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São João de Rua: Festa do Povo, Festa de Todos

3 FESTAS JUNINAS EM CARUARU

3.3 Capital do Forró

3.3.2 O São João Como Festa Urbana: As Festas Juninas de Rua (1962 – 1985) – “Não Mudei Meu São João, Quem Mudou foi a Cidade

3.3.2.1 São João de Rua: Festa do Povo, Festa de Todos

Dentre os elementos mais importantes da construção dos festejos juninos urbanos de Caruaru, nos anos 60 e 70, merece destaque a ação das emissoras de rádio da cidade: Difusora, Cultura e Liberdade221. As mesmas foram fundadas em um momento no qual havia certa concentração das capitais sobre a veiculação das ondas radiofônicas, e serviram de base para um início de interiorização da programação222: não apenas o que era enviado do Recife ou Sul/Sudeste do país seria mostrado, mas, também, daqui, seria enviada a programação pensada na cidade. Assim, as três emissoras caruaruenses tinham significativa importância, não apenas para o município, mas, também, para Pernambuco e para o Nordeste, posto que suas potências davam esta possibilidade: o que era transmitido de Caruaru era ouvido por uma enorme região: Caruaru passava, pouco a pouco, a “aparecer” para o Nordeste, tornando-se porta de entrada e saída cultural.

Nos anos 1960, as emissoras da região traziam uma programação que buscava contemplar a música tida como nordestina, o forró (baião, xote, xaxado, toadas, arrasta-pé,

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A Festa religiosa de Nossa Senhora da Conceição, no entanto, continua a ser celebrada anualmente. 221

Rádio Difusora de Caruaru (1951), Rádio Cultura do Nordeste (1958), Rádio Liberdade de Caruaru (1965) (LACERDA et al, 2005; SANTANA, 2009)

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Somente no final dos anos 80, com a concessão de diversas emissoras de radiodifusão FM, pelo então presidente José Sarney, é que houve uma interiorização massiva das programações.

etc)223. Em Caruaru, as rádios abriram espaço para a cultura local e nordestina e criaram programas que dessem visibilidade aos elementos da cidade: o Carnaval, a Festa do Comércio, eventos religiosos, programas esportivos, etc., tudo era noticiado, transmitido. Porém, foi com os festejos juninos e o forró que houve a maior mobilização: comunicadores das três emissoras, em seus programas, criaram espaços para os forrozeiros, que aumentavam a audiência no período junino, dadas as promoções e campanhas que eram realizadas. Apesar de terem sido diversos profissionais, os mais destacados nessa divulgação de Caruaru enquanto cidade de forró e festa junina foram: Ivan Bulhões, pela Rádio Difusora; Lídio Cavalcanti, pela Rádio Liberdade; e os irmãos Onildo e José Almeida, na Rádio Cultura. Estas ações, no entanto, não foram repentinas: gradativamente, durante esta década, o espaço foi sendo criado nas rádios caruaruenses, ajudando a transformar o panorama junino durante a década. Além das rádios, os jornais, os comerciantes, o poder público instituído e a população passaram a construir as festas juninas que transformaram Caruaru num lugar de forró.

A população se constitui como outro elemento singular na feitura das festas juninas. A cidade crescia, recebia migrantes da zona rural e de outras cidades do Nordeste. Estes novos atores sociais que passaram a habitar Caruaru, em seus diversos espaços urbanos, trouxeram experiências e simbolismos culturais diferentes dos que já moravam na cidade. Apesar de identificar quem eram os ricos e os pobres de Caruaru, esta população que crescia buscava ocupar os seus espaços sociais, sendo as festas um destes elementos. Diferentemente da tradicional “Festa do Comércio”, onde havia as barracas dos clubes sociais “granfinos”, onde havia os espaços dos ricos e dos pobres, ou dos bailes carnavalescos destes mesmos clubes sociais, na festa junina o protagonismo era de todos. Qualquer indivíduo podia fazer sua fogueira defronte de casa, comprar ou plantar milho e produzir iguarias, comprar fogos, dançar ciranda, forró ou marcar uma quadrilha. Moradores de quaisquer das ruas e bairros da cidade podiam adquirir palhas de coqueiro, construir uma palhoça e organizar a vizinhança para as danças224. Estes mesmos moradores poderiam fazer cotas para comprar bandeirolas, balões, barbantes e enfeites e ornamentar as ruas para os concursos organizados pelas emissoras de rádio.

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Santana (2009) mostra alguns folhetos/panfletos com as programações das rádios pernambucanas nas quais constam horários voltados para a música nordestina.

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Um estudo sobre os bairros está no trabalho de Certeau (1996) produzido por Pierre Mayol, p. 37 a 45. Sobre o “bairro”, Mayol escreveu: “Diante do conjunto da cidade, atravancado por códigos que o usuário não domina mas que deve assimilar para poder viver aí, em face de uma configuração dos lugares impostos pelo urbanismo, diante dos desníveis sociais internos ao espaço urbano, o usuário sempre consegue criar para si algum lugar de aconchego, itinerários para o seu uso ou seu prazer, que são as marcas que ele soube, por si mesmo,impor ao espaço urbano.

Mais que a Festa do Comércio e os blocos, ranchos e clubes carnavalescos, que eram patrocinados pelas “classes conservadôras”, a festa junina era de todos. Já havia, como vimos, iniciativas populares para celebrar estes outros dois eventos225, mas, as festas juninas tinham um apelo diferente: emissoras fazendo campanhas, músicas incentivando as festas, tradição arraigada na população e investimentos públicos e privados. Mais que a Festa do Comércio, que se dava na praça Coronel João Guilherme, e que o Carnaval, que se dava na rua da Matriz, a festa junina se dava na cidade inteira, durante um mês inteiro226.

A união de todos estes elementos da festa junina de rua caruaruense foi fortalecida a partir de uma iniciativa que era prática também em outras cidades: realização de um concurso de quadrilhas. Cidades como Natal, Recife, Campina Grande e Garanhuns, por exemplo, realizavam estes concursos incentivados por meios públicos e privados. Em Caruaru, os concursos de quadrilhas conseguiram agregar diversas forças, fazendo com que a festa junina começasse a fincar raízes como uma festa da cidade e não uma festa privada, particular, familiar. SESI, SESC, rádios, jornais, prefeitura, empresários e população construíram o “São João de rua” de Caruaru.