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Steiner e a identificação projetiva nas organizações patológicas de personalidade

A POSIÇÃO ESQUIZO-PARANÓIDE E SUAS REPERCUSSÕES NO AGIR DOS ASSASSINOS EM SÉRIE

3.1. As defesas e o papel da identificação projetiva: Klein e os mecanismos esquizo paranóides

3.1.2. Steiner e a identificação projetiva nas organizações patológicas de personalidade

Steiner (1997), em seu livro Refúgios psíquicos, nos assinala diferentes formas de conceituar os refúgios psíquicos, seja como uma área de segurança para onde o indivíduo se retira, seja como uma forma de alívio temporário da ansiedade - a esta primeira forma, ele se refere como algo espacial.

Um outro viés, de compreensão seria o refúgio psíquico como uma área dependente do funcionamento de uma organização patológica de personalidade, um conglomerado de defesas, ansiedades e relações objetais, esta é a compreensão do refúgio como uma terceira posição diante da qual o paciente “escapa”, como refere Steiner, das posições esquizo- paranóide ou depressiva (KLEIN, 1952) – uma espécie de posição fronteiriça.

Por fim, o conceito pode ser ainda entendido do ponto de vista de sua natureza perversa, em que relações objetais sadomasoquistas são travadas, o que corrobora a estrutura imóvel deste tipo de organização patológica. Steiner descreve que o que se observa é uma pseudo-aceitação perversa da realidade, o que afasta o indivíduo dos aspectos dolorosos desta. O autor salienta que nesta organização, a qual denomina patológica, o sujeito lida com o custo de um estado angustiante, em que o isolamento, a estagnação e o retraimento se tornam marcas presentes do quadro, por outro lado permite ser: (...) uma área da mente onde a realidade não precisa ser encarada, onde a fantasia e a onipotência podem existir sem restrições e onde tudo é permitido (...). (STEINER, 1997, p.19).

Tais organizações estariam vinculadas à internalizações de objetos violentos. Em casos específicos, Steiner expõe que este tipo de organização da psique chega a dominar o indivíduo de forma que este apresenta problemas especificamente voltados à questão da destrutividade. Seriam estes poderosos sistemas de organizações defensivas, movidas na intenção de: “(...) conter, neutralizar e controlar a destrutividade primitiva” (1997, p.20). Assim sendo, o contato com a realidade se torna comprometido pelo mundo da vivência das

fantasias destrutivas, pois as organizações patológicas embrutecem, nas palavras do autor, a personalidade, perturbando seu desenvolvimento.

Em acordo com os demais autores neste capítulo citados, Steiner, propõe que algumas organizações patológicas, pela forma como se estruturam, chegam a desenvolver relações objetais cruéis e tirânicas, o self dependente é dominado pela organização e assim ela própria, se apresenta como um objeto bom que ilusoriamente “protege” contra os ataques destrutivos. Nas organizações patológicas de personalidade, a identificação projetiva, por sua vez, atinge a grupos de objetos que de relacionam entre si, objetos que em realidade são parciais.

Os objetos parciais, segundo o autor, podem ter relações com figuras fantasiadas ou mesmo experiências traumáticas e privações, presentes na história do paciente. O que os liga são seus objetivos defensivos e os efeitos destrutivos diante da personalidade, em que apenas o aniquilamento dos bons objetos garante a sobrevivência destas organizações.

Steiner propõe que há uma espécie de seleção de objetos destrutivos para que projeções destrutivas do self possam ser operadas. O que percebeu em sua prática clínica, corroborado por outros autores, é que as experiências se configuram como a reunião da organização criminosa – que nas fantasias e em sonhos dos pacientes - surgem como lugares seguros promovidos por estes grupos que oferecem proteção, desde que não seja ameaçada sua autoridade.

Costumeiramente os relatos dos pacientes são os de se refugiar no interior do útero, do ânus ou do seio maternos. A criação desse refúgio é possível graças a um complexo circuito de relações objetais, com partes excindidas do self e uma perversa forma de proteção, na qual o indivíduo permanece, em realidade, encarcerado. Por este motivo, Steiner sugere uma pseudo-relação sadomasoquista.

