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2. Turismo Cultural e Turismo Religioso

2.1. Turismo Cultural

Considerando que cultura é o conjunto de costumes, de instituições e de obras que constituem a herança de uma comunidade ou grupo de comunidades, ou, noutra perspectiva, um sistema complexo de códigos e padrões partilhados por uma sociedade ou grupo social e que se manifesta nas normas, crenças, valores, criações e instituições que fazem parte da vida individual e colectiva dessa sociedade ou grupo, pode apontar-se a cultura como todo o produto do ser humano.

Nesse sentido, o património assume-se como aglutinador da identidade colectiva, uma vez ser o testemunho de uma determindada comunidade, devendo ser alvo de protecção e valorização.

De acordo com Yves Lacoste, o termo património deriva “Do latim «Patrimonium», herança do pai. Este termo designou durante muito tempo os bens de uma pessoa ou de uma família que os recebeu por herança e que, em princípio, os transmitirá aos seus herdeiros. A expressão “património cultural” é hoje utilizada para designar, já não ao nível privado, mas colectivo, os monumentos e obras de arte como a língua (ou o dialecto) e as diversas formas de expressão artística. São mesmo considerados parte do património aspectos da paisagem humanizada que os intelectuais e cidadãos de uma cidade, de uma região ou de um país

117 consideram um conjunto de valores que receberam dos seus antepassados, pelos quais devem velar, prevenindo tentativas de uma formização, sejam elas estatais ou económicas.”283

De facto, “La contemplación, la comprensión, el disfrute, la motivación, el respeto son algumas de las experiencias y sensaciones que un ademirador del patrimonio tiene que sabe manejar y procurar transmitir. El patrimonio no tiene setido al margen de la sociedad. En el mundo globalizado de hoy el patrimonio confiere, a los que quieren y saben apreciarlo, un elemento distintivo y diferenciador que es muy fácil de transformar en foco de atracción y en lugar de encuentro.”284

O património cultural desempenha um papel principal não só na identidade de um povo, assente nas suas raízes, reforçando a sua importância, mas também no desenvolvimento de uma região e país, promovendo o turismo e o diálogo intercultural, além de revitalizar a identidade cultural e preservar os bens culturais materiais e imateriais.

De acordo com Ashworth, é possível materializar a relação entre turismo e cultura em três grandes formas: a relação entre turismo e a arte consubstanciada no designado turismo de arte, a relação entre turismo e património monumental assente no designado turismo patrimonial/turismo de património, e a relação entre turismo e um lugar específico, denominado de turismo étnico.285

Na relação entre turismo e arte, a cultura é materializada em museus, galerias e exposições de arte, além de manifestações artísticas como a música, o teatro e a dança; neste caso, a arte assume-se como importante recurso cultural, fomentador de atracção turística286.

A relação entre turismo e património monumental preconiza uma acção mais direccionada para o património histórico construído, enquanto memória histórica e cultural, assumindo-se como importante produto turístico287.

283 LACOSTE, Yves, Dicionário de Geografia. Lisboa: Teorema, 2003, p.300.

284 HERNÁNDEZ, Josep B.; TRESSERRAS, Jordi J., Gestión del patrimonio cultural. Barcelona: Editorial Ariel, 2011,

p.270.

285 HENRIQUES, Cláudia, Turismo, Cidade e Cultura. Planeamento e Gestão Sustentável. Lisboa: Edições Sílabo, 2003,

p.47.

286 A título de exemplo, indicam-se as exposições de Paula Rêgo, que constituem uma atracção turística onde quer que se

encontrem patentes.

287 A título de exemplo, indica-se a emblemática Torre de Belém que, além do seu valor patrimonial arquitectónico, tem

118 Na relação entre turismo e um lugar específico, a cultura encontra-se associada ao sentido do lugar, assumindo as práticas quotidianas de determinada comunidade, como a gastronomia, costumes, folclore, entre outros, um papel fundamental na oferta turística.288

De acordo com Urry, “turismo é cultura, pois qualquer deslocação de pessoas, por curta que seja, entre o lugar de residência e qualquer outro, satisfaz a necessidade humana de diversidade ao propiciar novos conhecimentos, experiências, encontros.”289

Ainda que tenham sido apontadas como esferas distintas, as interacções entre turismo e cultura vão-se afirmando cada vez mais, graças à “culturalização da sociedade” e à “culturalização das práticas turísticas”, fenómenos que originaram a “cultura do turismo”.

Nos finais dos anos 70, o turismo cultural assume-se como importante produto turístico, ainda que se afirme mais vincadamente nos anos 90 graças ao mercado de massas.

Tal como a definição de turismo, é igualmente difícil apontar uma definição de turismo cultural, fruto das diversas perspectivas que o conceito provoca.

