• Nenhum resultado encontrado

TEMER, JANOT E A LISTA DE FACHIN: INVESTIGAR É POSSÍVEL

Diego Werneck Arguelhes1

A “lista de Fachin”, com 105 investigados na Lava Jato no Supremo, inclui oito ministros de estado2 – alguns muito próximos do presidente

Temer. Temer, porém, apesar de citado na delação da Odebrecht, está fora da lista. Não porque não haja qualquer suspeita sobre ele, mas porque o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, entende não ser possível investigar o presidente da República nesse caso.

Segundo Janot, durante seu mandato, o presidente da República tem “imunidade temporária a persecução penal” por fatos alheios ao exercício da função3 – o que incluiria quaisquer eventos ocorridos antes

de assumir a presidência. Contudo, o texto constitucional não mencio- na expressamente “investigar” o presidente. Proíbe, sim, que ele seja “responsabilizado” por esses fatos na vigência de seu mandato,4 mas

investigar é responsabilizar?

Sem dúvida, condenar é responsabilizar. E é razoável defender que, pela constituição, o presidente não poderia sequer ser denunciado e

processado. Afinal, se não pode ser condenado, não faria sentido haver

uma denúncia formal agora, que precisaria aguardar o fim do mandato para ser julgada. Teríamos um processo que não pode seguir para sua conclusão.

Mas essa imunidade não chega até o ato de investigar. Investigar não é sequer a denúncia, por parte do MP, na qual se pede a responsabilização. Investigar produz informação, que pode ou não ser usada para uma futura denúncia e, talvez, responsabilização. Além disso, é a investigação de 1 Artigo Publicado no JOTA em 12 de abril de 2017

2 FALCÃO, Márcio; SCOCUGLIA, Livia. Edson Fachin abre 74 inquéritos

da Odebrecht no STF. Publicado em JOTA em 11 abr. 2017. Disponível

em: <https://goo.gl/2dseP8>. Acesso em: 27 jun. 2017.

3 PIRES, Breno. PGR diz que não pode investigar Temer sobre doação ao

PMDB em 2012. Publicado em Estado de São Paulo em 31 mar. 2017.

Disponível em: <https://goo.gl/1k7aWJ>. Acesso em: 27 jun. 2017. 4 PEREIRA, Thomaz. Nada a Temer? Publicado em JOTA em 09 ago.

agora que garantirá que o presidente possa ser efetivamente julgado, no futuro, quando sair do cargo. Não apenas porque provas e testemunhas

podem se tornar inacessíveis com o tempo, mas porque um presidente mal-intencionado pode usar seu cargo, nesse período de imunidade, para tornar mais difícil a investigação futura.5

Há, portanto, fortes argumentos – textuais e práticos – contra a leitura ampliada que o PGR deu fez da imunidade presidencial. Embora essa me pareça a melhor interpretação do texto constitucional,6 não é a úni-

ca possível. Disputas sobre o significado da Constituição são normais. Contudo, independentemente do mérito da interpretação que expande a imunidade presidencial, sua adoção pelo PGR no caso de Temer tem três implicações institucionais importantes.

Primeiro, o PGR retirou do Supremo a chance de decidir sobre sua própria jurisprudência. Como observei em texto anterior,7 no passado

ministros do Supremo já entenderam que a constituição permite a inves- tigação. Em 1992, por exemplo, em inquérito sobre crimes – eleitorais – que Fernando Collor teria praticado durante a campanha, o ministro Celso de Mello observou que a imunidade presidencial “não impede que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-processual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a […] viabilizar, no momento oportuno, o ajuizamento da ação penal”. Na época, nem todos os ministros concor- daram. O inquérito foi arquivado sem uma decisão clara do Supremo sobre esse ponto.

A distinção entre “investigar” e “processar” reapareceu algumas ve- zes no Supremo desde então. Em especial, em 2015, o ministro Teori Zavascki voltou ao tema em inquérito sobre condutas que Dilma Rousseff teria praticado ainda no conselho diretor da Petrobrás. Ao aceitar o pedido do PGR de arquivamento por falta de indícios, Zavascki – dia- logando diretamente, nos autos, com a tese de Janot – registrou que, na jurisprudência do Supremo, a constituição não proibiria a investigação no caso de Dilma se houvesse indícios para tanto.

5 ARGUELHES, Diego Werneck. Temer e Lava Jato: não é proibido investi­

gar. Publicado em JOTA em 06 jan. 2017. Disponível em: <https://goo.

gl/1bY4M2F>. Acesso em: 27 jun. 2017.

6 Idem.

IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF: ENTRE O CONGRESSO E O SUPREMO O PGR pode discordar de Zavascki. Mas, no mínimo, houve ali uma sinalização de que há interpretações divergentes. E, se há divergências sobre tema tão central, quem deve resolvê-las é o colegiado do Supremo. Contudo, ao pedir o arquivamento, Janot resolve esse conflito jurispru- dencial nos seus próprios termos, e por suas próprias mãos, em instância única. Tornou-se assim o intérprete último da Constituição quanto a possibilidade de se investigar Temer.

Segundo, querendo ou não, além de imunizar juridicamente o pre- sidente, acaba por imunizá-lo também politicamente. A imunidade é contra responsabilização penal, não contra fatos e seu efeito público. A Constituição exige que esperemos o fim do mandato para processar- mos um presidente por fatos alheios à função. Mas não impede o juízo público sobre esses fatos, que podem inclusive pesar na campanha eleitoral de 2018.

Terceiro, o PGR exerceu importante poder, mas nublando a respon- sabilidade por sua decisão. Pela Constituição, o PGR controla quando o presidente será denunciado. Consequentemente, deveria ser avaliado publicamente quanto ao uso que faz – ou não – deste poder em cada caso, considerando os fatos que apurou e que considera – ou não – suficientes para a denúncia. Com sua interpretação, porém, o PGR parece transferir a responsabilidade para a Constituição. Na prática, temos uma decisão de não-investigação, mas sem que o PGR figure claramente como responsável.

Apresentou-se de mãos atadas, como se o texto constitucional o proi- bisse até mesmo decidir se investiga ou não, mas essa imagem é enga- nosa. A constituição não se interpreta sozinha. A responsabilidade é de quem assim a interpretou. A posição de Janot cria ainda um problema adicional para futuros PGRs. Nas indicações e sabatinas para o cargo, presidentes e senadores auto-interessados podem escolher candidatos com base na pergunta: qual sua visão sobre a extensão da imunidade presidencial? Escolher investigar ou não depende do caso, mas adotar ou não a posição de Janot sobre a imunidade presidencial é uma questão de direito. Pode ser respondida em tese. Para preservar a autonomia da instituição no futuro, portanto, seria preciso que o PGR de hoje não tentasse transformar seu monopólio da ação penal em monopólio da interpretação constitucional.

A DIFÍCIL APOSTA ENTRE