• Nenhum resultado encontrado

A POSIÇÃO ESQUIZO-PARANÓIDE E SUAS REPERCUSSÕES NO AGIR DOS ASSASSINOS EM SÉRIE

3.1. As defesas e o papel da identificação projetiva: Klein e os mecanismos esquizo paranóides

3.1.1. Rosenfeld e a identificação projetiva nos estados psicóticos

Continuando a tratar do tema das defesas referentes à posição esquizo-paranóide e em especial à identificação projetiva, no artigo Uma Contribuição à psicopatologia dos estados

psicóticos: a importância da identificação projetiva na estrutura do ego e nas relações de objeto do paciente psicótico (1971b), Rosenfeld discute a importância dos mecanismos da

identificação projetiva e da cisão do ego na psicopatologia dos pacientes psicóticos.

Em sua concepção, a identificação projetiva é um processo pelo qual há uma cisão do ego arcaico em que partes boas ou más do self são cindidas e projetadas para os objetos externos sob a égide dos sentimentos amorosos ou odiosos. Desta forma, todo o processo permanece envolto por ansiedades paranóides. As partes destrutivas do self tornam-se os objetos persecutórios, em represália.

Retomando os escritos de Klein de 1946, concorda com ela ao observar que o que se põe em jogo é uma confluência não apenas de mecanismos de cisão, negação e onipotência, mas de impulsos orais, uretrais e anais tanto libidinais como agressivos, sendo mesmo a identificação projetiva o protótipo das relações de objeto agressivas. Para Klein (1946), nos diz Rosenfeld, a identificação projetiva abarcará os processos de cisão do ego e as relações de objeto denominadas de narcísicas – surgidas da projeção das partes do self para o interior dos objetos.

Ao tratar sobre o trabalho de Edith Jacobson (1967), Rosenfeld nos aponta para a importante questão de que a regressão psicótica consiste – em um nível narcísico – na inexistência de limites entre o self e as imagens de objetos, de tal forma que as fantasias se baseiam em experiências de incorporação, que incidem por devoramento ou invasão - por meio de forçar-se, para dentro do corpo do objeto. Essas fantasias, destacadas por Jacobson, são oriundas de estágios iniciais do desenvolvimento, por isso mantêm características narcísicas. Contudo, diferentemente de Klein, e do próprio Rosenfeld, Jacobson, não acredita que esses processos arcaicos podem ser observados na transferência.

Rosenfeld parte para o exame da identificação projetiva, em algumas situações especiais de relações de objeto, mas duas, são de nosso especial interesse. A primeira, seria uma forma de comunicação, através dos métodos projetivos, nestes casos, o paciente psicótico, tal como o bebê, projeta seus impulsos – partes do seu self e ansiedades para dentro do corpo materno. Se a mãe é capaz de contê-los, todo este estado de coisas se torna menos aterradora. Na segunda possibilidade, a identificação projetiva, a partir da excisão das partes

do self, bem como das ansiedades e impulsos, visa à negação da realidade psíquica, de modo a evacuar este conteúdo para dentro do objeto, dele esvaziando-se.

Percebe-se, pois, que o uso excessivo da identificação projetiva marca no indivíduo o prejuízo dos processos de simbolização, sobre isso, nos diz o autor:

É a excessiva identificação projetiva no processo psicótico que oblitera a diferenciação entre self e objetos, que causa confusão entre realidade e fantasia e uma regressão ao pensamento concreto devido à perda da capacidade de simbolização e de pensamento simbólico. (ROSENFELD, 1971b, p.131).

Outro aspecto salientado por Rosenfeld é sobre a importância da inveja na psicopatologia destes quadros, em que se constrói uma relação direta com aspectos da agressividade primitiva, diante do narcisismo onipotente vivenciado por estes indivíduos. O autor frisa sua concordância com Klein, que a identificação projetiva visa, nestes termos, funcionar como uma defesa contra os excessos da inveja.

