• Nenhum resultado encontrado

O SUPREMO JÁ ACERTOU Thomaz Pereira

O Supremo decidiu decidir. Independentemente de qual seja sua decisão final, já acertou. Diante de ações questionando aspectos formais do processo de impeachment na Câmara, o tribunal decidiu colocá-las em pauta imediatamente.

As diferentes ações impetradas traziam alguns riscos. Primeiramente, se um ministro decidisse monocraticamente, seja para conceder ou não a liminar, teríamos uma decisão dada em tempo útil para afetar a votação, mas que poderia não expressar o entendimento do tribunal. Pior ainda, diante de ações diferentes, distribuídas a ministros diferentes, podería- mos ter ministros manifestando visões contraditórias sobre o papel do tribunal no julgamento do impeachment. Um Supremo fragmentado é um Supremo fraco.

Além disso, uma decisão colegiada que viesse depois da votação da Câmara já ter ocorrido traria diversos problemas. Se considerasse existentes nulidades no processo teria que anular o procedimento na Câmara depois de sua conclusão. Derrotados comemorariam a nova oportunidade, vitoriosos criticariam a intervenção tardia. O Supremo teria que se defender da acusação de anular o processo, não por vícios procedimentais, mas por discordar do resultado.

Se considerasse inexistentes as nulidades a decisão, correta ou não, viria tarde demais. Incertezas sobre a validade do procedimento podem inflamar um processo que já é naturalmente polêmico. Uma decisão como essa antes da votação, mesmo sem alterar a realidade, pode ser útil por certificar que as regras do jogo estão sendo seguidas. No entanto, da votação encerrada, seria potencialmente inútil. Pior, poderia gerar acusações de que o Supremo teria deixado de invalidar procedimento por concordar com o seu resultado, ou por não ter coragem de anular uma decisão como essa depois de ela ter sido tomada.

Em qualquer desses casos, independentemente da decisão em si, o potencial desgaste à imagem do Supremo seria enorme. Críticas ao conteúdo de suas decisões são normais e, em certa medida, inevitáveis. Críticas à sua capacidade de decidir apontam para um Supremo disfun- cional. Isso é evitável, e não deve ser normal.

IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF: ENTRE O CONGRESSO E O SUPREMO Sabiamente, o tribunal decidiu evitar esses problemas e contornar essas possíveis acusações. O Supremo decidirá. Decidirá colegiadamente. Qualquer que seja o resultado, não será apenas a posição de um ministro, mas do tribunal como um todo. Decidirá tempestivamente. Qualquer que seja o resultado, o Supremo decidirá em tempo para validar o procedimento seguido até aqui ou, se for o caso, para que a Câmara se adeque a sua decisão antes de iniciar a votação do impeachment.

Tempestivo e colegiado, hoje o Supremo se mostra à altura de sua missão constitucional. Mostra que é verdadeiramente um tribunal.

Com o término do recesso judiciário, e com a abertura da sessão legis- lativa do ano de 2016, o debate no impeachment continuou no Supremo. A Câmara dos Deputados apresentou “embargos de declaração” em face da decisão proferida na ADPF 378 – um tipo de recurso que não pode, em princípio, alterar o resultado de um julgamento, servindo apenas para corrigir ambiguidade, contradição ou omissão na decisão já tomada. Como esperado, contudo, o Supremo manteve sua decisão inalterada e, com ela, o rito estabelecido em dezembro.

Com o término – ainda que parcial – da disputa judicial sobre a eleição da comissão especial, o processo voltou a andar na Câmara. No dia 17 de março de 2016, foi formada a comissão especial para analisar o impeachment, nos termos da orientação do Supremo – por votação aberta e sem a possibilidade de apresentação de chapas avulsas. Nesta época, Eduardo Cunha já não escondia ser um inimigo do governo, gerando muitas críticas sobre a condução do processo de impeachment como presidente da Câmara.

