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2. Peregrinos a Santiago de Compostela

2.1. Símbolos dos Peregrinos

Tradicionalmente, os peregrinos a Santiago de Compostela distinguem-se pela sua indumentária e pelos símbolos que transportam durante a sua peregrinação. (fig.15)

Vítor Manuel Adrião descreve as vestes e acessórios dos peregrinos: “No princípio, os peregrinos jacobeos vestiam roupas comuns ao resto dos viajantes. Pouco a pouco, a indumentária foi concretizando-se num abrigo curto que não estorvava o movimento das pernas, uma esclavina, pelerina ou capa de couro que protegia do frio e da chuva, um chapéu redondo de abas largas e um bordão mais alto que a cabeça com ponta de ferro. Presa a ele, uma cabaça fazia as vezes de cantil.”183

Simbolicamente, a túnica significa o abandono da vida anterior, que se foi alterando ao longo da peregrinação, adoptando-se esta indumentária aquando da decisão de iniciar a peregrinação. Actualmente, os peregrinos utilizam roupa desportiva e confortável, bem como calçado próprio para caminhadas (botas e ténis “trecking”).

Tradicionalmente, o peregrino transportava um surrão (bolsa de couro usada pelos pastores), no qual se encontravam os seus pertences necessários à sua peregrinação. Hoje, o surrão foi substituído pela mochila de montanha, mantendo o mesmo objectivo.

Normalmente, a esportilha, escarcela ou morral (pequena bolsa em pele) é atada à cintura, apresentando-se como símbolo da provisão, na qual se encontrava algum dinheiro, mas também aberta à caridade das pessoas, recebendo todo o tipo de dádivas, além das dádivas, materiais ou imateriais, do próprio peregrino, e também das “ofertas naturais” com que o próprio Caminho de Santiago presenteia os seus peregrinos, considerando que o Caminho de Santiago atravessa muitas zonas rurais que, nas várias épocas do ano e de acordo com a sua área geográfica, “oferecem” aos peregrinos os seus sabores. “O simbolismo da esportilha é sobretudo alusão ao acto penitencial da peregrinação jacobeia que na Idade Média e Renascença a Igreja impunha não só à nobreza e ao povo como resgaste de algum pecado capital, mas também aos próprios clérigos cuja impenitência os obrigava à penitência. Nestes casos faltosos era obrigatória a peregrinação ao túmulo do Apóstolo Jacobo como resgaste das faltas cometidas.”184

183 ADRIÃO, Vitor Manuel, Santiago de Compostela – Mistérios da Rota Portuguesa. Lisboa: Livros Dinapress, 2011,

p.207.

76 Presentemente, a esportilha não faz parte da indumentária do peregrino, sendo substituída por uma pequena bolsa, por vezes colocada no interior da mochila, na qual se encontram os documentos do peregrino e algum dinheiro.

A concha ou vieira (fig.16) é um dos símbolos máximos do Caminho de Santiago e dos seus peregrinos, simbolizando o nascimento biológico, espiritual ou simbólico da vida.185 “A vieira foi um intersigna peregrinorum do Caminho de Santiago; uma insígnia da peregrinação que identificava os devotos jacobitas que caminhavam a Santiago ou iam de volta para os seus lares. (…) O costume de levar estas conchas na roupa, com finalidade profilática, era muito antigo; já o faziam os cartagineses e os romanos. A vieira era o símbolo de Vénus, deusa do amor e da beleza, e para aqueles povos mediterrâneos antigos servia como amuleto contra o mal-olhado. Na cultura da peregrinação a Santiago de Compostela, a vieira exerceria um poder curativo e milagroso derivado do poder de apóstolo com o qual se vai identificando com o passar do tempo, sendo um dos atributos de São Tiago-Peregrino. (…).”186

Os peregrinos envergam, presa aos próprios ou às mochilas, a vieira como símbolo das boas obras187, sendo assim referenciada no sermão Veneranda dies, no Codex Calixtinus188. A importância e simbolismos da vieira tiveram repercussões a nível comercial: “Tal significado curativo, prolifático e simbólico das conchas de vieira acaba criando um florescente comércio de vieiras que se desenvolverá, a partir do século XII e durante muitos anos, diante da porta norte da Catedral de Santiago. Aymeric Picaud já informava sobre o negócio de vieiras no capítulo nove do Livro V do Liber Sancti Jacobi, quando descreve a Praça do Paraíso, o adro em que se organizava uma grande manifestação de mercado medieval diante da fachada norte da basílica jacobéia. Entre as vieiras ali expostas para venda havia as naturais e as manufacturadas, feitas pelo grémio dos concheiros em metal (chumbo e estanho).”189

185 FERNÁNDEZ ARENAS, José, “Elementos Simbólicos de la Peregrinación Jacobea” in Actas del Congreso de Estudios

Jacobeos. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, 1995, p.272.

