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No presente capítulo foram apresentadas algumas das principais abordagens em finanças para a avaliação de activos financeiros e pretendeu-se ilustrar a teoria que está por detrás destas aborda- gens, assim como os seus principais pressupostos. Uma das principais bases da teoria financeira é a hipótese de eficiência dos mercados, de acordo com a qual um mercado é eficiente se não possibili- tar a realização de estratégias que permitam ao investidor ganhos anormais de forma sistemática. No fundo, esta hipótese tem como premissa o facto de que nenhum investidor tem acesso a in- formação privilegiada e por isso eventuais tentativas de predição do comportamento das taxas de rendibilidade dos activos são totalmente inúteis.

Naturalmente que a hipótese de eficiência dos mercados tem sido alvo de numerosos estudos e testes, sendo encontrados alguns factos estilizados na literatura que parecem contrariar o princípio de eficiência, nomeadamente a presença de fat tails, de dependência não-linear temporal e evidência de caos [Cont (2001)].

Na terceira secção deste capítulo foram apresentados de forma sucinta os modelos clássicos da gestão de carteiras, nomeadamente o modelo da média-variância de Markowitz, o modelo CAPM e o modelo APT. Para além dos seus pressupostos e princípios, foram também apresentados alguns comentários e testes realizados a estes modelos. Por fim, foram ainda mencionados de forma breve alguns desenvolvimentos mais recentes em certas abordagens de análise dos mercados financeiros, seja ao nível da análise de dependência não-linear entre variáveis seja ao nível da análise das com- ponentes de longo prazo na relação entre variáveis de cariz económico-financeiro. Estas abordagens são alvo de análise mais detalhada em capítulos posteriores.

Capítulo 2

Entropia e informação mútua

Neste capítulo são apresentados os conceitos de entropia e suas variantes, nomeadamente a infor- mação mútua, assim como as suas propriedades e forma de estimação utilizada neste trabalho de investigação. Estes conceitos são explorados nesta tese na tentativa de superar algumas das pos- síveis limitações dos modelos tradicionais utilizados na análise dos mercados financeiros, nomeada- mente ao nível da análise da incerteza e da dependência não-linear entre variáveis. Com vista a contextualizar e justificar a introdução desta medida e suas variantes no presente estudo, são ini- cialmente exploradas algumas similaridades entre a física e a economia financeira, que possibilitam a interacção entre as duas áreas da ciência, criando uma nova disciplina: a econofísica.

Em seguida é apresentada a entropia e suas propriedades matemáticas tanto para distribuições discretas como para distribuições contínuas. A informação mútua é também alvo de análise, assim como as suas propriedades. É ainda descrito o método de estimação para a informação mútua e para a entropia utilizado neste estudo - a equiquantização marginal - que se baseia numa partição equitativa do espaço. Por fim é explorada a utilização da entropia na teoria financeira, sendo também analisados alguns exemplos da aplicação da entropia em determinadas áreas.

2.1

Alguns paralelismos entre a física e as finanças

Assiste-se cada vez mais a uma aproximação entre as diversas áreas científicas com o objectivo de conseguir uma explicação mais realista e aprofundada dos fenómenos naturais e sociais. Desta aproximação é de realçar a que se tem verificado de forma crescente entre a física e a teoria financeira [Mantegna et al. (2000), Stanley et al. (2001)].

Esta cooperação visa superar algumas limitações existentes na teoria económica, devido à com- plexidade e dinâmica subjacentes que são incompatíveis com os modelos tradicionais que são vul-

garmente utilizados [Zhang (1998), Stanley et al. (2001)].

Assim surge a nova disciplina — a econofísica - que pretende acima de tudo explicar a razão de ser de determinados fenómenos económico-financeiros, por meio de uma análise e modelação típicas dos processos da física, nomeadamente através de estudos no campo da física estatística, sistemas dinâmicos não-lineares e outros [Farmer et al. (1999a), Farmer (1998, 1999), Ausloos et al . (1999), Ausloos et al. (2001), Stanley et al. (2001), Drozdz et al. (2001a), Drozdz et al. (2001b), Mantegna et al. (2000), Ilinski (2001), Voit (2001), Bouchaud (2002)].

Um assunto que tem assumido uma grande relevância e tem sido alvo da aplicação de fractais e outros modelos da física é a descoberta que os mercados bolsistas apresentam possíveis falhas de eficiência, o que é revelado, entre outros factores, pelo facto de os pressupostos da distribuição normal e da independência das taxas de rendibilidade dos títulos não se verificarem empiricamente em muitos estudos realizados neste âmbito [Ausloos (1998), Stanley et al. (2001)].

A aplicação de resultados matemáticos e físicos ao mundo das finanças remonta pelo menos ao ano 1900, onde Bachelier, na sua tese de doutoramento Théorie de la Spéculation, testa a hipótese de que os preços das acções flutuam de forma perfeitamente aleatória (passeio aleatório) [Bouchaud et al. (1999c)]. Este modelo, porém, assume um grau tão elevado de simplicidade que pode não conseguir descrever as principais características das flutuações dos preços, nomeadamente na pre- sença de crashes. Isto porque Bachelier assumiu que estas flutuações seguiam uma distribuição normal constante ao longo do tempo, não dando atenção ao caso concreto de eventos extremos. Denota-se desde então uma procura crescente de modelos mais adequados à previsão de aconteci- mentos extremos e medição do risco. Na verdade, a análise e tentativa de previsão de crashes é um dos principais atractivos dos físicos face à teoria financeira.

