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Elsa Vieira, Universidade Aberta

RESUMO

Este artigo propõe uma reflexão sobre a problemática das imigrações no contexto português e a sua relação com o mercado de trabalho, através de um quadro teórico de agência (Giddens, 2000) permeado pelo construtivismo de Weber (2010), no domínio da Sociologia.

A entrada de novas nacionalidades no território português leva-nos a conceptualizar uma pretensa interculturalidade (Rocha Trindade, 1993; Covas, 2004; Malheiros e Padilha, 2010; ACIDI, 2012) e desde 2012, a Rede Portuguesa de Cidades Interculturais – RPCI – tem vindo a fomentar (Oliveira, 2016). Introduzimos nesta abordagem o papel do Storytelling (Lefsrud et al., 2013) como ferramenta didática, através da partilha de saberes experienciados por diferentes culturas, colocando a tónica no e na agente conscientes da premência da educação ao longo da vida (Freire, 2006).

Palavras-chave – Interculturalidade; Aprendizagem ao longo da vida; Storytelling

ABSTRACT

This article proposes a reflection on the issue of immigration in the Portuguese context and its relation to the labour market, through a theoretical framework of agency (Giddens, 2000) permeated by the constructivism of Weber (2010) in the field of Sociology.

The entry of new nationalities into Portuguese territory leads us to conceptualize the so-called interculturality (Rocha Trindade, 1993, Covas, 2004, Malheiros and Padilha, 2010, ACIDI, 2012) and that, since 2012, the Portuguese Cities Intercultural Network – RPCI – has been working about (Oliveira, 2016).

In this approach we introduce the role of Storytelling (Lefsrud et al., 2013) as a didactic tool, through the sharing of knowledge experienced by different cultures, placing the emphasis on the agent aware of the urgency of education throughout life (Freire, 2006 ).

Keywords – Interculturality; Lifelong learning; Storytelling

INTRODUÇÃO

Esta análise resulta do aprofundamento de alguns conteúdos recolhidos numa investigação doutoral, denominada “Empreendedorismo no Feminino na região do Algarve”, os quais, por não constituíram o foco central da tese citada, carecem aqui de um enquadramento prévio no eixo temático de Educação ao Longo da Vida.

Durante a pesquisa no terreno, recolheram-se oitenta depoimentos a mulheres empreendedoras. Deparamo-nos com a presença de comunidades migrantes no distrito de Faro, oriundas de

193 diversas nacionalidades e naturalidades: portuguesas residentes e trabalhadoras neste local,

provenientes da zona metropolitana de Lisboa, Alentejo, região Centro e arquipélago da Madeira, sendo cerca de metade das entrevistadas provenientes de outros países (Angola, França, África do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, Alemanha, Singapura, Suécia, Dinamarca, Holanda e Reino Unido).

Importa registar que a nacionalidade britânica, segundo os indicadores estatísticos (Pordata, 2016), a nível continental concentra-se demograficamente em maior número nesta região, onde delimitamos o nosso campo de estudo. De reforçar que esta miscigenação cultural produz efeitos no mercado de trabalho, quer aos autóctones quer aos próprios imigrantes que neste local vêm instalar a sua atividade laboral.

O objetivo desta exposição consiste em debater o tópico das competências interculturais em contextos profissionais, contribuindo com matéria empírica relevante.

Procura-se, de igual modo, contribuir com alguns dados que consideramos relevantes sobre a inclusão de comunidades imigrantes na região do Algarve.

ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

INTERCULTURALIDADE E ADAPTAÇÃO AOS CONTEXTOS LABORAIS

O confronto entre os hábitos, aprendizagens e conhecimentos que os atores carregam entre as diferentes culturas vem conjugar uma adaptação e uma aceitação para cada uma das partes, i.e, uma interculturalidade. Definimos assim interculturalidade como o processo de harmonia entre povos de diferentes culturas (RPCI; Rocha Trindade, 1993; Malheiros e Padilha, 2010). Seguimos como referencial teórico o proposto por Giddens na teoria de estrutura, focando a análise no comportamento de agência perante a estrutura encontrada (Giddens, 2000). Não descuramos, porém, para além da interculturalidade constatada, os obstáculos estruturais que as entrevistadas apontaram, nomeadamente o confronto com as ‘excessivas’ burocracias portuguesas [sic passim].

Segundo Hofstede (2001), as comunidades imigrantes deverão atender às dimensões culturais no que diz respeito aos comportamentos e expetativas laborais do país para onde imigram (Hostede, 2001; Hall, 2011; Trompenaars, 2012). Hofstede (2001) propõe inicialmente cinco dimensões distintivas: distância do poder; aversão à incerteza/risco; individualismo versus coletivismo; masculinidade versus feminilidade; dimensão confuciano. A dimensão ‘distância do poder’ opera na realidade transmitida pelas entrevistadas, no que diz respeito às relações hierárquicas que conduzem às repetidas burocracias citadas como entrave na vida profissional destas comunidades estudadas.