Quando as organizações patológicas de personalidade se rompem, estados de pânico e ansiedade dominam o psiquismo do indivíduo; nestes avassaladores momentos, os estados de refúgios entram naquilo que denomina de colapso - emergindo estados de ansiedades insuportáveis.

Iniciando pelos conceitos kleinianos relacionados às posições esquizo-paranóide e depressiva, Steiner segue em direção a outros autores na intenção de elucidar como a vivência destas ansiedades leva aos rompimentos dos refúgios psíquicos. Acompanharemos o autor nesta caminhada, com especial enfoque na primeira das posições, a esquizo-paranóide – visto a importância que acreditamos ter esta posição na constituição da subjetividade dos assassinos seriais.

O autor salienta que a diferença mais marcante entre as duas posições é exatamente a que conduz à integração crescente da totalidade do self, bem como naquilo que concerne às relações objetais, na medida da mobilidade de uma posição em relação à outra. Suas particularidades advêm da própria dimensão da vida mental, especialmente com respeito às especificidades das defesas, fantasias e tipos de relações objetais.

Sobre a posição esquizo-paranóide, destaca a natureza primitiva das ansiedades que atacam o ego arcaico, e que, em consequência, movimentam defesas igualmente primitivas. Nestes termos, esta relação objetal prototipicamente hostil se organiza em torno de projeções de impulsos destrutivos voltados ao objeto, num processo em que a pulsão de morte é defletida, de tal modo que:

Na posição esquizo-paranóide, as defesas principais são cisão, identificação projetiva e idealização. A estrutura do ego reflete a cisão em self bom e mau, em relação com objetos bons e maus, e as relações objetais são cindidas do mesmo modo. O ego fica tão frouxamente integrado que não existem recordações de um objeto bom quando este é perdido. (STEINER, 1997, p.44).

Com relação ao refúgio psíquico, seria uma terceira posição, proposta por Steiner diferente das posições esquizo-paranóide e depressiva, que se constituiria enquanto um agrupamento de ansiedades, defesas e relações objetais, no entanto, seria balizado pela rigidez das organizações patológicas da personalidade. Para explicá-la, em seu movimento diante das demais posições, ele sugere o seguinte diagrama:

Refúgio

Posição Posição esquizo-paranóide depressiva

Fonte: STEINER, 1997, p.46.

Importante salientar é que o estado mental do paciente pode modificar-se ao longo da base do triângulo, explicita Steiner, e que em alguns momentos, ele pode retornar ao refúgio, se as ansiedades de uma das outras duas posições se tornarem excessivas.

Sobre o tema da cisão, mecanismo típico da posição esquizo-paranóide, Steiner destaca que é fato esclarecer que o processo de cisão é parte normal do processo de desenvolvimento do psiquismo e mesmo que: “Se bem sucedida, o ego é reforçado de modo a

conseguir tolerar a ambivalência, e assim a cisão pode diminuir para introduzir a posição depressiva” (1997, p.47).

Por outro lado, a cisão também pode se configurar como fonte de fragmentação patológica a partir do momento em que a ansiedade persecutória se torna excessiva e conseqüentemente, ocorre a cisão de partes cada vez menores. Este seria o fenômeno descrito por Bion (1957) como a criação de aterradores objetos perseguidores geradores de experiências enlouquecedoras, uma: “(...) cisão em partículas minúsculas e projeção violenta de fragmentos”. (STEINER, 1997, p.48).

A cisão e a fragmentação geram uma sensação de caos e medo intensos, um estado confusional se instala de dimensões insuportáveis, que pode chegar aos quadros de despersonalização e mesmo desrealização. Steiner, em acordo com as opiniões de Klein (1957) e Rosenfeld (1950), entende este momento como um colapso, em que são operados ataques destrutivos contra os objetos bons. Deste ponto de vista, as organizações patológicas buscariam lidar com tais ansiedades catastróficas, momento em que o self é sentido como estilhaçado e desintegrado.

Por este motivo, é fundamental que passemos a compreender como estas defesas arcaicas se configuram em torno de tais organizações patológicas, para tanto, passaremos a abordar o tema do narcisismo destrutivo.

3.2. Sobre o narcisismo destrutivo - da voracidade à sideração: Klein, a inveja e a