Ainda no contexto das relações de objeto envoltas pelas identificações projetivas, destaca dois tipos específicos que denomina de relações de objeto parasitárias e delirantes. Nas primeiras, o paciente desenvolveria uma crença de que vive dentro do objeto, funcionando a partir de seu ego. Para Rosenfeld, esta se caracteriza por um estado de total imersão na identificação projetiva, uma alta experiência de agressividade – de inveja.

Esta seria, neste sentido, uma defesa contra qualquer emoção que possa ser sentida como dolorosa, contra a própria ansiedade de separação. O autor descreve o parasitismo extremo como uma hostilidade insidiosa. Para Bion (1965), destaca Rosenfeld, a única forma de lidar com um quadro desse porte é lidar com a efetividade da destrutividade do paciente: “(...) o paciente suga o amor ou a benevolência do hospedeiro para extrair conhecimento e poder que o habilitem a envenenar a associação e destruir a indulgência da qual ele depende para sua existência”. (ROSENFELD, 1971b, p.134).

No que concerne à relação de objeto de tipo delirante, ocorre em pacientes gravemente comprometidos, estes projetam experiências alucinatórias e delirantes sobre o objeto. Este mundo sugere representar o interior materno. O mundo interno gradualmente se tornará incompatível com o viver no interior deste objeto delirante, o qual permanece dominado por uma parte onipotente do self. Importante salientar que o self, ao exercer seu poder no interior do objeto delirante, influencia partes sadias da personalidade a se retirarem da realidade:

Este mundo ou objeto delirante parece ser dominado por uma parte onipotente e, algumas vezes, onisciente do self, que cria a noção de que, dentro do objeto delirante, há completa ausência de dor e liberdade para entregar-se a qualquer capricho. (ROSENFELD, 1971b, p.134).

Nos escritos sobre a Identificação projetiva na prática clínica (1988), Rosenfeld chama atenção para o fato de que é importante considerar a identificação projetiva a partir de duas vertentes simultâneas, não apenas pela sua característica expulsiva, em que o indivíduo busca, de variadas formas, inclusive bastante violentas por vezes, livrar-se de conteúdos extremamente insuportáveis, a partir do controle e domínio de outras pessoas – objetos. Entretanto, a identificação projetiva também pode ser compreendida como uma tentativa de comunicação, na medida em que ao projetar impulsos e partes do self para dentro do analista, há a possibilidade deste sentir e compreender suas experiências, desde que seja capaz de contê-las. Apenas desta forma, estas experiências perderiam suas características aterradoras.

Nestes termos, a contenção significaria uma atitude de passividade, silêncio e inatividade, suportando inclusive as atuações, tanto de acontecimentos reais quanto fantasiados, a fim de estabelecer a tradução de tais experiências. O autor ressalta que esta atitude de continência vai muito além de uma simples passividade, mas alcança o patamar de uma relação simbiótica, que paulatinamente se torna individuada e ressalta:

A maioria dos pacientes, principalmente os pacientes psicóticos e fronteiriços, em geral exige muito pensamento ativo por parte do analista, porque eles mesmos não possuem a capacidade de pensar. O analista tem de reunir em sua própria mente os aspectos difusos, confusos ou cindidos dos processos de pré- pensamento do paciente, para que gradativamente eles sejam entendidos e façam sentido. Isso envolve a necessidade de uma atividade integrada e organizadora por parte do analista. (ROSENFELD, 1988, p. 194).

Um ponto de fundamental relevância para nossa Tese, evocado por Rosenfeld é sobre o aspecto da identificação projetiva enquanto agente de transformação do self e do objeto, ele nos revela que seu uso maciço acarreta inclusive ao objeto que se encontra sob sua influência: “(...) confusão, despersonalização, vazio, fraqueza e vulnerabilidade à influência, a qual pode chegar ao ponto do indivíduo ser hipnotizado (...)” (1988, p.204). Esta seria a essência da capacidade de siderar o outro. A influência dos conteúdos excindidos por este mecanismo tornam as relações objetais envoltas em uma névoa de manipulação, controle, engodo e

invasão, mecanismos, tipicamente presentes nas organizações patológicas de personalidade, por isso, vejamos o que diz Steiner sobre o tema.

3.1.2.Steiner e a identificação projetiva nas organizações