A EDUCAÇÃO E O PAPEL DO STORYTELLING

Destarte, deparamo-nos a questionar o que é educar, qual a sua importância na sociedade e quais os seus distintos objetivos, e.g., culturais, pessoais e ou profissionais. No sentido de Freire (2006), educar é consciencializar os e as agentes das suas capacidades, do seu poder de agir numa sociedade com os recursos nesta disponíveis.

No patamar dos objetivos profissionais, a educação é condição sine qua non para se conseguir um melhor emprego. O foco desta reflexão é precisamente a educação para fins profissionais.

194 A definição de storytelling enquadrável nesta temática diz respeito ao relato de aprendizagens

transmitido por quem vivenciou realidades práticas, por quem experienciou situações laborais concretas e suficientemente relevantes, na sua diferença, para acrescentar elementos novos, que levem a estilizar o apurado em novas epistemes científicas válidas para as questões do trabalho e emprego (Jóvacs, 2015).

A utilização do storytelling como ferramenta didática vem enriquecer, de modo mais célere, conteúdos programáticos na educação formal (Berger e Quinney, 2005), reforçando neste contexto o debate centrado na educação de adultos (Monteiro, 2013).

METODOLOGIA

MÉTODOS E TÉCNICAS

Partindo de uma metodologia de base qualitativa (Kucharte, 2014), analisamos a importância das aprendizagens contínuas e das competências transversais no padrão das novas exigências no emprego, engajadas na era da globalização, i.e., ecletismo, flexibilidade, inovação, entre as demais apregoadas na literatura como os requisitos empreendedores (Valente, 2014) pretendidos nos novos mercados de trabalho.

A técnica utilizada para a recolha dos dados foi a entrevista semi-estruturada, realizada pessoalmente no local de trabalho das entrevistadas. Para a análise de conteúdo, recorremos ao método fenomenológico (De Castro, 2012), após organizar o modelo de análise disposto através do Software Maxqda (Flick, 2005).

Todavia, a conjugação de métodos mistos (Augusto, 2014) permitiu esquematizar o conteúdo apurado e consolidar uma reflexão mais concisa sobre o mesmo, uma vez que o recurso aos indicadores estatísticos (INE, PORDATA, OCDE, Eurostat) veio corroborar realidades encontradas nos elementos empíricos analisados.

RESULTADOS

Deparamo-nos com comunidades imigrantes cujo principal convívio, quer laboral quer social, se faz na ‘mesma língua’ (32%, segundo o levantamento empírico), bem como, por outro lado, comunidades imigrantes que procuram atuar em conjunto com a população autóctone. A questão laboral é aqui tida como um dos motivos para esta realidade híbrida. O facto do setor do Turismo ocupar a grande fasquia do PIB nesta unidade territorial – NUT (David et al, 2015), faz com que inevitavelmente a compreensão e a linguagem entre povos seja facilitada. Muitas portuguesas residentes na região assimilam de igual modo com fluência a língua inglesa. A troca de saberes entre as díspares culturas vem enriquecer a região.

Porém, a prática do storytelling não foi muito manifesta no grupo de entrevistadas, somente um pequeno nicho das entrevistadas consideram importante fazê-lo, muito embora refiram não dedicar o tempo disponível que gostariam. Não obstante, apuramos a existência de reuniões informais entre empreendedoras e empreendedores locais, bem como grupos de mentoring. Reforça-se neste patamar a preferência por estas reuniões em detrimento de frequência de cursos formais. Nestes elementos, observou-se um maior volume de negócios e uma internacionalização da atividade laboral, com prospeções de crescimento futuro.

195 REFLEXÕES FINAIS

Apresentam-se como considerações finais a consciencialização no sentido compreensivo de Weber (2010) de que o mainstream das novas profissões propõe concomitantemente mudanças nos paradigmas da Educação, reforçando-se a importância da formação contínua.

O papel do Storytelling na Educação vem também levantar o debate dicotómico entre educação formal e educação não formal, as denominadas hard e soft skills (Veiga, 2017) no domínio teórico da Sociologia, uma questão que merece um aprofundamento futuro.

O facto de diferentes culturais partilharem saberes e experiências, vem fortalecer o paradigma da globalização, corroborando a premissa de pensar global, empreender local (Vieira e Oliveira, 2016). A necessidade contínua de nos atualizarmos, de nos adaptarmos, de produzirmos constantemente massa crítica sobre as novas realidades laborais que, de modo veloz, têm vindo a surgir, levantam subsequentes debates sobre o papel da Educação para a vida, o pilar de uma sociedade mais rica.

REFERÊNCIAS

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