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RODRIGO MAIA: O SENHOR DO IMPEACHMENT

Luiz Fernando Gomes Esteves1

Com a rejeição do pedido de cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE, as atenções se voltam novamente para os pedidos de impeachment contra Temer apresentados na Câmara dos Deputados. Neste cenário, surge a pergunta: “Quantos parlamentares são necessários para que o Presidente da República seja retirado do cargo através do processo de impeachment?”. A resposta é simples: 396, sendo 342 deputados federais e 54 senadores, isto é, dois terços dos membros de cada casa.

Outra pergunta, porém, possui uma resposta menos óbvia: De quantos parlamentares o Presidente da República precisa para evitar o processa- mento do impeachment? Hoje, a resposta correta é: apenas um, desde que esse parlamentar seja o Presidente da Câmara dos Deputados.

Nas semanas que se seguiram à crise desencadeada pela delação de Joesley Batista, pelo menos dezenova pedidos de impeachment foram recebidos pela Câmara dos Deputados. Desses pedidos, apenas um foi apreciado e arquivado pelo Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. Os outros dezoito pedidos sequer foram apreciados.2 Ou seja,

um único parlamentar foi suficiente para impedir, até o momento, o processamento de todos os pedidos de impeachment apresentados contra Temer.

A Constituição estabelece que cabe à Câmara, através do voto de dois terços de seus membros, a instauração do processo contra o Presidente da República, sem indicar, todavia, como deveria ocorrer o proces- samento. Coube então ao regimento interno dispor sobre a questão, e foi atribuída ao Presidente da Câmara, expressamente, a tarefa de receber a denúncia, para verificar – mediante despacho, e não decisão – a presença dos requisitos formais, como a assinatura, a verificação de documentos, e o rol de testemunhas. Como muito bem observado 1 Artigo publicado no JOTA em 21 de junho de 2017.

2 O GLOBO. Maia trava pedidos de impeachment, e oposição promete ir ao

STF. Publicado em16 jun. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/vkqaap>.

IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF: ENTRE O CONGRESSO E O SUPREMO em outro artigo publicado nesta coluna, a função do Presidente da Câmara é muito mais de cartorário do que de juiz.3

Na prática, no entanto, já no início do processo, ao receber a denúncia, Rodrigo Maia escolhe quando decidir. Na ausência de regra expressa estabelecendo um prazo máximo para a emissão do despacho que aceita ou rejeita a denúncia, a interpretação conferida pelo Presidente da Câmara é a de que não há prazo. Esse é o primeiro poder de Maia para impedir o processamento do impeachment: Definir quando irá decidir.

O segundo poder de Maia tem a ver com o despacho que aceita ou rejeita o processamento da denúncia. Neste caso, apesar da função meramente cartorária indicada pelo regimento interna, o Supremo ampliou os poderes do Presidente da Câmara, conferindo também um controle de mérito, ao indicar que a rejeição preliminar e individual do pedido é possível “quando, de logo, se evidencie, por exemplo, ser a acusação abusiva, leviana, inepta, formal ou substancialmente”. Portanto, o segundo poder de Maia é: Decidir, individualmente, sobre a rejeição ou o prosseguimento da denúncia.

A questão aqui é que, seja qual for o tipo de controle exercido pelo presidente da Câmara, a prática do “bem-sucedido” impeachment de Dilma, assim como do “natimorto” pedido de impeachment do então vice-presidente Michel Temer, mostraram que para a continuidade da denúncia é imprescindível uma atuação ativa do Presidente da Câmara. Nada superou esses primeiros filtros, nem mesmo decisão proferida por ministro do STF.4

Porém, o próprio regimento da Câmara prevê a possibilidade de controle dessa atribuição individual de seu presidente, através de recur- so dirigido ao plenário por 1/10 dos deputados. Todavia, o regimento concede ao chefe da Câmara uma nova oportunidade para evitar o processamento do pedido, pois, de acordo com as regras regimentais, é atribuição do Presidente elaborar a agenda de votações. Eis o terceiro poder de Maia: Definir quando o plenário julgará o recurso contra sua decisão.

3 PEREIRA, Thomaz. Quais os poderes de Eduardo Cunha no im­

peachment? Publicado em JOTA em 05 abr. 2016. Disponível em:

<https://goo.gl/ykkPMm>. Acesso em: 27 jun. 2017.

4 G1. Marco Aurélio pede para MP apurar descumprimento de decisão so­ bre abertura de impeachment contra Temer. Publicado em 20 abr. 2017.

Em um ambiente de grave crise política, essa atribuição não é des- prezível, pois é possível antecipar que, em um julgamento político e jurídico – como é o processo de impeachment – a decisão favorável do plenário quanto à admissibilidade de uma denúncia representaria um duro golpe no governo.

O desenho conferido pela norma de organização da Câmara, portanto, concentra poderes em seu presidente para decidir sobre o impeachment do Presidente da República. Em primeiro lugar, para definir quando irá decidir sobre o pedido. Depois, para decidir sozinho se o pedido de

impeachment será ou não processado. Porém, na hipótese de recurso

contra essa decisão, surge um terceiro poder, que é o de indicar “se” e “quando” o plenário decidirá sobre o pedido.

Com isso, na prática, Temer precisa apenas de Rodrigo Maia para evitar que os pedidos de impeachment apresentados na Câmara te- nham prosseguimento. Essa concentração de poderes é uma escolha dos próprios deputados, já que eles podem manter ou alterar as normas regimentais que regulamentam o assunto. No final das contas, cabe à própria Câmara, e aos seus deputados, definir como ocorrerá o rece- bimento dos pedidos de impeachment. Hoje, 513 deputados parecem não ver problemas em deixar que apenas um deles, sozinho, resolva o destino do Presidente da República.

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O ATIVISMO PROCESSUAL DO SUPREMO