Em 1984, o International Council on Monuments and Sites (ICOMOS) apresenta a

Carta de Turismo Cultural, na qual “concebe turismo cultural como uma forma de turismo cujo objecto é, entre outros, a descoberta de monumentos e lugares. Ele exerce nestes últimos um efeito positivo na medida em que contribui, para satisfazer os seus próprios fins, para a sua manutenção e protecção. Esta forma de turismo justifica os esforços de protecção, conservação e manutenção devido aos benefícios económicos e sócio-culturais que produz para toda a população envolvida.”290

Posteriormente, em 1999, a Carta de Turismo Cultural Internacional “reafirma a importância da conservação assim como salienta a natureza dinâmica da relação turismo/património. Paralelamente, faz referência à necessidade de se estabelecerem mecanismos de reinvestimento das receitas geradas pelo turismo no processo de preservação/conservação, o que constitui um inegável passo em frente para a gestão da cidade histórica.”291

288 A título de exemplo, apresenta-se a Festa dos Tabuleiros em Tomar, onde a tradição agrega em si o folclore e os usos e

costumes.

289 HENRIQUES, Cláudia, Turismo, Cidade e Cultura. Planeamento e Gestão Sustentável. Lisboa: Edições Sílabo, 2003,

p.48.

290 Idem, pp.48-49. 291 Idem, p.49.

119 De acordo com a OMT, o turismo cultural é constituído pelos movimentos de pessoas que obedecem a motivações essencialmente culturais e não deve restringir-se apenas, por exemplo, ao aproveitamento do património cultural construído, mas sim na concepção e organização de produtos nesta área, tais como a gastronomia, o folclore, os usos e costumes populares, o artesanato e os festivais.

No âmbito da investigação relativa ao turismo cultural conduzida pela Association for Tourism and Leisure Education (ATLAS), Richards aponta uma definição conceptual, na qual considera o turismo cultural como “o movimento de pessoas para atracções culturais fora do seu local normal de residência, com a intenção de complilar novas informações e experiências para satisfazer as suas necessidades culturais”; e uma definição técnica, na qual refere o turismo cultural como “o movimento de pessoas para atracções culturais específicas, tais como lugares de património, manifestações culturais e artísticas, de arte e drama para fora do seu local normal de residência.”292

Nesse sentido, o turismo cultural congrega em si todo o património: histórico, cultural e artístico, apresentando um forte recurso e produto turísticos.

Um impulso importante para o turismo cultural prende-se com a criação do conceito de “Capital da Cultura”293, cujos principais objectivos são tornar a cultura das cidades mais acessível e valorizar o quadro da cultura europeia. Paralelamente, a Capital Europeia da Cultura, além da publicidade recebida, é alvo de uma importante projecção nacional e internacional, bem como de renovação a vários níveis.

Paralelamente à Capital Europeia da Cultura, há que referir que “os locais considerados pela UNESCO como de interesse cultural e natural (788), que incluem os classificados como Património Mundial, são factores de atracção do Turismo Cultural (inclusivamente, os definidos como em risco são os locais objecto de maior procura).”294

Quanto aos “consumidores” do turismo cultural, Licínio Cunha considera ser possível estabelecer uma distinção entre quatro grupos de turistas com base na importância dos valores culturais na tomada de decisões de viagens:

292 HENRIQUES, Cláudia, Turismo, Cidade e Cultura. Planeamento e Gestão Sustentável. Lisboa: Edições Sílabo, 2003,

p.50. (ambas as transcrições do parágrafo)

293 Esta ideia pertence a Mercouri que, em 1983, propôs que se designasse anualmente uma “Capital da Cultura”. A

Comunidade Europeia adoptou a ideia, em 1985, designando Atenas como a primeira Capital Europeia da Cultura. Portugal, em 2012, apresenta Guimarães como Capital Europeia da Cultura.

294

SAER (Sociedade de Avaliação de Empresas e Risco), Reinventando o Turismo em Portugal. Estratégia de

120 “1. Culturalmente motivados: turistas para quem a cultura é a motivação determinante da viagem;

2. Culturalmente inspirados: turistas cuja viagem é inspirada por razões culturais, mas é decidida também em função de outros factores;

3. Culturalmente influenciados: turistas para quem a cultura é acessória no momento da decisão da viagem exercendo, contudo, um papel significativo na organização da viagem; 4. Culturalmente neutros: turistas que viajam por razões alheias à cultura.”295

De facto, a cultura assume um papel primordial no sector do turismo. Além de contribuir para o desenvolvimento económico da região e do país, o turismo cultural permite a protecção e valorização do património cultural, bem como a promoção de produtos turísticos relacionados com a cultura.