Os mercados bolsistas são dotados de um elevadíssimo grau de complexidade, devido ao facto de serem sistemas abertos, onde inúmeros subsistemas actuam e interactuam de forma não-linear e dinâmica, cuja análise constitui um atractivo para os físicos que experimentaram alguns métodos diferentes dos utilizados pelos economistas.

Bonanno, Lillo e Mantegna (2001) consideram que os mercados financeiros apresentam vários níveis de complexidade que poderão ter como causa o facto de serem sistemas compostos por inúmeros agentes que interagem entre si de modo não-linear. Os autores identificam três níveis de complexidade para os mercados financeiros. O primeiro refere-se à complexidade nas sucessões cronológicas derivada da dependência temporal linear e não-linear e no facto de que as sucessões cronológicas referentes às taxas de rendibilidade só são assimptoticamente estacionárias. O segundo nível de complexidade diz respeito à existência de fortes indícios de cross-correlation entre títulos e factores macroeconómicos, o que possibilita uma maior capacidade de predição. O terceiro nível de

complexidade apontado por Bonanno, Lillo e Mantegna (2001) refere-se aos movimentos colectivos observados durante eventos extremos nos mercados, nomeadamente crashes. Os autores concluem que os modelos típicos de avaliação dos activos (CAPM, APT ) falham aquando da existência de eventos extremos, dado que estes apresentam características e propriedades estatísticas muito diferentes das apresentadas num dia normal de bolsa. Apesar de tudo, os autores defendem que a modificação da forma da distribuição durante um evento extremo não é totalmente arbitrária, existindo regularidades estatísticas que podem ser detectadas com o objectivo de prever este tipo de eventos no futuro.

Exemplos clássicos da analogia com a física incluem o gás líquido no ponto crítico e o ponto Curie de magnetismo (temperatura à qual os materiais magnéticos se tornam paramagnéticos). Similarmente, durante os crashes, uma grande proporção de investidores decidem simultaneamente vender as suas acções, agravando ainda mais a queda. Segundo muitos investigadores este período é denominado de log-periodic corrections. Este tipo de modelo é vulgarmente utilizado na física para descrever fracturas nos materiais, em que o seu significado se resume ao facto das oscilações num sistema ocorrerem com intervalos de tempo cada vez menores, até se acumularem num único período, chamado período critico [Dacorogna (1999)]. A aplicação desta teoria ao mercado de acções visa a previsão e explicação de crashes [Ausloos et al. (2001), Laloux et al. (1999), Bouchaud et al. (1999c), Sornette et al. (1996), Sornette et al. (1999), Sornette (2002), Lillo et al. (2004), Voit (2001)].

Um outro exemplo, é a similaridade que existe entre a turbulência e os mercados bolsistas. A um nível qualitativo pode-se injectar energia na turbulência a uma grande escala, observando-se que a reacção é apresentada em transferências de energia em escalas sucessivamente menores. Nestes mercados, a informação também pode ser injectada no sistema, numa escala bastante grande, sendo a reacção a essa informação transmitida em escalas muito menores, ao nível dos investidores individuais, por exemplo [Mantegna et al. (1995, 2000)].

De acordo com o conceito de movimento Browniano, uma partícula de grande dimensão inter- actua com um número elevado de moléculas de pequena dimensão, que podem ser discriminadas em termos de equações determinísticas [Ausloos (1998), Bouchaud et al. (1999a), Bouchaud et al. (1999c)]. A influência das moléculas pode ser substituída por uma força aleatória que flutua com o tempo e com a amplitude relativa da temperatura. Da mesma forma, este princípio pode ser apli- cado para modelar o comportamento individual de cada agente no mercado bolsista, sendo posta em causa a “sagrada” racionalidade exigida nos modelos económico-financeiros e que constitui a base de investigação nesta área. Por este motivo, são muitos os economistas que estão, de certa forma, relutantes em aceitar uma teoria que contraria tais princípios [Bouchaud et al. (1999c)].

De entre os vários pontos de interesse dos mercados financeiros, as taxas de juro e os mercados de derivados são também alvos de estudo dos físicos. Como exemplo pode referir-se o modelo de Black-Scholes de avaliação de opções, desenvolvido a partir de uma parceria entre a física e a economia, pressupondo a utilização da distribuição de probabilidades normal, o que certamente pode constituir uma limitação do modelo [Bouchaud et al. (1999c), James (1999)].

Existem ainda outras áreas de aplicação mútua entre a física e as finanças/economia, mais precisamente através de simulação de Monte Carlo e da teoria da matriz aleatória utilizada na física nuclear e também na optimização de carteiras de investimentos financeiros.1