186 SINGUL LORENZO, Francisco, O Caminho de Santiago. A Peregrinação Ocidental na Idade Média. Rio de Janeiro:

EdUERJ – Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1999, p.59.

187 Há notícia, por exemplo, de que, em vida, os peregrinos pedem que, na sua morte, lhes coloquem a vieira, ínsignia das

boas obras, de forma a identificá-los no Juízo Final.

188 MORALEJO, Abelardo (dir); TORRES, Casimiro; FEO, Julio, Liber Sancti Iacobi. Codex Calixtinus. Santiago de

Compostela: Xunta de Galicia / Conselleria de Cultura, Comunicación Social e Turismo / Xerencia de Promoción do Camiño de Santiago, 2004.

189 SINGUL LORENZO, Francisco, O Caminho de Santiago. A Peregrinação Ocidental na Idade Média. Rio de Janeiro:

77 Além disso, a vieira é também utilizada na sinalização do Caminho190.

O cajado ou bordão é também um dos símbolos do peregrino, que serve de apoio e de instrumento de defesa, e evoca as limitações humanas e a necessidade que o homem tem da força divina. O bordão, ligeiramente mais alto que a estatura do peregrino, tem a ponta em metal para se tornar mais resistente nos trilhos mais difíceis. “Também chamado cajado, báculo e muleta ou tau, nesta última forma tem uma conotação mística relacionada com a Santíssima Trindade, por cada um dos três braços do tau representar uma Pessoa ou Hipóstase de Deus: Pai – Filho – Espírito Santo. Neste sentido, apoiar-se no tau, como o fez a franciscana peregrina Rainha Santa Isabel de Portugal em 1325 e em 1335, era o mesmo que apoiar-se na Trindade Divina e a cada passo do caminho iniciático, na sua cogitação interior e contemplação exterior, ia aprofundando cada vez mais o entendimento do Divino.”191

Além disso, “el bordón es uno de los más gratos recuerdos del Camino. Sin embargo, el significado, del bordón se ha extendido a otros conceptos. «Bordonear», andar vagando y pidiendo limosna; «bordonería», costumbre viciosa de andar vagando sin trabajar; «bordonero», ser vagabundo o vagamundo. Son significados que aluden a la parte pícara de la peregrinación jacobea. Podríamos añadir también belitres, goliardos, giróvagos, al nombre de «bordoneros».”192

Actualmente, o bordão continua a ser um elemento presente na peregrinação a Santiago de Compostela, ainda que alguns peregrinos utilizem sticks de ski por serem mais leves e fáceis de transportar e arrumar.

Associado ao bordão aparece um outro símbolo, a cabaça: “Com o bordão do peregrino vai a cabaça amarrada a ele, um palmo abaixo da extremidade superior. (…) Bordão e cabaça apresentam um binómio ocultado que interessa desocultar: enquanto o bordão era apoio corporal e medidor do espaço peregrinado, a cabaça continha o líquido necessário à vida e caminhada, nela expressando o gasto do tempo.”193

Tradicionalmente, a cabaça era utilizada para transportar água ou vinho recebidos nas rações dadas aos peregrinos, simbolizando “un estímulo para agradece-los dons de Deus

190 Este tema será tratado no capítulo IV, subcapítulo 3.

191 ADRIÃO, Vitor Manuel, Santiago de Compostela – Mistérios da Rota Portuguesa. Lisboa: Livros Dinapress, 2011,

p.209.

192 FERNÁNDEZ ARENAS, José, “Elementos Simbólicos de la Peregrinación Jacobea” in Actas del Congreso de Estudios

Jacobeos. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, 1995, p.272.

193 ADRIÃO, Vitor Manuel, Santiago de Compostela – Mistérios da Rota Portuguesa. Lisboa: Livros Dinapress, 2011,

78 expresados na caridade dos homes, evocando a recollida de restos que mandou facer Cristo despois da multiplicación dos pans e dos peixes, no que temos que ver unha invitación ó respecto ós bens creados.”194 Hoje, os peregrinos utilizam os cantis, ainda que se encontrem alguns transportando a tradicional cabaça, muitas das vezes com carácter somente decorativo. O chapéu de aba larga protegia o peregrino do sol, da chuva e do frio, representando a atitude humilde do peregrino, inclinando-se perante a bondade divina.

Associado à Via Láctea, constituída por inúmeras estrelas, o Caminho de Santiago é também conhecido como o “Caminho das Estrelas”, até porque, segundo a lenda, como começou por ser referido no início deste trabalho, terá sido depois de uma chuva de estrelas que o corpo do Apóstolo foi descoberto.

A Cruz de Santiago é também um dos símbolos dos peregrinos, que se assemelha a uma espada, remontando-nos para as batalhas em nome de Cristo, simbolizando a espada a milícia e a cruz o caminho, em que cada um carrega a cruz de Cristo. (fig.17)