concentrado, em cada uma de suas manifestações; e contudo ele é puro agir; ele está, portanto, igualmente afastado tanto da inatividade quanto da agitação febril. Jamais ele assume algo antes da hora e faz uma promessa em lugar da ação; jamais se satisfaz consigo mesmo na ilusão de já estar pronto; jamais se demora junto a si mesmo deliciando-se consigo; jamais fica sentado por aí ociosamente espantado de si mesmo. Ele não é aquele sentimento escondido, ocultamente enigmático por trás das grades do inexplicável, que o poeta quer atrair para a janela; não é um estado de ânimo na alma, que mimado desconhece qualquer lei, nem quer conhecer, ou

quer ter para si a sua própria lei e só quer escutar canções: ele é puro agir, e cada uma de suas ações é sagrada, pois ele é o pleno cumprimento da lei.

Assim é o amor cristão; e mesmo se não é ou não foi assim em nenhum homem (en- quanto entretanto todo cristão ao permanecer no amor trabalha para que seu amor possa vir

No documento As obras do amor.pdf (páginas 97-141)