As investigações da Operação Lava Jato se aprofundavam, e a cena polí- tica brasileira se dividia em duas frentes: o impeachment e as investigações criminais da Lava Jato, em que mais e mais nomes de políticos apareciam. No início do mês de março, a delação de Delcídio Amaral, senador ligado ao Partido dos Trabalhadores, colocou ainda mais combustível na crise política do governo. A crise se agravou com a divulgação na imprensa de áudios entre a presidente Dilma e o ex-presidente Lula, que indicavam a nomeação do último para ocupar o cargo de ministro da Casa Civil, o que, na prática, poderia protegê-lo temporariamente de investigações, através da atribuição de foro privilegiado. No mesmo mês, grandes pro- testos tomam conta das ruas, em atos a favor e contra o governo. Nesse momento, vários partidos deixaram formalmente a coalizão do governo, dentre eles o PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer.

A comissão especial na Câmara foi responsável por ouvir os denuncian- tes e a defesa da presidente Dilma. Como conclusão, o relator apresentou um parecer favorável ao pedido de impeachment. A comissão aprovou o parecer em votação disputada, por 38 a 27, no dia 11 de abril de 2016. Durante essa fase, mais uma vez o Supremo foi chamado a se manifestar sobre o impeachment, desta vez através de ação proposta pela AGU, que sustentava que o direito de defesa da presidente não havia sido respeitado na Comissão. Todavia, o Supremo não viu lesão ao direito de defesa, e, dessa vez, não interveio no processo de impeachment em andamento.

IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF: ENTRE O CONGRESSO E O SUPREMO Era hora, então, de submeter o pedido à apreciação do plenário da Câmara dos Deputados. Em uma sessão longa e conturbada, 367 deputa- dos votaram no sentido do prosseguimento do processo de impeachment. A sombra do Supremo pairava sobre o Congresso – poderia o Tribunal afetar, ainda que indiretamente, a decisão final dos parlamentares, por meio de argumentos de procedimento constitucional ou mesmo regimental?

Eduardo Cunha entregou o processo de impeachment a Renan Calheiros no dia 17 de abril. Ao Senado caberia o exercício de duas funções, conforme o rito estabelecido pelo STF. Em primeiro lugar, decidir sobre a abertura do processo de impeachment. Se esta decisão fosse favorável, a presidente seria afastada de suas funções. A outra função seria a de proceder ao efetivo julgamento de mérito do impeachment, levando à destituição definitiva da presidente do cargo.

Na comissão especial do impeachment no Senado, coube ao senador Antônio Anastasia elaborar o relatório e parecer. O relator opinou pela abertura do impeachment, o que foi aprovado pela comissão especial e pelo plenário do Senado. Deste modo, no dia 12 de maio a presidente Dilma foi afastada de seu cargo, e o processo prosseguiria com a prepa- ração para o julgamento de mérito.

No mesmo dia em que a presidente foi afastada de suas funções, o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF, assumiu a condução do processo no Senado. O processo de julgamento durou de maio até agosto. Boa parte se desdobrou no âmbito da comissão especial, com uma longa fase de depoimentos da acusação e da defesa. Finalmente, no dia 4 de agosto, o parecer foi aprovado pela comissão especial. Com a posterior aprovação do parecer pelo plenário do Senado, se iniciou a fase de julgamento no Plenário do Senado, onde se oportunizou, mais uma vez, a defesa da presidente.

Finalmente, no dia 31 de agosto, o Senado procedeu à votação so- bre a condenação ou não da presidente. Na votação, novas polêmicas ocorreram quanto ao procedimento a ser seguido. Uma minoria de senadores apresentou um requerimento de destaque para votação da perda dos direitos políticos de Dilma em separado da votação da perda do cargo em si. O destaque foi aprovado pelo ministro Lewandowski, que presidia a sessão, com base em uma interpretação do Regimento, sem ter sido levado ao plenário do Senado. Os senadores votaram, portanto, duas vezes: uma para decidir sobre a perda do cargo, ou- tra para definir a inabilitação para o exercício de funções públicas.

A decisão de Lewandowski gerou protestos, mas prevaleceu. O Senado votou favoravelmente à perda do cargo, mas mantendo a habilitação de Dilma Rousseff para exercer funções públicas. Com isso, terminou o processo de impeachment no Senado, mas gerando novas dúvidas sobre a constitucionalidade do fatiamento da votação e, de um modo geral, do próprio processo de impeachment como um todo.

23

CONFUSÃO DE PODERES?